STF e uberização: qual é o peso da corte na regulamentação dos apps?
Na última sexta-feira (29), o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconhecia o vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo Cabify. A plataforma já não está mais em operação no Brasil.
Essa foi a terceira vez, somente neste ano, que um ministro da mais alta corte do país derrubou, por conta própria, uma medida da terceira e última instância da Justiça trabalhista sobre o tema.
Nas outras duas ocasiões, foi o ministro Alexandre de Moraes quem negou a existência de relação de emprego entre um motorista e um aplicativo, nos moldes previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Coincidência ou não, a decisão de Fux veio à tona duas semanas após a sentença da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) que determinou à Uber o pagamento de uma indenização de R$ 1 bilhão e a assinatura da carteira de trabalho de seus motoristas. Como se trata de primeira instância, a empresa pode recorrer.
O comportamento das altas esferas do poder judiciário é peça-chave no debate sobre a regulamentação do trabalho em aplicativos no Brasil e ajuda a compreender a atuação das plataformas no Grupo de Trabalho (GT) montado pelo governo federal em Brasília. Até o presente momento, a comissão não chegou a um consenso.
Mudança de postura da Justiça do Trabalho
Quando começaram a surgir os primeiros questionamentos na Justiça do Trabalho, grande parte das decisões era refratária ao reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos — o que, inclusive, contradiz o senso comum de que o judiciário trabalhista é sempre mais simpático aos empregados do que aos empregadores.
Nas notas distribuídas à imprensa pela assessoria de comunicação da Uber, por exemplo, é comum a citação de que a companhia conta com mais de seis mil decisões de primeiro grau negando a assinatura de carteira e o pagamento dos direitos correspondentes. Mesmo no TST, o placar também se manteve favorável às empresas por um bom tempo.
No entanto, com o passar dos anos, uma nova percepção sobre o tema foi se cristalizando em parte dos magistrados trabalhistas. Sem dúvida, essa transformação é fruto da mobilização das categorias, da cobertura da imprensa e da atuação de acadêmicos e ativistas. A recente condenação da Uber em R$ 1 bilhão é certamente um dos exemplos mais chamativos desse processo.
A mudança de postura no judiciário trabalhista se reflete principalmente no TST. Atualmente, existem quatro turmas a favor e três turmas contra o reconhecimento do vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos.
Em outras palavras, no caso da última instância do judiciário trabalhista, o jogo virou — e hoje as empresas aparecem atrás no placar. Em entrevista ao UOL, o presidente do TST, Lelio Bentes Corrêa, afirmou que uniformizar os entendimentos das diferentes turmas do tribunal sobre esse assunto é um dos principais e mais urgentes desafios da corte.
Plataformas sabem qual é a posição do STF
É aí que entra o STF, corte tida como pouco sensível a direitos trabalhistas. De fato, os dados apontam para essa interpretação.
De acordo com o Anuário da Justiça Brasil 2022, publicação do site Consultor Jurídico (Conjur) com análises dos votos de magistrados de todo o país, a suprema corte foi amplamente pró-empregadores ao longo do ano passado. Em 85% dos casos, as decisões dos ministros bateram de frente com os pleitos dos trabalhadores.
Com a recente aposentadoria de Rosa Weber, a ministra da corte mais favorável à legislação trabalhista, a tendência é que o STF se torne ainda menos protetivo nesta matéria, caso o novo indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tenha perfil semelhante ao da antecessora.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberEvidentemente, as plataformas sabem qual é a orientação do STF. Assim como também conhecem a opinião pouco entusiasta da maioria do Congresso Nacional sobre a aplicação das regras da CLT aos trabalhadores de aplicativos.
Por isso, batem o pé por uma nova legislação e não abrem mão de pagar apenas as "horas efetivamente trabalhadas", sem remunerar os intervalos entre as corridas e o tempo todo à disposição das empresas — princípio básico do direito do trabalho.
Diante desse cenário, o governo tenta costurar um acordo que estabeleça algumas garantias, principalmente de remuneração mínima e de cobertura previdenciária. A aposta é de que um eventual acordo garanta a chamada "segurança jurídica" e reduza o número de ações judiciais sobre o tema.
No entanto, motoristas e entregadores têm resistido às propostas apresentadas até aqui. Por ora, o futuro da regulamentação do trabalho por aplicativos no Brasil é de completa indefinição.
Deixe seu comentário