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Xingamentos no metrô, 30 serviços ao dia: a rotina dos eletricistas da Enel

Xingamentos no metrô por usarem uniforme da empresa; falta de material básico para fazer a manutenção da rede elétrica; jornadas superiores a doze horas para tentar cumprir a meta de 30 serviços diários.

Essas são algumas das queixas relatadas a esta coluna por eletricistas terceirizados a serviço da Enel, a concessionária responsável pelo abastecimento de eletricidade na capital paulista. Por medo de represálias, os profissionais falaram sob a condição de anonimato.

Na semana passada, a categoria organizou um protesto em frente à sede da companhia e até ensaiou uma greve, que acabou não se concretizando, depois do assassinato de um eletricista, na zona leste do município. Odail Maximiliano Silva Paula, de 27 anos, tomou um tiro do dono de uma academia, após cortar a luz do estabelecimento.

Com as recorrentes quedas no fornecimento de energia na cidade, desde o fim do ano passado, episódios de hostilidades contra os profissionais têm sido cada vez mais comuns, segundo o Sindicato dos Eletricitários de São Paulo. "O povo está transferindo a raiva [que sente] da Enel para os técnicos", afirma Eduardo Annunciato, presidente da entidade. "Mas a população tem que compreender que eles não têm culpa de nada do que está acontecendo", acrescenta.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Enel diz que "os contratos de serviços entre a distribuidora e as empresas parceiras respeitam a legislação trabalhista e incluem procedimentos e indicadores para o acompanhamento das condições de trabalho dos colaboradores terceirizados, em linha com as melhores práticas do mercado".

Terceirizados se queixam de salários baixos e poucos benefícios

Desde 2019, a Enel reduziu em 36% o número total de funcionários, segundo levantamento realizado no ano passado pela CNN e confirmado pelo UOL, com base nos relatórios trimestrais da companhia.

Esse enxugamento do quadro também se reflete no atendimento na rua, avalia o presidente do sindicato de trabalhadores. Pelas contas de Eduardo Annunciato, seriam necessários ao menos 1.600 eletricistas adicionais para dar conta da demanda.

A Enel contesta a escassez de mão de obra. A nota da distribuidora sustenta que o efetivo de técnicos e eletricistas em campo foi ampliado em cerca de 200 profissionais, desde 2019, "o que atesta que a redução no quadro pessoal não trouxe impactos nas atividades operacionais".

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Hoje, cerca de três quartos dos profissionais envolvidos na manutenção da rede elétrica trabalham para empresas subcontratadas pela Enel. O piso garantido em convenção coletiva a um eletricista terceirizado é de R$ 1.585. Mas a remuneração final pode até dobrar, dependendo do cumprimento das metas.

"A gente fica entre a cruz e a espada. Se você seguir os procedimentos da Enel à risca, você chega na base, faz oito serviços, entrega o carro e diz: 'foi o que deu para fazer hoje'", conta um eletricista. "Um dia, dois dias? Beleza! Mas, no terceiro dia, você vai ser mandado embora: 'você não serve, a gente precisa de alguém que faça 30 serviços por dia", prossegue. É por essa razão que jornadas longas, muito acima das oito horas diárias previstas pela legislação, acabam sendo comuns, explica o profissional.

Os eletricistas empregados diretamente pela Enel recebem um salário-base 35% maior, além de mais benefícios, como participação nos lucros e plano de saúde familiar. Uma das principais bandeiras do sindicato é a unificação dos pisos da categoria, para um valor de R$ 2.640, e o esvaziamento do pagamento por produtividade.

"Para um terceirizado dobrar o salário, ele tem que ralar muito, numa atividade que é cheia de riscos", critica Annunciato. Questionada sobre o sistema de metas adotado pelas terceirizadas, a Enel informa que "os contratos com as parceiras não estipulam este tipo de indicador".

Câmeras nos uniformes geram conflitos com clientes

Outra reclamação comum dos terceirizados é a necessidade do uso de câmeras no uniforme para comprovar a realização dos serviços, como o corte de fornecimento de energia. A exigência não raro gera conflitos com clientes e coloca em risco a integridade física dos profissionais, dizem os eletricistas.

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"Se um técnico vai fazer um desligamento, você vai querer que ele chegue gravando, dentro da sua casa? Ninguém gosta", relata um funcionário ouvido pela coluna. "Como você vai chegar com uma câmera no peito, igual a um PM [policial militar], dentro de uma comunidade com tráfico de drogas e tudo?"

A Enel afirma que o uso desta ferramenta visa a "ampliar a segurança dos colaboradores", verificando o cumprimento de regras de segurança e a correção de procedimentos que possam oferecer riscos de acidentes elétricos. A empresa sustenta que os técnicos "são autorizados a desligar as câmeras, quando necessário".

Os eletricistas também denunciam falta de insumos básicos para a prestação dos serviços de manutenção. "A minha empresa não compra material, tudo é fornecido pela Enel. Mas a gente não tem cabo, não tem medidor", afirma outro profissional.

Em sua avaliação, a falta de materiais prejudica os consumidores finais. "A gente não tem nem lacre — e isso é a segurança do cliente", complementa. Quando um medidor não está devidamente lacrado, o responsável pela conta pode até ser multado. Além disso, eventuais reclamações sobre cobranças indevidas, por exemplo, podem ser desconsideradas, se o medidor não estiver em condições adequadas.

Na nota emitida pela assessoria de imprensa, a Enel "refuta ainda que haja escassez de material e ressalta que tanto ela quanto suas parceiras dispõem dos equipamentos e das melhores tecnologias adotadas no setor elétrico para a execução dos serviços".

A coluna também entrou em contato com o Sindinstalação, entidade que representa as empresas terceirizadas que prestam serviço à Enel, mas não obteve retorno. A matéria será atualizada, caso um posicionamento seja enviado.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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