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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Risco de 'efeito bumerangue' na economia cresce com prolongamento da guerra

02/03/2022 18h20Atualizada em 02/03/2022 19h09

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Os desdobramentos da invasão da Ucrânia pela Rússia, que completou uma semana nesta quarta-feira (2), ainda estão coalhados de incertezas, mas alguns pontos já ficaram mais claros. O "efeito bumerangue" das sanções —no conjunto das economias, não apenas nas dos países aliados nas restrições aos russos, por exemplo— tende a ser mais amplo e intenso na medida em que a guerra se prolongue.

Embora a economia russa possa ser classificada como de porte médio, ela ocupa o décimo primeiro lugar entre as maiores, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), de outubro de 2021, com US$ 1,48 trilhão de dólares (US$ 4,1 trilhões, em PPC, paridade de poder de compra), logo acima da posição brasileira, com PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 1,44 trilhão. Além disso, a Rússia é fornecedora global chave de produtos sensíveis.

É o caso do petróleo, do gás, do trigo, fertilizantes e metais. Segunda maior exportadora de petróleo do mundo, com mais de 12% do total vendido no mercado internacional, a Rússia é ainda mais relevante no suprimento de gás. Fornece quase metade do consumo da Europa Ocidental, e na Alemanha, a locomotiva econômica da União Europeia, passa da metade.

Os russos também são participantes importantes nos mercados de alimentos e fertilizantes. Maiores exportadores mundiais de trigo, dominam cerca de 20% do mercado, também se destacando nas vendas externas de milho e outros grãos, como aveia, cevada e centeio. A Rússia é ainda líder mundial nas exportações mundiais de fertilizantes.

Qualquer corte no fornecimento desses produtos pela Rússia provocará desequilíbrios nos mercados globais e em muitos países. Tanto que mesmo a hipótese ainda não concretizada do corte provoca abalos. Os fornecimentos russos de petróleo e gás permanecem, por enquanto, fora das sanções, mas as cotações disparam.

Em relação ao petróleo, os preços batiam, nesta quarta-feira (2), em U$ 110 por barril. As cotações de trigo e de alguns metais fornecidos pela Rússia subiam acima de 5% no dia, atingindo recordes históricos. Empresas líderes no transporte marítimo estão suspendendo operações com companhias russas, agravando e potencializando as altas de preços —e os custos, para os importadores.

Ainda que seja possível negociar novas rotas de fornecimento, a adaptação não seria imediata, fazendo com que os aumentos de preços, como já estão acontecendo, sejam inevitáveis. Economias de países importadores, portanto, correm altíssimos riscos de enfrentar pressões inflacionárias, de um lado, e de contração da atividade, de outro. O Brasil, que compra fertilizantes da Rússia e de sua aliada Belarus em grandes volumes, corre esses riscos.

Mas o "efeito bumerangue" não se limita ao comércio exterior. Há riscos ponderáveis, se a invasão e as sanções se prolongarem —ou, pior, se ampliarem—, para os mercados financeiros e o ambiente de negócios em geral. Basta imaginar o que poderia acontecer se for deflagrada uma reação em cadeia de atrasos ou de não pagamentos —moratórias e calotes, para ser mais exato— entre empresas, a partir do estrangulamento de companhias e bancos russos, com inserção nos mercados internacionais.

Alguns estão surpresos, mas não deixa de ser esperado que empresas privadas suspendam ou cortem atividades em territórios russos ou diretamente afetados pelo conflito. O risco de não receber pelos produtos vendidos ou serviços prestados aumentou a ponto de ser preferível, em muitos casos, arcar com determinado volume de prejuízos, desde que se impeça a possibilidade de perdas maiores.

Desde a segunda-feira (28), multinacionais de grande porte vêm anunciado fechamento de operações locais, suspensão de venda de produtos ou serviços, bem como e a suspensão ou retirada de investimentos na Rússia. Fazem parte do grupo, que aumenta a cada dia, grandes petroleiras —Shell, BP, Exxon, Total—, montadoras de veículos —Volvo, BMW, GM, Ford, Renault e outras—, e gigantes de tecnologia, entre os quais a maior delas, a Apple, e outros fabricantes de setor. A subsidiária brasileira da sueca Scania, que exporta caminhões para a Rússia, seguindo a matriz, suspendeu os embarques.

O que se vislumbra, na frente econômica e financeira do conflito na Ucrânia, não tem a amplitude e a profundidade dos impactos da pandemia de covid-19 na economia e nos negócios. Mas, embora com alcance mais limitado, e simplificando, a matriz é a mesma: cortes abruptos de oferta e demanda, provocando desequilíbrios nos mercados, colapsos na atividade econômica, e recessão na economia.