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'Mito 22': é permitido comprar tokens criados para campanhas eleitorais?

Site de venda do token Mito 22 - Reprodução/Mito22.com
Site de venda do token Mito 22 Imagem: Reprodução/Mito22.com

Fernando Barbosa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/03/2022 04h00

Lançado no dia 5 de março, o site www.mito22.com foi ao ar para financiar a produção de itens —como camisetas e bonés—para a campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição à presidência. Os recursos são levantados por meio da venda de tokens no site; isto é, produtos financeiros semelhantes a criptomoedas.

Mas o que é e como funciona um token? Como o ativo digital é convertido em dinheiro fiduciário, como o real? A criação de tokens para campanhas eleitorais é permitida? Especialistas ouvidos pelo UOL respondem a essas perguntas e dizem ainda se vale investir neste tipo de ativo.

O texto de apresentação do token "Mito 22" no site oficial informava o seguinte: "Somos completamente contra e qualquer ideologia comunista. Teremos como objetivo lançar uma plataforma online para venda de artigos (camisas, bonés, bandeiras, faixas, bottons, quadros e outros) para arrecadar fundos e investir em projetos dos próprios integrantes da moeda na campanha de Bolsonaro".

A página www.mito22.com está fora do ar pelo menos desde o dia 18 de março, quando o UOL tentou o acesso. Procurados, o Partido Liberal (PL) e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República não se manifestaram.

Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", os fundadores do "Mito 22" também criaram um grupo no aplicativo Telegram para vender os tokens, que chegou a 32 mil participantes.

Menos burocracia

O token funciona de maneira muito similar aos criptoativos, de acordo com a especialista em criptomoedas da Top Gain, Raquel Vieira. Diferente de moedas como bitcoin (e ethereum, o token utiliza a tecnologia blockchain (que garante os registros e segurança das transações) de uma criptomoeda já existente no mercado para operar.

Criar um token é menos burocrático e mais fácil [do que uma criptomoeda]. Qualquer pessoa pode criar esse token, desde que tenha o dinheiro para bancar as taxas da rede.
Raquel Vieira, especialista em criptomoedas da Top Gain

Dessa maneira, os tokens podem representar diversos tipos de itens no mundo virtual, como dinheiro fiduciário (euro, dólar e real), serviços, ações de uma empresa ou um animal de estimação na web, por exemplo.

"Ao representar coisas como tokens, podemos permitir que contratos inteligentes [smart contracts] interajam entre eles", diz o head de criptoativos da Hurst Capital, Hugo Trombini. Os contratos inteligentes são tipos de contratos que não dependem de intermediários.

"Para criar uma criptomoeda, a pessoa deve ter conhecimento em linguagem de programação, ao passo que os tokens utilizam a blockchain da rede ethereum, por exemplo", declara Trombini.

O que diz a legislação?

O token "Mito 22" seria comercializado por meio do sistema da Binance Smart Chain, uma das principais corretoras de criptomoedas do mundo.

O advogado em direito eleitoral Acácio Miranda afirma que, como não há uma regulamentação do Banco Central para os criptoativos, a Justiça Eleitoral, por meio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tende a não permitir este tipo de doação. "Até para evitar de forma escusa financiamento por parte de pessoas jurídicas ou financiamentos além do limite máximo permitido para cada uma das pessoas", diz.

Ele lembra, ainda, que o teto de doações para pessoas físicas é de R$ 1.064 por pessoa, caso a quantia seja doada em espécie, ou até 10% da renda do ano anterior à eleição se a contribuição ocorrer via depósito. Para o advogado, nada impede que no futuro o TSE faça uma revisão sobre a modalidade.

Miranda declara ainda que não há restrições quanto às doações coletivas, mas que a legislação veda a distribuição de artigos como bonés e camisetas pelas campanhas —que, a princípio, seria o intuito da arrecadação via token, segundo antes descrito no próprio site do "Mito 22".

No período eleitoral, o que se pode fazer é manifestação pacífica, como o uso de um bottom de um candidato.
Acácio Miranda, advogado eleitoralista

Nesta terça-feira (28), uma nota oficial oficial no site do TSE foi publicada. Nela há a declaração de que o financiamento coletivo poderá ser utilizado para arrecadação de recursos a campanhas eleitorais a partir do dia 15 de maio, conforme a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 23.607/2019.

A norma dispõe que, a partir do dia 15 de maio, as empresas ou entidades com cadastro aprovado pelo TSE estão autorizadas a arrecadar recursos, desde que previamente contratadas por pré-candidatos ou partidos políticos.
Nota do TSE sobre financiamento coletivo para campanhas eleitorais

Em nota, o TSE afirma ainda que a liberação ao financiamento só poderá ocorrer se atender aos seguintes requisitos:

  • Requerimento do registro de candidatura do pré-candidato;
  • Inscrição no CNPJ e abertura de conta bancária específica para acompanhamento da movimentação financeira de campanha

"Somente depois de cumpridos esses requisitos é que as empresas arrecadadoras poderão repassar os recursos aos candidatos. Na hipótese de o pré-candidato não solicitar o registro de candidatura, as doações recebidas durante o período de pré-campanha deverão ser devolvidas pela empresa arrecadadora diretamente aos respectivos doadores", declara a nota.

Como não foram atendidos os requisitos descritos pelo TSE para que o "Mito 22" realizasse o financiamento coletivo à campanha de Jair Bolsonaro e sua divulgação foi feita antes da data permitida (15 de maio), a comercialização do token é classificada como ilegal.

Modelo descentralizado

De acordo com os especialistas, o token pode ser convertido em moedas como real ou dólar por meio das chamadas exchanges (corretoras de criptomoedas), apenas com os custos de pequenas taxas para os investidores. Essas exchanges são plataformas de negociação de criptoativos que trabalham de maneira centralizada ou descentralizada —neste caso, sem estar sob a vigilância de uma entidade reguladora.

No caso do "Mito 22", outro aspecto que pode ser questionado é que as negociações acontecem também pela corretora PancakeSwap, que não adota o padrão regulatório KYC (Know Your Customer ou "conheça seu consumidor", em tradução literal). O KYC contribui para prevenir recursos de origem ilícita.

Para a especialista da Top Gain, a ausência de uma legislação sobre criptomoedas no Brasil não faz da legalização do token algo necessário para o funcionamento das negociações. No entanto, ela declara que é necessário tomar cuidado com fraudes.

"A partir do momento em que o ativo é criado, ele passa a circular na rede. Por isso, muitas vezes a gente vê 'moedas scam', que são usadas para golpes", diz ela, que acrescenta ser difícil o controle em blockchain. De forma geral, scam se refere às operações fraudulentas no mundo virtual, como carteiras falsas.

Logo do token Mito 22 - Reprodução/Mito22.com - Reprodução/Mito22.com
Logo do token Mito 22
Imagem: Reprodução/Mito22.com

O analista de criptoativos da Nord Research, Luiz Pedro Andrade, diz que de fato há a possibilidade de golpes neste tipo de operação.

"Isso acontece muito. Em cripto, o nome para isso é 'exit scam', que seria uma enganação por fuga dos desenvolvedores. Por isso, é muito importante saber quem são os criadores do criptoativo", declara o analista.

Andrade afirma que a doação por meio de tokens seria mais uma alternativa de angariar contribuições dos eleitores do presidente.

É uma forma mais simples, fácil e anônima de fazer uma doação. Além disso, por ser um token, chama para perto quem é eleitor do Bolsonaro e gosta de criptoativos.
Luiz Pedro Andrade, analista de criptoativos da Nord Research

Vale a pena investir em tokens?

Como outros tipos de investimentos, a exemplo do mercado de ações, o investimento em criptoativos deve levar em consideração o momento do mercado, o perfil do investidor e o projeto específico em questão. Um aspecto fundamental é observar quem fundou e qual é o histórico da empresa emissora daquele ativo.

"Existem diversos tokens que valem o investimento. Porém, é sempre bom analisar cada projeto, principalmente na parte do lastro do ativo", afirmou o head de criptoativos da Hurst Capital.

Para isso, Trombini diz que os investidores podem consultar documentos como o "roadmap" e o "whitepaper". Eles são utilizados para descrever os fundamentos e as diretrizes do projeto.

Já Vieira, da Top Gain, afirma que "a análise de investimento sobre um token é exatamente a mesma para investir em uma criptomoeda. É necessário ter um grande fundamento para entrar na carteira de investimentos e entender se esse token vai ser sustentável a longo prazo".

Para ela, se o investidor fizer um estudo bem aprofundado e perceber que o token tem objetivos, propósitos e desenvolvedores honestos, acredita que vale a pena investir.

Como o token "Mito 22" tem comercialização ilegal e poucas informações sobre seus criadores, o investimento seria bastante arriscado, segundo os especialistas.

"Cada token tem sua utilidade, lógica de emissão e características próprias. Em alguns tokens, vale sim colocar o dinheiro. Mas, para a imensa maioria, não vale. Tem que estudar muito bem o projeto e a sua intenção, demanda e os aspectos que podem afetá-lo para pensar no token como um investimento", afirma Andrade.

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