Moraes toma 'aula' de direito trabalhista em debate envolvendo iFood no STF
Durante um julgamento na primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), realizado na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes foi corrigido por três colegas ao sugerir que o iFood não poderia ser responsabilizado por irregularidades trabalhistas cometidas por uma terceirizada.
Na sessão presidida pelo próprio Moraes, e disponível no canal de YouTube do STF, os ministros discutiam a reclamação de uma empresa subcontratada pelo aplicativo para fazer entregas no Rio de Janeiro.
A terceirizada questionava uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) que apontou vínculo empregatício com um motoboy e determinou o pagamento de direitos, como férias remuneradas e 13º salário.
Em sua defesa, a empresa argumentou que o TRT1 teria descumprido a decisão do STF que permite a contratação de trabalhadores em outros regimes, além do previsto pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O que disse Moraes?
Num primeiro momento, o ministro reconheceu que o entregador deveria ser reconhecido como empregado de fato da terceirizada, de acordo com as regras da CLT, por seguir ordens, cumprir horários fixos e receber salário predeterminado.
No entanto, afirmou que "o entregador não tinha nenhuma relação com o iFood". Além disso, discordou de um trecho da decisão do TRT1 que menciona a chamada "responsabilidade subsidiária" do aplicativo — isso quer dizer que o iFood precisa quitar os direitos trabalhistas do motoboy, caso a terceirizada não pague.
De acordo com Moraes, para que a plataforma pudesse ser eventualmente responsabilizada, seria necessário "comprovar dolo [intenção] ou culpa". Ele foi, então, corrigido por três ministros, na sequência.
Argumento de Moraes é rebatido por três colegas
Numa breve participação, Carmen Lúcia advertiu que o iFood sequer era parte da reclamação: o recurso havia sido feito apenas pela terceirizada, depois da vitória do entregador na Justiça do Trabalho.
Depois, Flávio Dino lembrou que a responsabilidade subsidiária foi instituída pela reforma trabalhista de 2017. "É expresso, está na lei", ressaltou. O ministro chegou a ler o quinto parágrafo do artigo 5A da lei federal 6.019: "a empresa contratante — no caso, o iFood — é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços".
Em seguida, foi a vez de o relator do caso, Cristiano Zanin, reforçar o argumento de Dino. O ministro acrescentou que o próprio STF já havia se pronunciado sobre o assunto, por meio da Tese 725.
Referência para decisões sobre temas semelhantes, o texto afirma que a terceirização é uma prática lícita, desde que mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Medindo as palavras, Zanin disse que "teria até muita dúvida se seria o caso de afastar a responsabilidade subsidiária do iFood, tal como foi fixada pela Justiça do Trabalho".
Ao fim do julgamento, Moraes acabou acompanhando os colegas e votou pela manutenção da decisão do TRT1 que condenou a terceirizada ao pagamento dos direitos e reconheceu o dever do iFood de responder pela indenização, caso a subcontratada não o faça. O único voto vencido foi o do ministro Luiz Fux.
O que disse o iFood?
Em nota, o iFood informou que não é parte da reclamação constitucional analisada pelo STF. "Como plataforma digital, a principal atividade do iFood caracteriza-se pela intermediação", diz o posicionamento. Ainda segundo o texto, os "Operadores Logísticos", como são chamadas as terceirizadas, "são empresas independentes, têm liberdade para conduzir seus negócios e estão sujeitos à legislação específica desse tipo de atividade".
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Quero receberQuestionado sobre mecanismos de fiscalização das terceirizadas, a plataforma respondeu que "além de realizar pesquisas para avaliação dos seus parceiros, possui um guia de boas práticas e canal de denúncia, divulgado aos entregadores e parceiros".
STF x Justiça do Trabalho
Como já mostrou esta coluna, desde o ano passado, os ministros da mais alta corte do país vêm derrubando uma série de decisões da Justiça do Trabalho que apontam vínculo empregatício e determinam o pagamento de direitos, em processos envolvendo terceirização, pejotização e serviços mediados por aplicativos.
Críticos afirmam que, na prática, as canetadas dos ministros do STF podem implodir a legislação trabalhista. Além disso, dizem que os entendimentos esvaziam a competência da Justiça do Trabalho para examinar, caso a caso, a existência ou não dos requisitos de uma típica relação de emprego, atrapalhando o combate a fraudes.
Flávio Dino e Edson Fachin são apontados como vozes dissonantes na corte, em defesa da Justiça trabalhista.
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