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Inflação e juros em alta nos EUA podem ser mais que 'só' uma nova crise
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Há um misto de terror e pânico nas páginas do noticiário internacional sobre os rumos da economia nos Estados Unidos.
As principais publicações só falam sobre a disparada da inflação e a subsequente escalada de juros - uma tentativa de frear o descontrole de preços que já está contaminando também outros países desenvolvidos e alimentando os rumores de uma recessão global.
A profusão de análises dos mais variados quilates, de investidores palpiteiros a acadêmicos renomados, dá margem a duas impressões. A primeira é de que uma nova crise de proporções tão severas quanto a da Grande Recessão de 2008 está batendo na porta.
A segunda é de que um novo capítulo da História vem sendo desenhado. Nesse caso, os princípios do que muita gente chama de "neoliberalismo" e de "globalização" - tão característicos do arsenal ideológico do século passado - podem estar com os dias contados.
Estagnação, inflação e dívidas
Como escreve Nouriel Roubini, economista célebre por prever a confusão de 2008, já está claro que o problema atual é mais de oferta do que de demanda. Os motivos são manjadíssimos: a pandemia, a Guerra da Ucrânia, a desorganização das cadeias produtivas globais, a escassez de mão de obra nos Estados Unidos - a ponto de pedidos de demissão baterem recordes.
Roubini, porém, enxerga importantes diferenças entre as crises passadas e a que agora desponta no horizonte. Na década de 1970, havia estagflação, quer dizer, economia patinando e preços em alta. A causa era sobretudo o encarecimento da energia, reflexo do embargo do petróleo.
Porém, naquela época, as dívidas impagáveis - simbolizadas pela farra do crédito barato que produziu os famosos subprimes, financiamentos imobiliários tóxicos que vieram à tona com a falência do banco Lehman Brothers - não eram pesadas como em 2008.
O que está por vir, continua Roubini, parece uma mistura das duas grandes crises anteriores: estagflação misturada com dívida. Mas existe um agravante - já não há mais espaço para baixar juros na marra e injetar dinheiro a rodo na economia, como fizeram o governo e o Fed, o banco central americano, em resposta à Grande Recessão.
É justamente isso que pode conduzir ao segundo cenário, a tal mudança na História, com H maiúsculo. Essa transformação já é bastante palpável quando levamos em conta a ascensão de líderes políticos em todo o mundo, como Donald Trump, que advogam medidas protecionistas e nacionalistas - quando não xenófobas. Há quem diga até que o mundo está se "desglobalizando".
Mas o avanço do famigerado "populismo" - de direita ou de esquerda - está mais para efeito do que causa. A real explicação dessa história toda é a fabulosa produção de riqueza, acompanhada de uma inacreditável concentração de renda, dos últimos quarenta anos.
Correção de rumo
Essa política de dinheiro fácil a juros baixos - nos Estados Unidos e nas economias centrais, ressalte-se - fez com que até o bilionário Mark Zuckerberg entrasse na fila do banco para financiar sua mansão de US$ 6 milhões na Califórnia. A lembrança é de Annie Lowrey, colunista da revista The Atlantic. Afinal, para que pagar à vista, se o dinheiro era ainda mais fácil para os muito ricos?
Isso levou à formação nos Estados Unidos de uma "economia do patrimônio", escreve Lowrey, pegando emprestada a tese central do livro "The Asset Economy". Nesse caso, a prosperidade não é determinada pelo dinheiro que as pessoas ganham com seu trabalho, mas por aquilo que elas conseguem acumular em ações, imóveis e outros bens.
Indo direto ao ponto, o problema da economia americana não é um executivo de uma grande corporação ganhar centenas de vezes mais do que uma professora de escola primária. A questão é que o executivo também é dono do apartamento em que vive a professora, cujo salário é espremido entre o aluguel e o financiamento estudantil que ela ainda precisa quitar.
A explosão da inflação e o aumento dos juros estão sepultando a era do dinheiro fácil nos Estados Unidos. Passado o baque da recessão que deve atingir em cheio a base da pirâmide social, essa nova conjuntura até poderia fornecer as bases para uma importante correção de rumo da maior economia do mundo: resgatar o poder da classe média trabalhadora, que até a crise dos anos 1970 vivia em situação bem melhor que a de hoje.
Se isso vai mesmo acontecer, só o tempo dirá. Mas é importante prestar atenção ao que acontece por lá. Não só por causa dos desdobramentos práticos de curto prazo que uma recessão global desencadeada pelos Estados Unidos pode trazer para o Brasil, como o aumento do dólar e a queda nos investimentos. Mas, principalmente, pelos novos ventos e pensamentos que a longo prazo vão surgir a partir da crise.
Já imaginou se economistas e políticos entenderem, de uma vez por todas, que a desigualdade desenfreada precisa realmente ser contida?
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