Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Decisão do STF sobre PJs e uberização pode aumentar rombo da Previdência

Para além das preocupações sobre o afrouxamento da legislação trabalhista e o esvaziamento do papel da Justiça do Trabalho, os recentes entendimentos do STF (Supremo Tribunal Federal) no sentido de liberar geral as chamadas "uberização" e "pejotização" podem provocar outro importante efeito colateral, geralmente escanteado nas discussões sobre o tema: o aumento do rombo da Previdência.

Ao longo do ano passado, ministros derrubaram em canetadas individuais diversas decisões da Justiça do Trabalho que apontavam a existência de fraudes para baratear contratações e determinavam a assinatura da carteira de profissionais que buscavam reparação judicial, nos moldes previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Dessa maneira, caíram sentenças que reconheciam o vínculo empregatício não só em processos movidos contra aplicativos por motoristas e entregadores, mas também em ações ajuizadas contra empregadores por profissionais obrigados a abrir um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) para receber pagamento.

Segundo os críticos, além de sinalizar que a suprema corte está disposta a permitir um perigoso "vale-tudo" na área trabalhista, os ministros da casa também podem agravar o financiamento do já estrangulado Regime Geral da Previdência Social (RGPS) do país. Responsável pelo atendimento de quase 28 milhões de brasileiros, o RGPS registrou um déficit de R$ 290,3 bilhões em doze meses, segundo relatório do Ministério da Previdência do fim do ano passado.

PJs e Aplicativos

Como se sabe, a contratação por meio de PJ reduz não apenas o imposto de renda pago pelo trabalhador obrigado a se transformar em empresa, mas também o valor total pago ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Isso porque a contratante deixa de recolher sua parte — em geral, 20% sobre os salários — e o empregado pejotizado reduz sua contribuição.

O próprio governo federal, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, já externou a preocupação com a queda na arrecadação. Em documento enviado aos ministros do STF em outubro do ano passado, o órgão afirmou que um eventual aumento da pejotização no país "desfalcaria o caixa da Previdência Social, afastando-se da incidência da contribuição social patronal".

No caso dos aplicativos, a situação é ainda mais grave. Atualmente, as plataformas sequer pagam o INSS de entregadores e motoristas, apesar de até defenderem uma nova legislação que, dentre outras coisas, contemple o recolhimento para a Previdência. Nesse caso específico, a discussão é sobre a alíquota — as empresas querem pagar menos do que o governo propõe.

Uma minoria absoluta dos trabalhadores de aplicativo até vem buscando formalização através do MEI (Microempreendedor Individual). Porém, enquanto um empregado com carteira assinada tem desconto de 7,5% a 14% de seus vencimentos para o INSS, o MEI paga apenas 5% do salário mínimo.

Continua após a publicidade

Em outras palavras, o MEI também é extremamente deficitário para a saúde financeira do INSS. Uma pesquisa coordenada por Rogério Nagamine, ex-subsecretário da Previdência do governo Bolsonaro e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), estimou em R$ 600 bilhões o déficit gerado pelo regime do MEI até 2060.

Reforma da Previdência

Em 2019, o Congresso Nacional aprovou uma Reforma da Previdência sob a justificativa de equilibrar as contas públicas e garantir o pagamento das aposentadorias, diante do desafio do envelhecimento da população brasileira.

Assim, é no mínimo curioso que o financiamento do sistema de aposentadorias e de proteção social não venha à tona — pelo menos, não com a importância que merece — nas discussões travadas no STF sobre a tão alardeada necessidade de flexibilizar as regras trabalhistas do país.

Alguns ministros, como Gilmar Mendes, têm ido mais longe ao não só derrubar o reconhecimento do vínculo empregatício, em ações sobre uberização e pejotização, como ao também determinar que os processos passem a correr na Justiça Comum. Na prática, isso retira das mãos de magistrados trabalhistas a competência garantida pela Constituição de analisar qualquer tipo de relação de trabalho.

Nesses casos, a justificativa técnica era a de que os contratos não teriam sido celebrados entre um patrão e um trabalhador, mas sim entre uma empresa tomadora e outra prestadora de serviços, mesmo que essa última seja composta por apenas uma pessoa.

Continua após a publicidade

Para tentar pacificar o entendimento sobre o tema, o plenário do STF — em que se reúnem todos os ministros — deve em breve se pronunciar. A votação sobre o tema da uberização, por exemplo, estava marcada para o dia 08 deste mês, mas acabou adiada. Como se vê, os ministros também vão bater o martelo sobre o futuro da Previdência Social do país.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes