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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que os Estados Unidos vêm batendo recordes de greves?

20/09/2022 04h00

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Primeiro, os estoquistas da big tech Amazon. Depois, os empregados da gigante varejista Trader's Joe e, quase ao mesmo tempo, os funcionários da famosa cafeteria Starbucks.

Estes são apenas os exemplos mais barulhentos. Há centenas de outros casos com menor repercussão na mídia que ajudam a diagnosticar uma importante tendência em curso na maior economia do mundo.

Nos últimos dois anos, movimentos de trabalhadores por melhores condições (incluindo a formação de sindicatos) vêm ganhando força nos Estados Unidos — ironicamente, um país tido por muita gente como exemplo de desenvolvimento por causa da frouxidão da proteção trabalhista.

Um levantamento da Universidade de Cornell, publicado pela revista Insider, mostrou que o número de greves no primeiro semestre de 2022 já superou o do ano passado inteiro.

No total, ocorreram 180 movimentos entre janeiro e junho deste ano, envolvendo 78 mil pessoas. Já ao longo dos doze meses de 2021, foram registradas 102 greves que mobilizaram mais de 26 mil trabalhadores.

Ambiente político pró-sindicatos

Há diversas explicações para o que vem acontecendo nos Estados Unidos. Politicamente, a vitória nas últimas eleições presidenciais de Joe Biden, um entusiasta da sindicalização, criou um clima favorável ao florescimento de movimentos trabalhistas.

Biden foi particularmente incisivo no caso da Amazon, acusada de tentar desestabilizar as mobilizações de empregados em seus armazéns.

"Vou ser claro: não cabe a mim decidir se alguém deve ou não se filiar a um sindicato. Mas vou ser ainda mais claro: isso também não cabe ao empregador. A decisão é apenas dos trabalhadores", disse Biden, sobre uma votação realizada em uma planta do Alabama, no começo do ano passado.

Uma pesquisa de opinião do instituto Gallup, divulgada no fim de agosto, evidencia a atmosfera pró-sindicatos nos Estados Unidos. Do total da população, 71% se mostra favorável a organizações de trabalhadores — o maior índice desde 1965.

Alta da inflação e mercado de trabalho em transformação

Fatores econômicos também vêm contribuindo para o renascimento de sindicatos e para a erupção de greves em todo o país. Um dos mais significativos é a histórica disparada da inflação, a maior das últimas quatro décadas, na ressaca da pandemia.

Cruzar os braços para reivindicar aumento vem se mostrando uma das saídas mais pragmáticas para recompor as perdas salariais causadas pelo aumento descontrolado de preços. Nos últimos doze meses, a inflação atingiu a marca de 8,3%.

Mas há também outras questões econômicas, de natureza mais subjetiva do que a pura e simples escalada do custo de vida, que explicam o atual momento de efervescência.

Apesar da baixa taxa de desemprego, atualmente em apenas 3,7%, existe uma espécie de mal-estar generalizado com o mercado de trabalho. Isso se materializou na chamada Grande Renúncia, a onda de milhões de pedidos de demissão na retomada da economia no pós-pandemia, no ano passado.

O fato é que uma parcela cada vez maior de trabalhadores vem colocando em xeque a estagnação salarial dos últimos 40 anos e a abissal desigualdade social da sociedade norte-americana. A renda da metade mais pobre da sociedade americana cresceu tímidos 3% ao longo das últimas quatro décadas.

O aumento do número de greves e o acelerado surgimento de coletivos de trabalhadores são sintomas de que uma mudança estrutural profunda pode estar em curso na principal potência do planeta.