Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mototáxi de Uber e 99 mostra que o antigo lema tóxico do Facebook sobrevive
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Antes de entrar na mira do Congresso dos Estados Unidos por causa de uma série de escândalos, como o vazamento de dados pessoais de usuários e o tímido combate às fake news, o Facebook tinha um lema sedutor: "Move fast and break things".
Traduzindo para o português, seria algo como: "mexa-se rápido e quebre tudo". Durante anos, essas palavras de ordem funcionaram como mantra para quem buscava sucesso no mercado tech.
Diante das pressões para repaginar a marca e expiar seus pecados, Mark Zuckerberg abandonou o slogan que fez de sua bilionária companhia sinônimo de "disrupção" — o conceito preferido da indústria de tecnologia. No fim das contas, a empresa até trocou o nome para Meta.
No entanto, a tóxica ideia de se provar inovador, na base do custe o que custar e do doa a quem doer, não parece ter sido enterrada com a mudança de postura de Zuckerberg.
Aqui no Brasil, o espírito bandeirante das techs, que não raro bate de frente até com a legislação em nome de um "interesse público" para lá de duvidoso, dá o ar de sua graça na polêmica sobre o mototáxi na cidade de São Paulo.
Uma morte de motociclista por dia
Como se sabe, desde o começo do ano a Uber tenta emplacar o transporte de passageiros sobre duas rodas na capital paulista. Na semana passada, foi a vez de sua principal concorrente — a 99 — trilhar o mesmíssimo caminho.
É importante recordar que essa não é primeira vez que um aplicativo desafia a legislação local sobre o mototáxi. Quatro anos atrás, o colombiano Picap até tentou a sorte, mas acabou não vingando.
A lei municipal 16.901 de 2018 proíbe esse modal de transporte em São Paulo por motivos óbvios: a alarmante taxa de acidentes com motos.
Em dezembro, a CPI dos Aplicativos na Câmara Municipal mostrou que, de seis anos para cá, a proporção de motociclistas atendidos no Hospital das Clínicas, referência no tratamento de traumas na cidade, subiu de 20% para 80% dos pacientes.
Um recente relatório da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) revelou que, em 2021, ocorreram 363 mortes de motociclistas na capital. Uma assustadora média de quase um óbito por dia.
Política do "fato consumado"
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, até se mexeu rápido ao reiterar a proibição do mototáxi na cidade e sinalizar com possíveis punições.
Porém, não fechou as portas em definitivo para o serviço ao criar uma comissão especial para estudar o tema e debater uma possível regulamentação.
Dias após colocarem o bloco na rua, Uber e 99 recuaram e anunciaram a suspensão temporária da nova funcionalidade de seus aplicativos. Mas ainda não está claro em que pé anda a oferta do serviço na capital paulista.
De todo modo, a estratégia dos aplicativos é evidente: criar um fato consumado, estimulando uma cultura de utilização do mototáxi, principalmente na periferia, para induzir o poder público municipal a aprová-lo.
E como ficam os trabalhadores?
A possível aprovação do mototáxi em São Paulo tem tirado o sono de representantes de motofretistas.
Edgar Silva, presidente da Amabr, entidade que congrega entregadores de aplicativos, é terminantemente contra o serviço na capital paulista.
"Imagina pessoas que não têm habilidade [e treinamento adequado] ficando tanto tempo expostas, 8 horas, 10 horas, em cima de uma moto?", questiona Silva.
"Tem passageiro que não sabe andar na garupa, e aí desequilibra a moto. Se está acontecendo esse monte de acidente com uma pessoa só, imagina com duas?", complementa o presidente da Amabr.
Definitivamente, Uber e 99 parecem apegadas ao ultrapassado modus operandi do Facebook, de fazer primeiro e perguntar depois, para nortear seus negócios no Brasil.
O problema é que, no afã de "mexer-se rápido", existe um sério risco de que trabalhadores e passageiros se quebrem.
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