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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Inflação dobrou desde que Guedes disse ouvir agradecimentos no supermercado

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Completou um ano há algum tempo, mas sem quaisquer festejos ou lembrança, passou batida uma das mais famosas entre as muitas declarações espantosas e delirantes do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Foi em 12 de março de 2021 que Guedes afirmou, em um evento virtual do site noticioso Jota, que, quando ia ao supermercado, as pessoas agradeciam a ele. "Às vezes falam: nós rezamos pelo senhor, estamos sentindo o que o senhor está fazendo por nós", completou Guedes.

A declaração soou espantosa não apenas porque os preços estavam, justamente naquele momento, começando uma escalada de altas. Também surpreendeu porque ninguém jamais tinha visto Guedes em algum supermercado, pelo menos desde que o economista assumiu o ministério.

Soltar frases delirantes é típico de Guedes. "O Brasil vai surpreender o mundo", "Vamos fazer uma revolução liberal", "Vamos privatizar 1 trilhão", "Com R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões vamos aniquilar o vírus" — são algumas das muita e muitas declarações surpreendentes do ministro. Todos os seus grandes planos anunciados ficaram para "a semana que vem".

Naquele momento, no fim do primeiro trimestre de 2021, Guedes estava sob pressão para elevar os gastos no combate à segunda onda de covid-19. Ele havia conseguido aprovar a PEC Emergencial, que abria espaço fora da regra de controle fiscal do teto de gastos para voltar com o auxílio emergencial. O auxílio de R$ 600 mensais, depois reduzido para R$ 350, havia acabado no fim de 2020, e Guedes resistia em aceitar um novo programa de transferência de renda para vulneráveis acima de R$ 250 mensais na média.

A fala, inesperada e sem noção, do agradecimento a Guedes quando o viam no supermercado, foi proferida num contexto de tensão no governo. No mesmo evento, antes de anunciar que as pessoas, no supermercado, diziam rezar por ele, Guedes negou estar de "aviso prévio" ou pensando em deixar o governo.

Tinha as digitais de Guedes a demora na volta do auxílio. Seu então secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, hoje ministro das Minas e Energia, havia divulgado, no fim de 2020, um diagnóstico irrealista sobre a evolução da covid-19. De acordo com o parecer do ministério da Economia, divulgado por Sachsida em novembro, as chances de uma nova onda de covid-19 no Brasil eram "baixíssimas". A conclusão, que se revelou tragicamente errada, se baseava numa avaliação sem sustentação, a partir da hipótese de que uma pretensa imunidade de rebanho já estaria sendo alcançada no país.

No momento em que Guedes anunciava que as pessoas agradeciam a ele pelo trabalho no governo, a segunda onda de covid-19 explodiu no Brasil. Ao mesmo tempo, Bolsonaro clamava contra as vacinas e atrasava o processo de vacinação. Em junho, o número de mortes por covid-19 no Brasil chegou a 500 mil. Ao todo, até hoje, foram 30 milhões de infectados e mais de 660 mil mortes.

A inflação também estava, naquela época, fim do primeiro trimestre de 2021, começando a mostrar que iria explodir. Em março, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampla), no acumulado em 12 meses, chegou a 6%, mas em maio já bateu em 8%, superando 10% em setembro.

De lá para cá, mês a mês, manteve-se em dois dígitos, no acumulado em 12 meses, tendo ultrapassado 12% em abril último. O IPCA-15 de maio, divulgado nesta terça-feira (24), ainda mostra pressão altista. Recuou bem em relação a abril, mas ainda subiu 0,59% no mês, maior alta para o mês desde 2016, avançando a 12,2%. Os preços dos alimentos, aqueles que assustam as pessoas no supermercado, continuaram puxando a alta mensal.

Outra escalada, a da taxa básica de juros (taxa Selic), em reação à alta da inflação, teve igualmente início nesse mesmo período. Em março de 2021, a Selic deu o primeiro salto depois de estacionar desde agosto de 2020 em 2% ao ano, o menor nível desde a adoção do sistema de metas de inflação, em mais de 20 anos. Subiu para 2,75% e não parou mais de escalar, chegando, em maio de 2022, a 12,75%.

Um ano depois, se Guedes fosse hoje a algum supermercado, talvez achasse, como diz a anedota da internet, estar em alguma igreja ou templo. Lá dentro, olhando os preços nas nuvens dos produtos expostos, só se ouve gente exclamando "minha Nossa!", "Deus me livre!", "Ai, meu Deus!".

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Uma versão anterior deste texto mencionava incorretamente que o diagnóstico segundo o qual as chances de uma segunda onda de covid-19 no Brasil eram "baixíssimas" foi divulgado em fins de 2021. Na verdade, essa divulgação se deu em novembro de 2020. A informação foi corrigida"

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL