José Paulo Kupfer

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Opinião

'Fantasminha'? Mercado faz leitura exigente da economia, como diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acusou o mercado financeiro de ter criado um "fantasminha" na cabeça sobre a condução da política econômica pelo governo Lula. A crítica, em tom de queixa, foi feita em audiência na Câmara dos Deputados, em reunião da Comissão de Finanças e Tributação, nesta quarta-feira (22).

Tenho a impressão de que existe um 'fantasminha' fazendo a cabeça das pessoas e prejudicando nosso plano de desenvolvimento. Esse ruído não está fazendo bem para a economia brasileira e não tem amparo nos dados.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Haddad disse que os ruídos surgiram há um mês, são patrocinados e vão desaparecer porque não são reais, não têm amparo nos dados. O ministro não revelou quem são os patrocinadores das notícias sobre a piora das condições econômicas brasileiras. Mas não é difícil encontrar os pontos que sustentam essa interpretação:

Mudança na meta de resultado fiscal primário para 2025 e 2026. A meta era de superávit de 0,25% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026. Agora, a meta de 2025 é de déficit zero e de superávit de apenas 0,25% do PIB. Superávit de 1% do PIB só em 2028;

Decisão dividida sobre a taxa básica de juros (taxa Selic) na reunião de maio do Copom (Comitê de Política Monetária). Os quatro diretores indicados já no governo Lula, em posição minoritária, optaram por corte menor;

Mudança na diretoria da Petrobras, com a demissão do presidente Jean Paul Prates e a indicação de Magda Chambriard, ex-diretora geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e BioCombustíveis), na época em que Dilma Rousseff foi presidente.

A partir desses três acontecimentos, os operadores do mercado financeiro, com base nas interpretações negativas dos economistas do próprio mercado, passaram a incorporar riscos maiores aos ativos financeiros brasileiros. Com isso, os índices da Bolsa têm recuado, a cotação do dólar vem subindo e as taxas de juros futuras aumentaram.

Para o pessoal da Faria Lima, que tem influência sobre as decisões de compra e venda de ativos financeiros, a mensagem que o governo passou a transmitir é a de maior leniência com a inflação e com o cumprimento das metas de contenção das contas públicas.

Uma situação que leva ao pior dos mundos: maior endividamento do setor público e, em consequência, necessidade de manter taxas de juros mais altas. Taxas de juros mais altas significam restrições ao crescimento, risco de recessão, em ambiente de inflação mais elevada.

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A própria fala de Haddad, durante a audiência na Câmara, é um exemplo de como o mecanismo tem funcionado. Ao defender que a inflação está sob controle, o ministro declarou que a meta de inflação para 2024 (e anos seguintes), de 3%, é "exigentíssima" e "inimaginável". A fala, na visão do mercado, reforçou a ideia de leniência com a inflação, e. quase imediatamente, a cotação do dólar subiu, enquanto a curva dos juros futuros empinava.

O fato é que a leitura que o mercado financeiro está fazendo das condições da economia também pode ser qualificada como "exigentíssima". Algumas razões:

A inflação não está caminhando para o centro da meta, mas roda numa faixa benigna, abaixo de 4% e mais próxima de 3,5%, folgadamente dentro do intervalo de tolerância do sistema de metas, que, no limite superior, vai até 4,5%;

As metas fiscais perseguidas pelo governo parecem irrealistas, mas a distância das metas oficiais para as estimativas do setor privado não são tão distantes. Se o governo insiste em déficit zero, podendo chegar, pelas regras fiscais, a 0,25% do PIB, para 2024, especialistas em contas públicas apontam déficit de 0,7% do PIB. Nada impede que a diferença, de R$ 50 bilhões, seja compensada em algum momento do futuro próximo;

A atividade econômica não está crescendo quanto seria desejável, mas a perspectiva é de expansão em 2024 (e anos seguintes), mesmo depois da tragédia das inundações no Sul, em torno de 2%. No primeiro trimestre, o crescimento previsto é de 0,7% sobre o quarto trimestre de 2023, é de 2,3%, na comparação interanual. Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho vive um bom momento, com absorção de mão de obra, inclusive no segmento formal, com aumento da renda, enquanto o setor externo, com ótimo desempenho, tende a limitar instabilidades cambiais.

O resumo da história é o que, se o pessoal da Faria Lima tem algum motivo para se preocupar com os rumos da economia, Haddad e o governo também podem se queixar de que uma leitura enviesada da realidade, que leva a um aumento sem base dos prêmios de risco dos ativos, cumpre uma profecia auto-realizável, prejudicando os esforços para fazer a economia deslanchar, de modo mais equilibrado e sustentável.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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