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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Taxar dinheiro no exterior é incluir rico no IR, mas dependerá do Congresso

03/05/2023 15h17

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Foi recebida com surpresa a inclusão de nova tributação de aplicações financeiras no exterior, mantidas por residentes no Brasil, de carona na MP (Medida Provisória) que isentou do Imposto de Renda quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.640). Mas a iniciativa do governo Lula não surpreendeu especialistas em questões tributárias, que já esperavam há algum tempo uma atualização das regras de taxação das aplicações no exterior.

A MP prevê que a mudança na tributação passe a valer a partir de 2024. Abre espaço também para a atualização de valores, sobre os quais incidiria uma alíquota de 10%, ainda em 2023. O objetivo, nesse caso, é obter recursos, estimados pelo Ministério da Fazenda em R$ 3,2 bilhões, neste ano, justamente para compensar a perda de arrecadação com a isenção do IR até dois salários mínimos. Para 2024, a arrecadação com a tributação dessas aplicações alcançaria R$ 6 bilhões.

Isenção versus tributação

A relação entre isenção tributária de faixas de renda menores e aumento da taxação nas faixas superiores, como no caso da MP que ampliou a faixa de isenção do IR e avançou na tributação de recursos mantidos no exterior, será um dos pilares do terceiro mandato de Lula. É a expressão prática da promessa de "incluir o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda". "Incluir o pobre no Orçamento" significa, em resumo, expandir gastos públicos com programas sociais. "Incluir o rico no Imposto de Renda" obrigará o governo a buscar ampliação da arrecadação de tributos, para compensar o aumento nas despesas públicas.

Pelos custos da operação, cidadãos brasileiros precisam dispor de altas quantias para aplicá-las no exterior. A principal intenção é manter poupanças fora das históricas instabilidades da economia brasileira, mas, além disso, o objetivo, ainda que não declarado, é deixar recursos fora do alcance da tributação, e não só, mas sobretudo, da brasileira.

Por isso, não é coincidência a destinação de grande parte dos recursos de pessoas físicas brasileiras no exterior a paraísos fiscais, em que a tributação é extremamente fraca. Segundo o Banco Central, mais de US$ 200 bilhões estão aplicados no exterior por cerca de 20 mil brasileiros.

Especialistas, citados em reportagem do jornal "El País", em outubro de 2021, no âmbito dos "Pandora Papers, estimam que o montante de dinheiro não declarado e mantido ilegalmente por brasileiros fora do país pode chegar a US$ 1 trilhão. O "Pandora Papers" foi uma investigação jornalística internacional sobre o dinheiro mantido em paraísos fiscais por autoridades e políticos de diversos países.

Para ter efeito prático, a MP tem de ser aprovada no Congresso. Espera-se que seja aprovada, mas isso não é certeza. Duas tentativas relativamente recentes de rever a legislação das aplicações financeiras no exterior não foram adiante no Legislativo.

Tributaristas informam que, com as mudanças previstas, a taxação de recursos no exterior aproxima a legislação brasileira da que já é aplicada em outros países. As medidas, que visam dar mais transparência aos recursos mantidos no exterior, seguem recomendações da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O que muda para o dinheiro aplicado no exterior?

As principais alterações, em relação à tributação em vigor para aplicações no exterior de pessoas físicas residentes no Brasil são as seguintes:

Acaba com o diferimento tributário em empresas no exterior controladas por brasileiros. Até agora, só os rendimentos repatriados eram taxados. Em muitos casos, os ganhos eram mantidos por toda a vida no exterior. Aprovada a MP, esses ganhos passarão a ser tributados anualmente, repatriados ou não;

Ajusta e uniformiza alíquotas em aplicações financeiras fora do país — ações, títulos de dívida em geral, e fundos de investimento. Rendimentos isentos, que eram de até R$ 35 mil por ano são reduzidos para R$ 6 mil. A alíquota máxima, de 22,5% atinge agora rendimentos anuais acima de R$ 50 mil, quando antes, essa alíquota valia para ganhos acima de R$ 30 milhões;

Impõe transparência aos ativos relacionados a "trust", que terão de ser declarados anualmente. Trusts são estruturas jurídicas, representadas por contratos, que regulam as relações entre titulares dos recursos e seus gestores, em aplicações fora do país. Em geral situados em paraísos fiscais (os chamados "offshores"), os trusts são muito usados por autoridades de governos e políticos para "blindar" as aplicações fora do país dos conflitos de interesse. Aumentar a transparência dos trusts é uma tendência mundial, no esforço de reduzir os casos de corrupção.