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Dando na marra R$ 400 com uma mão, Bolsonaro gera inflação e tira com outra
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A cotação do dólar dava pinotes, no meio da manhã desta terça-feira (19), chegando a R$ 5,56 por dólar, alta de 0,93%, por volta das 10h45. Isso mesmo com o Banco Central vendendo no mercado à vista, pouco antes, todo o lote de US$ 500 milhões anunciado na véspera, e depois da colocação, em dias anteriores, de US$ 1,2 bilhão, em operações no mercado futuro, com compromisso de recompra. Também na manhã desta terça-feira, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, oscilava, com tendência forte de baixa.
Tal agitação retrata a reação negativa dos mercados financeiros à expectativa de que o presidente Jair Bolsonaro anuncie o programa social Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, com pagamento de R$ 400 aos beneficiários. O anúncio havia sido oficialmente agendado para esta terça-feira, às 17 horas, mas foi cancelado pouco antes, ainda sem nova previsão de quando será concretizado.
Na visão dos analistas de mercado, só haveria espaço fiscal para acomodar as despesas necessárias à manutenção do programa nesse nível de benefício com pedaladas fiscais, calotes em titulares de precatórios federais e quebra em regras de controle fiscal, inclusive o teto de gastos.
O governo vem há meses tentando encontrar uma fórmula para acomodar, dentro dos limites dos controles fiscais, o desejo de Bolsonaro de adotar um esquema mais alentado de transferência de renda para brasileiros socialmente vulneráveis. Todas as fórmulas têm o inconveniente de criar espaço fiscal para o Auxílio Brasil com manobras que driblariam regras de controle, abrindo comportas para outros gastos - por exemplo, emendas de interesse de parlamentares da base aliada do governo.
É mais do que evidente a necessidade desse apoio aos pobres e vulneráveis, não só em termos sociais, mas também para animar a economia. São 20 milhões de cidadãos em estado de extrema pobreza, cerca de 10% da população, enquanto outros 30%, mais de 60 milhões, em situação de pobreza. A fome também atinge diretamente 20 milhões de pessoas, enquanto quase metade da população enfrenta incertezas quando se trata de garantir alimentação suficiente e de qualidade.
Com o auxílio de R$ 600, observou-se a quase eliminação temporária da extrema pobreza, além dos benefícios indiretos trazidos para o conjunto da sociedade. Embora tenha consumido quase R$ 300 bilhões no ano passado, cerca de 5% do PIB, dez vezes o gasto com o Bolsa Família, o auxílio emergencial de R$ 600, de 2020, evitou um mergulho ainda mais intenso da atividade. O PIB (Produto Interno Bruto) recuou 4,1% no ano, mas diversas estimativas apontam que a queda, em o auxílio, teria sido no mínimo de 7%, podendo chegar a 15%.
Para Bolsonaro, a oferta de uma renda básica tem também o objetivo de buscar melhorar sua popularidade na população. A aprovação do governo e do próprio presidente se encontra em níveis baixos e com tendência declinante. Em 2020, quando a primeira onda de covid-19 paralisou a economia, Bolsonaro, orientado por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, hesitou em sancionar um auxílio emergencial acima de R$ 250 mensais. Mas depois de o Congresso aprovar um benefício de R$ 500, repicou com os R$ 600 que vigoraram por cinco meses, entre abril e agosto, completados com parcelas de R$ 300 até dezembro.
No período, a popularidade de Bolsonaro deu um salto e manteve-se em alta, apesar da lamentável ação negacionista do presidente em relação à pandemia, contribuindo para os colapsos hospitalares e a elevada incidência de mortes por coronavírus. Já com a redução do auxílio para R$ 250, em 2021, a popularidade de Bolsonaro não se sustentou e entrou numa curva de baixa.
Falta de compaixão com as perdas na pandemia, esforços públicos em contraposição às recomendações médicas, campanhas ativas contra medidas de prevenção, inclusive uso de máscaras e vacinação, permitem concluir que o interesse de Bolsonaro em forçar um auxílio intermediário entre os R$ 250, que não agregam pontos para sua aprovação pública, e os R$ 600, inviáveis para a capacidade das contas públicas, tem, prioritariamente, caráter eleitoral, visando sua campanha à reeleição em 2022.
Regras fiscais não são imutáveis e devem ser sempre revistas à luz das novas exigências que se apresentem no ambiente econômico e, principalmente, nas necessidades sociais. Mas as revisões precisam obedecer a critérios técnicos e se amparar em aspectos políticos bem debatidos e embasados. Derrubá-las ou tentar contorná-las sem cuidados, debates e mínimos consensos é arriscado para a saúde da economia.
O Brasil tem excesso de regras de controle fiscal e insuficiência no cumprimento delas. O teto de gastos, defendido com unhas e dentes por uma parte da sociedade, por exemplo, sempre foi criticado por outra parcela por acirrar o conflito distributivo sem resolver as exigências de controle e acomodação dos déficits e das dívidas públicas. O fato é que, desde a sua implantação, mesmo quando se retira da análise os impactos da pandemia, a economia rasteja e os problemas sociais se avolumam sem que as contas públicas encontrem estabilidade.
Ao tentar impor na marra um novo programa de transferência, com a quebra não planejada de regras fiscais, Bolsonaro corre o risco de contratar o pior dos mundos: colaborar para um período de maior desorganização econômica, com juros, dólar e inflação em alta, o que dificultaria a retomada da atividade econômica e a redução do desemprego que o auxílio mais robusto imaginado poderia impulsionar.
Com redução do poder aquisitivo da população em geral, pela via da alta da inflação, na qual a desvalorização do real teria parte ativa, e a contração da atividade, pela via da alta dos juros, acionados para conter a inflação, o cenário eleitoral acabaria não sendo tão risonho ao candidato à reeleição quanto sua "benevolência" poderia supor.
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