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Reportagem

Não adianta país crescer 5% e beneficiar mais ricos, diz economista

Nem educação básica de qualidade, nem tributos sobre grandes fortunas.

É para desmistificar o que ele chama de "panaceias", ou seja, de soluções mágicas para a reduzir a gigantesca distância entre o topo e a base da pirâmide da renda no país, que o economista e sociólogo Marcelo Medeiros lança o livro "Os ricos e os pobres - O Brasil e a desigualdade", pela editora Companhia das Letras.

Nesta entrevista exclusiva à coluna, o professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, fala sobre a importância de entender o combate à desigualdade como um mantra para todas as políticas públicas — da saúde à educação, passando, claro, pela economia.

"Há muito mais renda nas mãos do 1% mais rico do que na metade mais pobre da população adulta. De cada R$ 5 do país, R$ 1 é apropriado pelo 0,5% mais rico", diz um trecho da apresentação do livro, ilustrando o tamanho do problema.

"Pobreza tem a ver com pessoas pobres. Desigualdade tem muito mais a ver com pessoas ricas. Porque a desigualdade no Brasil está concentrada no topo da distribuição", explica Medeiros.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Diminuir a desigualdade é uma bandeira essencialmente "de esquerda"? Como o senhor enxerga esse tema na atual arena política, altamente polarizada?

Uma parte grande da direita acha que a desigualdade é um problema muito importante. O grupo que discorda da importância da desigualdade é um grupo muito pequeno, que tem mais a ver com o conservadorismo. E uma parte da esquerda também dá menos atenção do que deveria para a desigualdade. Dá ênfase demais ao "desenvolvimento nacional", vamos dizer assim. No fundo, é onde ela converge com a direita mais conservadora. Mas eu não tenho dúvida de que a incorporação da desigualdade ao debate político foi um ganho gigantesco da esquerda e foi trabalhada com muito esforço durante muito tempo.

Uma das grandes justificativas para se fazer uma reforma tributária, como a que está atualmente em debate no Congresso, é justamente o combate à desigualdade. O Brasil tem um sistema tributário reconhecidamente "regressivo", ou seja, que pesa mais sobre os mais pobres. Como o senhor vê esse tema?

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São duas coisas que a gente pode responder. Primeiro, se isso é a coisa mais importante a se fazer. A segunda é se isso vai ajudar. A resposta para a primeira pergunta é "não". Combater a desigualdade vai exigir a combinação de um conjunto muito grande de políticas. Na verdade, o livro é sobre isso. Mas a [resposta para a] segunda questão é "sim". A gente tem que melhorar. A tributação brasileira precisa ser mais progressiva. Já existem grupos, por exemplo, tentando obter vantagem nessas reformas tributárias para ganhar isenções e subsídios. E aí eu chego ao ponto central que, no fundo, é a discussão do livro.

Qual é, então, a ideia central do livro?

A ideia central do livro é a seguinte: o Brasil é incrivelmente desigual e combater a desigualdade não vai ser uma tarefa simples. Vai exigir muito dinheiro, vai exigir muito tempo, vai consumir um capital político gigantesco. Porque isso vai exigir enfrentar conflitos distributivos que estão espalhados na sociedade inteira. Mas o que o livro tenta fazer? Ele tenta trazer ferramentas. Tudo tem que ser desenhado com a desigualdade em mente. Não é que a gente precisa ter políticas de combate à desigualdade. O combate à desigualdade deve estar presente em todas as nossas políticas. Isso tem implicações gigantescas. Para cada política que a gente fizer, a gente tem que perguntar o tempo inteiro: quem é que vai estar ganhando com isso e quem é que vai estar perdendo?

E aí o senhor está se referindo a políticas educacionais, econômicas?

A todas. A nossa política monetária, quando você define a taxa de juros, a gente tem que perguntar quem serão os principais beneficiários, quem serão os beneficiários secundários. Quando você vai numa discussão sobre garantir subsídios tributários, a pergunta é: e quanto cada grupo vai ganhar com isso? Na verdade, tem uma questão até maior que isso. Se você parar para pensar bem, qual é o pilar central de uma parte gigantesca da discussão da economia brasileira? É se isso vai afetar ou não vai afetar o crescimento. O meu argumento é que essa pergunta está errada. A pergunta certa é: quem é que vai crescer com isso? Vai beneficiar os mais ricos? O país pode crescer 5 % e esse crescimento ser pró-rico ou ser pró-pobre. São 5 % do mesmo jeito, mas são tipos de crescimento completamente diferentes. O que interessa do ponto de vista social é o crescimento das pessoas mais pobres. O debate sobre o crescimento tem que ser pautado por isso.

Mas existem alguns focos? Via de regra, a ideia de "melhorar a educação" é sempre citada como uma das soluções?

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O livro vai no caminho de dizer que não existem esses focos. É uma coisa muito grande. Na verdade, tudo é foco. Essa é a primeira coisa. A segunda coisa é uma separação entre desigualdade e pobreza. As pessoas confundem reduzir a desigualdade com reduzir a pobreza. Políticas de redução de pobreza têm impacto muito pequeno sobre a desigualdade no Brasil. Elas são muito boas e muito importantes para que as pessoas não sejam pobres. Mas não afetam a desigualdade. Pobreza tem a ver com pessoas pobres. Desigualdade tem muito mais a ver com pessoas ricas. Porque a desigualdade no Brasil está concentrada no topo da distribuição.

E a questão da educação?

Educação é um termo genérico demais. Educação pode ser primária como pode ser superior. A educação que realmente tem potencial para reduzir desigualdade é a educação superior em cursos de elite. É aí que uma parte gigante da desigualdade está concentrada.

Esse argumento soa contraintuitivo. Porque o senso comum diz que é preciso ter foco na educação básica...

Ele é contrário ao debate em curso, mas não é contraintuitivo. Se você desse ensino médio para a população brasileira toda, a desigualdade não cairia 10%. E isso demora mais ou menos 50 anos. Então, o primeiro problema, se é para reduzir a desigualdade, você vai ter que dar ensino, por exemplo, superior e de alto nível.

Quem tem alguma importância sobre a desigualdade é o ensino superior, em particular o ensino superior dos cursos de elite, que é onde o Brasil não expandiu. Mas mesmo que isso fosse expandido brutalmente, ao ponto de todo mundo ter doutorado, isso reduziria a desigualdade só em 20%. Portanto, a primeira conclusão é que a educação é necessária, mas é insuficiente.

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A segunda coisa é que a educação é um investimento de longo prazo. Se você fizer uma reforma educacional, depois que você formar toda uma geração de pessoas nesse novo sistema, o que você vai fazer com todo o seu mercado de trabalho que já foi formado décadas atrás?

Ou seja, não existe bala de prata para reduzir a desigualdade?

No fundo, o que eu estou tentando fazer é desmistificar a ideia de que você tem panaceias para o problema da desigualdade. Mas eu também vou tentar desmistificar a ideia de que criar um tributo sobre grandes fortunas vai reduzir a desigualdade. Também vai ter um impacto muito pequeno. Não tem panaceia. Vai dar muito trabalho, vai levar muito tempo, vai consumir um capital político gigantesco. E, acima de tudo, vai ter resistência porque isso afeta o conflito distributivo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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