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'Treinador de robô' deve ser CLT, afirma decisão pioneira da Justiça
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Sabe aqueles atendimentos automatizados por telefone em que você conversa com um robô para explicar o que está buscando?
Por trás da inteligência artificial de ponta, que escuta seu pedido e encaminha sua demanda ao departamento competente, esconde-se uma legião de trabalhadores de carne e osso.
São os chamados "crowdworkers" — pessoas recrutadas por meio de plataformas digitais que recebem dinheiro para treinar robôs. Geralmente, elas trabalham de casa, conectadas à internet, e realizam tarefas rápidas, elementares e, acima de tudo, baratas.
No caso específico do teleatendimento, a missão dos crowdworkers consiste em escutar e decifrar as falas dos clientes que a inteligência artificial não foi capaz de compreender, por algum ruído na comunicação.
Na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região confirmou uma decisão de primeira instância que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre crowdworkers e uma plataforma chamada IXIA.
A empresa, que já encerrou suas atividades, prestava serviços para a seguradora Liberty e para a provedora de TV por satélite Sky, aprimorando seus sistemas de teleatendimento.
"Foi a primeira ação coletiva de crowdwork aqui no Brasil, um caso inédito", afirma Rodrigo Castilho, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) responsável pelo processo movido contra a IXIA.
Como funciona o crowdwork
"Para corrigir as falhas da inteligência artificial, a IXIA contratava humanos. O humano, então, escutava diálogos de cinco segundos, às vezes, de três segundos", descreve Rodrigo Castilho.
"Tinha uma planilha: 'o robô não compreendeu uma palavra, a pessoa pronunciou errado alguma coisa'. A pessoa relatava os erros do robô e recebia por segundo [escutado]. Era R$ 1 por segundo ", complementa o procurador.
Desencadeada após uma denúncia, a investigação do MPT apurou que a IXIA obrigava seus funcionários a abrir empresa no formato de Microempreendedor Individual (MEI). Para receber a remuneração, eles precisavam emitir nota fiscal.
Segundo o MPT, todo o processo de trabalho era controlado pela IXIA. A plataforma impunha a necessidade de treinamento específico e ameaçava com punições, como a suspensão de acesso ao sistema, caso a tarefa não fosse realizada de acordo com suas orientações.
Além disso, a empresa proibia que os funcionários dividissem as atividades com parentes ou amigos e estabelecia grades fixas de horários que deveriam ser escolhidas pelos trabalhadores.
A justificativa da IXIA para refutar a ideia de vínculo empregatício se baseava na ideia de que as pessoas tinham liberdade para escolher as grades de horários. Assim, não estariam efetivamente subordinadas à empresa.
Na ação, o procurador rebateu o argumento da plataforma. "A própria lei estabelece a subordinação jurídica no contrato de trabalho intermitente, a despeito da liberdade de decisão do trabalhador de aceitar ou não a oferta de trabalho. O que importa é a gestão e o controle no momento em que o trabalho é, de fato, prestado", sustenta o texto.
Em sua decisão, o TRT também não acatou os argumentos da IXIA. "A inexistência de horários pré-definidos de trabalho e a possibilidade de escolha do trabalhador em relação ao momento em que deseja trabalhar não eliminam a subordinação jurídica", diz o acórdão.
Exemplos internacionais
Assim como acontece com aplicativos de transporte de passageiros e de entrega de comida e de produtos, há um crescente debate sobre a regulamentação do trabalho em plataformas de crowdwork em todo o mundo.
Na Alemanha, por exemplo, uma decisão pioneira do Tribunal Federal do Trabalho, de dezembro de 2020, abriu espaço para o reconhecimento de direitos trabalhistas de pessoas cadastradas em plataformas de microtarefas.
Analisando o caso específico de um homem que tinha por incumbência responder perguntas simples sobre anúncios publicitários de mercadorias, a corte entendeu que "de maneira típica dos empregados, o demandante executava trabalho sujeito a instruções e era dependente da plataforma".
No Brasil, a decisão sobre o caso IXIA pode criar os precedentes para a análise de casos semelhantes no futuro.
O que dizem as empresas
A reportagem não conseguiu fazer contato com representantes da IXIA.
A assessoria da Sky também não respondeu ao pedido de esclarecimento.
Em nota, a seguradora Liberty informou que o contrato com a fornecedora foi encerrado no ano passado.
"A companhia não tinha conhecimento de qualquer prática irregular da IXIA acerca do descumprimento da legislação e reforça que não admite a precarização de direitos trabalhistas, pois sempre cumpriu com suas obrigações legais", afirma a seguradora.
A matéria será atualizada caso os posicionamentos sejam enviados.
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