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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Proposta do governo para trabalhadores rurais cairia melhor para os de app

03/05/2022 04h00

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Às vésperas do 1º de Maio, o governo Bolsonaro resolveu tirar da cartola ideias embrionárias para transmitir a impressão de que está empenhado em resolver o desemprego de 12 milhões de pessoas e a queda de 8,7% na renda do brasileiro.

As bolas da vez são a regulamentação dos aplicativos e a criação de um órgão gestor de mão de obra (Ogmo) para trabalhadores rurais. Os objetivos são combater a precarização e reduzir a informalidade.

Quaisquer medidas nesse sentido são sempre bem-vindas. Mas o governo está claramente ansioso para mostrar serviço em ano eleitoral - e isso impacta no amadurecimento de agendas importantes que deveriam ser discutidas de forma menos atabalhoada.

Em nota enviada à coluna, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) afirmou que a proposta da equipe de Bolsonaro "não tem diálogo com a representação legal dos trabalhadores rurais".

Além de ser desenhada sem a consulta dos principais interessados, o curioso é que a política anunciada para melhorar o trabalho no campo talvez fosse mais adequada para aprimorar as condições de motoristas e entregadores nas cidades. Para entender o porquê, é preciso primeiro compreender o que é e como funciona um Ogmo.

Trabalho avulso

O órgão gestor de mão de obra é uma entidade sem fins lucrativos montada para organizar o trabalho nos portos brasileiros. Bancado pelas empresas, ele tem a função não só de recrutar e pagar, mas também de treinar as pessoas que atuam no carregamento de mercadorias nos navios.

Os trabalhadores portuários têm a liberdade de escolher se querem ou não pegar a diária. Por essa razão, são chamados de "avulsos". Em seu artigo sétimo, a Constituição diz que existe igualdade de direitos entre eles e os celetistas.

Isso quer dizer que, apesar de não ter vínculo empregatício formal com nenhuma das diversas empresas que operam em um mesmo porto, o avulso recebe todos os direitos, de forma proporcional aos dias de serviço. O cálculo é feito pelo Ogmo.

É bastante evidente a semelhança entre portuários e trabalhadores de aplicativos. Em primeiro lugar, motoristas e entregadores também têm a possibilidade de recusar corridas. Além disso, podem estar ligados a mais de uma plataforma.

O governo bate na tecla de que não se deve reconhecer o vínculo empregatício entre aplicativos e trabalhadores, mas parece decidido a fazer as empresas arcarem com os custos da Previdência.

Por que não criar, então, uma espécie de Ogmo para os aplicativos? Os sistemas dos apps -que hoje já nem são tantos assim- poderiam conversar entre si e compartilhar uma série de informações.

Isso ajudaria, por exemplo, no controle de jornada. Assim, motoristas não dirigiriam além do limite do corpo humano e uma série de acidentes poderiam ser evitados, como o que o aconteceu com o ex-BBB Rodrigo Mussi.

Além disso, um Ogmo também poderia se responsabilizar pela padronização de treinamentos e de medidas de segurança. Quantos entregadores seriam poupados de quedas e fraturas?

E o principal: um Ogmo poderia estipular sistemas mais claros de remuneração, desde que houvesse - como acontece no caso dos portuários - a participação de representantes legais dos trabalhadores na negociação das tarifas.

Para que isso acontecesse, seria necessária uma mudança na Constituição para equiparar os trabalhadores de aplicativos aos avulsos, afirma Vinicius Bonfim, conselheiro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e assessor do Sindicato dos Estivadores do Rio de Janeiro.

"E teria que reconhecer os sindicatos como alguém capaz de negociar diretamente com os aplicativos. Essa é a grande diferença: o aplicativo não quer o trabalhador sindicalizado", complementa Bonfim.

Instrumentos legais suficientes

No caso dos trabalhadores rurais, a ideia de criar um Ogmo parece menos inovadora e soa até pouco prática.

Pense no exemplo de um colhedor de café. Ao contrário de motoristas e entregadores que podem fazer corridas para diversas plataformas em um único dia, o mais comum é que ele esteja a serviço de um mesmo produtor, em uma mesma fazenda, por um período mais dilatado.

Além disso, hoje já existe uma série de instrumentos legais que permitem a admissão temporária de um trabalhador, ressalta a nota da Contag.

"Há os contratos por prazo determinado, como os de safra, curta duração, trabalho intermitente e plantação subsidiária ou intercalar (cultura secundária). O que será diferente disso na proposta do governo e o que virá para melhorar os índices de informalidade, garantir trabalho decente e os direitos trabalhistas?", questiona a entidade.

Como de costume, ainda não é possível saber exatamente o que se passa na cabeça dos formuladores de políticas públicas do governo Bolsonaro. Antes de fazer anúncios intempestivos, seria recomendável abrir um debate aprofundado para ouvir especialistas e representantes de trabalhadores e empregadores.