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José Paulo Kupfer

Criação de cédula de R$ 200 vai na contramão das práticas do resto do mundo

30/07/2020 14h16

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A criação de uma nova cédula de R$ 200, com o dobro do valor nominal da cédula anterior de maior valor, foi justificada pelo Banco Central como necessária para atender a um aumento imprevisto por dinheiro vivo e economizar na fabricação de novas cédulas. Mas a medida vai na contramão do que outros países ao redor do mundo vêm praticando.

Na Europa e mesmo em países emergentes, populosos e pobres, como a Índia, o esforço é para reduzir o uso de papel-moeda e eliminar cédulas de maior valor. Isso se dá não só em decorrência do avanço de outros meios de pagamento, que dispensam o uso de dinheiro físico para a realização de transações, mas também para dificultar operações ilegais - tráfico de drogas, contrabando, corrupção etc -, que costumam ser feitas em dinheiro vivo, como forma de escapar dos controles oficiais.

A cédula de 500 euros, a de maior da série do euro deixou de circular nos países que usam a moeda, em abril de 2019, quando Alemanha e Áustria fizeram o que os demais países da União Europeia já haviam feito desde a decisão de retirar a nota de 500 euros de circulação, em 2016. Na Índia, também desde 2016, começaram a ser retiradas de circulação as cédulas de valor mais alto (de 500 rúpias e 1.000 rúpias), ao mesmo tempo em que programas de incentivo a operações de pagamentos por outros meios foram implementados.

No Brasil, embora tenha havido avanço na bancarização da população e no uso de outros meios de pagamento, o aumento mais recente da informalidade, da pobreza e da concentração de renda operam na direção de intensificar o recurso ao dinheiro vivo. O fato é que 40% da população não tem conta em banco, o que significa uma barreira para a expansão dos cartões e dos pagamentos por meios digitais, normalmente associados a contas bancárias.

É verdadeira a alegação do BC para a emissão de mais cédulas. A pandemia intensificou a procura por dinheiro vivo, a partir de diversos canais. Tanto a incerteza em relação a uma quebra de bancos, com a retenção de depósito quanto o aumento da inadimplência, por redução de renda, são estímulos ao entesouramento de papel-moeda. Neste último caso, o problema a evitar é a retenção de recursos pelo banco para cobrir contas em negativo. Também aumentou a demanda, a partir da circulação dos recursos destinados ao auxílio emergencial, que atinge diretamente população mais vulnerável e informal, o grupo menos bancarizado.

Discutível, porém, é a decisão de criar uma nova cédula de R$ 200 para fazer frente à maior demanda por dinheiro vivo. É certo que, com essa nova cédula, o governo consegue reduzir custos de produção e de distribuição de cédulas. Mas é de se perguntar se o benefício trazido por essa economia compensa os custos da geração de desconfianças e mal entendidos, num país com histórico de hiperinflação. Isso sem falar na óbvia facilitação para operações ilegais, com destaque para o crime organizado.

Quando se observa que ainda é difícil obter troco para cédulas de R$ 100, é mais fácil perceber que os custos menores com fabricação e distribuição a nova cédula de R$ 200 não fazem muito sentido. Não é a perda de valor real do dinheiro que está impulsionando o entesouramento, muito ao contrário, pois o entesouramento pressupõe crença na moeda como reserva de valor - não se guarda embaixo do colchão o que não tem valor, nem mantém valor. Além disso, o entesouramento, se causado pela pandemia, tende a ser temporário, o que, se for verdade, torna a criação de uma nova cédula, necessariamente permanente, um contrassenso.