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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

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"Caiu a máscara do Tarcísio", diz deputado federal líder dos caminhoneiros

"Não teve nada de positivo", afirma o deputado federal Nereu Crispim (União-RS) sobre a política do governo Bolsonaro para os caminhoneiros - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
"Não teve nada de positivo", afirma o deputado federal Nereu Crispim (União-RS) sobre a política do governo Bolsonaro para os caminhoneiros Imagem: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

19/03/2022 04h00

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Depois de ter um caminhão roubado e a perna fraturada durante um assalto, o gaúcho Nereu Crispim pegou um avião até Brasília e bateu na porta do gabinete do então candidato a presidente Jair Bolsonaro.

Pegando carona na onda conservadora que varreu o país, e encampando as bandeiras da paralisação dos caminhoneiros de 2018, Crispim se elegeu deputado federal pelo PSL, mesmo partido que levou Bolsonaro ao Planalto.

Hoje, porém, ele está rompido com seu cabo eleitoral e filiado a outra legenda - a União Brasil. "Não teve nada de positivo", comenta o deputado sobre as medidas do governo voltadas aos caminhoneiros.

Atualmente, Crispim é presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, no Congresso Nacional.

Nesta entrevista exclusiva, ele diz que uma nova paralisação "vai ocorrer naturalmente pelo autônomo não ter condições de pagar as contas". E também critica o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas: "caiu a máscara dele: ele está a serviço das grandes empresas".

Procurado, o ministro afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que a pasta "estabeleceu uma comunicação direta com a categoria, mantendo constante diálogo e atuando em inúmeras ações voltadas aos caminheiros". Também elencou uma série de medidas tomadas por sua gestão: "uma agenda tão robusta, mas que pouco contou com a participação do deputado, sem nenhuma contribuição direta".

Confira as íntegras da entrevista e da resposta do ministro.

Muita gente diz que a paralisação dos caminhoneiros de 2018 foi, na verdade, um locaute estimulado por transportadoras e pelo agronegócio. Qual é a diferença de conjuntura para hoje?

Naquela paralisação de maio de 2018, da qual eu inclusive participei, não existiam lideranças consolidadas dos caminhoneiros. Eram grupos de WhatsApp e, naquele momento, eles acabaram se identificando. Emergiram algumas lideranças daquele movimento e o que aconteceu? No decorrer das negociações com o governo Temer, aconteceu uma pauta de reivindicações: piso mínimo do frete, a política de preços da Petrobras, aposentadorias aos 25 anos [de contribuição para a Previdência], o DT-e (Documento Eletrônico de Transporte) - aquela unificação dos documentos fiscais.

Na época, o então candidato a Presidente da República, Jair Bolsonaro, gravou um vídeo dizendo que apoiaria a pauta dos caminhoneiros. Foi um dos motivos, inclusive, que criou aquela máxima de que a categoria estava junto com ele. Durante esse período do governo, não teve nada de positivo. Não foi julgada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) aquela aquela ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) do piso mínimo. A política de preços da Petrobras não foi alterada. E não foi implementado o DT-e como um instrumento que poderia desburocratizar e facilitar a embarcação, beneficiando o caminhoneiro. Só beneficiou os grandes embarcadores.

Tendo isso em vista, o senhor acha que é possível ocorrer uma paralisação massiva como ocorreu em 2018?

Culminou agora com esse percentual astronômico [de reajuste do preço dos combustíveis]. Vão parar porque não conseguem repassar o valor do reajuste para o tomador do frete. É uma questão de sobrevivência. As pequenas empresas que contratam celetistas também estão com dificuldade. Muitas têm cinco caminhões e às vezes têm que vender um para pagar as contas. Ou então financiar no banco.

Então, o senhor acha que uma paralisação pode ocorrer naturalmente porque vai ficar inviável rodar?

Vai ocorrer naturalmente pelo autônomo não ter condições de pagar as contas, e nem ter dinheiro para girar o caminhão, botar diesel, fazer a manutenção. Claro, não [vai prejudicar] as grandes empresas, que têm contratos principalmente ligados à exportação. Elas têm contratos normalmente com variação de dólar, já está agregado ao valor do produto. É garantido o reajuste automático.

Mas por que as grandes transportadoras pararam em 2018 e agora, que o diesel custa quase o dobro, não vão parar?

Em 2018, foi uma parada estratégica, quando viram que o autônomo ia ser o protagonista. Tanto que no momento que estabilizou, que acabou a greve, eles foram os primeiros a comprar uma quantidade de caminhões astronômica para não sofrerem no futuro, [para evitar] que uma nova paralisação prejudicasse seus negócios. Em muitos casos, foi oportunismo para reajustar os preços.

Em outubro do ano passado, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse que o problema dos caminhoneiros era o excesso de oferta: "é simples assim, alguém vai sair do mercado. Dói, mas é isso". O que o senhor achou dessa declaração?

É muito cômodo falar isso porque ele não conhece a história dos caminhoneiros no Brasil. O caminhoneiro no Brasil são histórias de família: é o pai, o avô, que desbravaram esse país afora. Ele não conhece essas pessoas. Elas não têm como, de uma hora para outra, mudar de ramo. Muitos nasceram dentro de uma cabine de caminhão. Então, essa máxima dele serviu para cair a máscara. Ele estava lá a serviço de grandes empresas, como aquela empresa Rumo, que hoje detém quase toda a malha ferroviária do Brasil.

Os caminhoneiros autônomos passam por uma espécie de "uberização", espremidos entre os altos custos e o baixo valor dos fretes oferecidos por embarcadores?

É bem semelhante. É isso que tem que ser combatido. Muitos desses embarcadores, vendo a situação do cara que está lá há 20 dias longe de casa e quer voltar para o seu local, acaba que [impondo]: "o frete é esse! Quer? Não quer, tem quem queira". Tem que arrumar um modelo de contratação em que o pequeno tenha condições de ter acesso [ao frete], sem intermediários.

Qual é a diferença entre o embarcador e a transportadora?

O embarcador é quem contrata a transportadora.

Mas eles podem ser a mesma figura?

Pode ser a mesma figura. Porque ela [a transportadora] pode ter 20 caminhões, mas ter serviço para 40 - e aí ela contrata 20 autônomos.

Uma das principais reivindicações da greve dos caminhoneiros de 2018 era o frete mínimo. Mas o governo Jair Bolsonaro sempre se vendeu como "liberal" na economia - e tabelamento de preço é o exato oposto do que defende um liberal. Por que então os caminhoneiros apoiaram o governo?

Foi uma pequena parte que deu legitimação com a ideia de que ele ia resolver aquelas pautas de maio de 2018. Eu fui um deles - tive várias reuniões com o ministro Tarcísio. Quando caiu a máscara dele, [e se viu] que ele estava lá para empurrar com a barriga, ganhar tempo para montar exatamente esse tipo de logística em benefício dessas grandes empresas, todo mundo caiu na real. Tanto que teve várias ameaças de paralisação e ele dizia que ia botar o exército na rua para desobstruir as estradas.

Então, o senhor acha que, na verdade, um movimento grande como ocorreu em 2018 talvez não aconteça - o que aconteça talvez seja uma paralisação espontânea?

É isso. Exatamente. Não consegue mais andar, não consegue mais pagar o diesel. Muitos estão aí nas estradas, pegaram um frete de São Paulo ao Ceará, por exemplo, e não têm nem como voltar, se não conseguirem ajustar um preço de frete que seja suportável.

Resposta do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas

Desde 2019, o Ministério da Infraestrutura estabeleceu uma comunicação direta com a categoria, mantendo constante diálogo e atuando em inúmeras ações voltadas aos caminheiros. Além disso, por diversas oportunidades, o ministro Tarcísio de Freitas já citou os mais de 40 grupos de Whatsapp que participa com caminhoneiros, além das inúmeras mensagens particulares de recebe diariamente. Neste período, por exemplo, o Governo Federal, através do MInfra, já instituiu o programa Gigantes do Asfalto; criou o DTe, o Documento Eletrônico de Trânsito, reduzindo a burocracia e facilitando a vida dos caminhoneiros; incluiu os Pontos de Parada e Descanso em todos os novos contratos de concessão rodoviária; reduziu valores de pedágios; alterou regras de pesagem e tolerância de peso por eixo; promoveu mudanças na pontuação e no prazo de validade da CNH de motoristas; entre outras. Uma agenda tão robusta mas que pouco contou com a participação do deputado, sem nenhuma contribuição direta.