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Com quarentena, condomínios aumentam busca por mercadinho sem funcionários

Contêiner da Onii, startup que fornece mini mercados para condomínios  - Divulgação
Contêiner da Onii, startup que fornece mini mercados para condomínios Imagem: Divulgação

Matheus Pichonelli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/06/2020 04h00

Em dezembro do ano passado, a startup Onii inaugurou a primeira unidade de sua rede de mercados autônomos (o cliente faz tudo, não há nenhum funcionário) em um condomínio fechado de São Carlos (SP). Era um contêiner de 20 metros quadrados onde os moradores entram sozinhos, escolhem seus produtos e pagam com o celular por meio de um aplicativo. Não há profissionais no caixa.

Na primeira semana, 206 moradores do local, que possui 240 residências, baixaram o app. O faturamento da loja hoje é de R$ 35 mil por mês.

A expectativa dos sócios era construir 200 lojas em 36 meses. Tudo mudou quando, no dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde decretou a pandemia do novo coronavírus. Com a quarentena, o mercado de prédios e condomínios explodiu, resume Tom Ricetti, um dos quatro sócios da Onii, que possui hoje 31 pontos de venda e outros 38 em fase de implementação. "Hoje esperamos ter 90 unidades até julho e pelo menos 200 até o fim do ano." A expectativa é que o faturamento supere R$ 20 milhões já no primeiro ano

Interior de um dos mini mercados - Divulgação - Divulgação
Interior de um dos mini mercados
Imagem: Divulgação
Nos equipamentos da startup, além de compras, há modelos que permitem retirar encomendas, como alimentos, remédios e até roupa lavada em lockers específicos.

Grande procura

"Nunca trabalhei tanto na vida", conta Ricetti. "A gente nunca imaginou que ia ser essa loucura. Na quarentena, com todo mundo em casa, recebemos 50, 60 ligações de condomínios perguntando quanto custa a instalação."

Além da menor circulação das pessoas pelos mercados tradicionais da cidade, uma das razões da procura é a queda da arrecadação dos condomínios por conta da crise, que provoca inadimplência e leva as administradoras a reforçar o caixa com mais ofertas de serviços.

Atualmente, conta Ricetti, empresas também mostram interesse nos modelos, que podem servir como extensão de almoxarifados e box para guardar EPI (Equipamentos de proteção individual), onde funcionários podem pegar os utensílios e o controle é feito pela leitura do QR Code.

Loja autônoma em aeroporto

"Também vamos inaugurar a primeira loja autônoma em um aeroporto. Assinamos um contrato para colocar uma Onii em Congonhas, depois do raio-X. Nossa programação era abrir em maio mas, com a quarentena, os planos foram alterados."

A invenção, segundo ele, é inédita no mundo.

"Somos a democratização da Amazon Go", garante o empresário, em referência à loja autônoma da gigante americana de tecnologia. "Mas lá a inteligência está toda na loja, com sensores, câmeras, balanças e etiquetas. Isso encarece".

Para fazer compras na versão brasileira, o cliente faz o cadastro no app, informa seu nome, telefone e RG, e pendura um cartão.

Celular do cliente vira scanner

Quando entra na loja, o geolocalizador mostra em qual unidade ele está e faz o "push" para uma nuvem. Na sequência, acontece uma microtransação de um centavo. "Se estiver tudo ok, a loja devolve um QR Code e, se der match, a porta é aberta", explica.

Dentro do box, o aparelho celular vira um scanner capaz de fazer a leitura do código de barra. O produto vai para o carrinho, o pagamento é feito e pronto.

O menu da loja é decidido pelo condomínio. "Se querem vinho francês de R$ 500 ou corote, não tem problema. O condomínio decide o que quer vender. Só precisa de código de barra".

Na Onii, cada parceiro licenciado cuida da operação de compra, reposição, limpeza e manutenção. "E ele só pode vender os produtos cadastrados no app. Quando ele quer colocar um novo produto ou marca, fazemos a autorização e o cadastro e, para esses produtos, geramos um código de barras."

Licenciamento do serviço custa R$ 70 mil

O investimento para quem quer licenciar uma unidade box é de cerca de R$ 70 mil. Outra opção é alugar o contêiner e os equipamentos, como freezers, geladeiras e gôndolas, por até R$ 1.500 mensais. Em outro modelo, a Station, que atende empreendimentos menores, geralmente verticais, o custo do aluguel é de até R$ 500 por mês.

Do faturamento da loja, 10% ficam com a startup, já incluída a taxa do cartão de crédito. "Os 90% vão direto para a conta do licenciado. É diferente de uma franquia que recebe e depois paga os royalties."

A startup montou parcerias com fornecedores de pães, bolos, pães de queijos e produtos orgânicos e artesanais — alguns moram nos próprios condomínios.

Por conta da quarentena, a regra para a entrada no modelo box ficou mais rígida. Só pode uma pessoa por vez.

QR Code já é realidade no país

Para Felipe Brandão, secretário-executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, lojas autônomas e compras por app/QR Code já eram uma realidade no país. "Mas, diante do complexo e volátil cenário da pandemia do novo coronavírus, notamos uma aceleração dessa tendência."

Alexandre Pinto, diretor de Novos Negócios e Inovação da Matera, empresa que desenvolve tecnologia para o mercado financeiro, fintechs e gestão de riscos, lembra que o conceito de lojas autônomas é antigo e nem todas têm a sofisticação da Amazon Go, onde os tetos das lojas são reforçados para comportar tantas câmeras. "Lá não tem que escanear. Você põe na sacola e pronto. Vai na linha da praticidade".

Na China, conta ele, esses mercados autônomos ganharam tração em bairros e cidades afastadas e sem grandes opções de supermercados. Funcionam, porém, mais como complemento às redes de distribuição do que como alternativas.

No Brasil, ele cita como exemplo as lojas autônomas da rede Zaitt, de ruas. Ele afirma que a pandemia é um evento que mudou os hábitos de consumo, mas que tem dúvidas se estas mudanças serão perenes. "Passando a fase aguda, é preciso saber o que é específico deste momento."

O especialista diz que, em um contexto de lockdown, muitos condomínios devem procurar equipamentos do tipo. Ao fim da pandemia, ele afirma que outros fatores entram na conta do cliente, a começar pelo preço das mercadorias. "Tem pessoas que gostam de supermercados, onde o sortimento de produtos é grande e o preço geralmente é menor."

Futuro terá soluções variadas

Alexandre Pinto afirma que as soluções mudam conforme a localidade. Algumas funcionam em entre grandes centros; outras, em pequenas cidades. "Nas cidades maiores as pessoas gastam mais tempo no trânsito. O ritmo é diferente."

A tendência, aposta ele, é que a modalidade seja uma das muitas opções de negócios que ganharam força na pandemia, inclusive as entregas. "É uma competição complicada. Hoje você pode escolher um vinho e a pessoa te entrega em casa. Se for duas da manhã, você desce e compra. Vai ser uma das muitas opções."