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Pedro Parente: de 'esperança' da Petrobras a pedido de demissão

Camilla Veras Mota

Da BBC Brasil em São Paulo

01/06/2018 09h00

"Acabou a influência política na Petrobras", disse Pedro Parente, há exatamente dois anos, no dia 1º de junho de 2016, durante sua cerimônia de posse como presidente da estatal.

Naquele dia, ele não chegou a dizer se haveria mudança na composição dos preços de combustíveis, mas afirmou que os valores passariam a seguir uma "decisão empresarial".

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Na manhã desta sexta-feira (1), entretanto, após duas semanas de crise aberta pela paralisação de caminhoneiros e depois de flexibilizar, a pedido do governo, a política de preços que colocou em vigor na estatal, Parente pediu demissão do cargo.

A Petrobras teve prejuízos em 2014 (R$ 21,9 bilhões), 2015 (R$ 34,8 bilhões), 2016 (R$ 14,8 bilhões) e 2017 (R$ 446 milhões). No primeiro trimestre de 2018, pela primeira vez desde o início da operação Lava Jato, ela apresentou lucro, de R$ 6,9 bilhões, e distribuiu dividendos depois de quatro anos sem remunerar seus acionistas.

Começava, no entanto, o pior momento de Parente na estatal desde que assumira o cargo.

A escalada de preços da gasolina e do diesel que catalisou a greve de caminhoneiros também gerou uma enxurrada de críticas à política de preços adotada há dois anos pela companhia, que busca a paridade com preços internacionais.

Membros do governo, como o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, defenderam publicamente uma revisão do sistema de preços e senadores - inclusive do PSDB, partido com o qual Parente sempre teve boa relação - chegaram a cobrar no plenário que ele fosse demitido.

"Se o Pedro Parente não aceitar rever a política de reajuste, que ele saia da Petrobras, ou o presidente da República exerça o mínimo de autoridade. Um governo minimamente sólido já o teria demitido", disse Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) em entrevista na semana passada.

Apenas meses antes, o cenário era oposto: diante da melhora dos indicadores financeiros da Petrobras, Parente chegou a ser aventado como possível candidato à Presidência, um nome que uniria a centro-direita nas eleições de outubro.

Sarney, Collor e "ministro do apagão" de FHC

Engenheiro, Parente foi funcionário da área contábil do Banco Central e, no governo Sarney, foi convidado por Andrea Calabi, então secretário do Ministério do Planejamento, para ir à recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional.

"O Pedro foi cuidar do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), que unificou 3,5 mil contas e foi importante dentro do esforço que a gente fazia para modernizar a administração as finanças públicas", ele diz.

Em 1991, já no governo Collor, o técnico assumiu a secretaria de Planejamento do então Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, onde assumiu a elaboração e execução do orçamento da União.

Depois do processo de impeachment e posterior renúncia de Collor, Parente foi para o exterior e ficou no Fundo Monetário Internacional (FMI) até 1993.

Ele estreou no governo Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, como secretário-executivo da pasta, chefiada então por Pedro Malan.

Clóvis Carvalho, um dos fundadores do PSDB e ex-ministro da Casa Civil de FHC, lembra que os tucanos queriam trazê-lo para o governo desde a gestão de Itamar Franco, mas Itamar resistia em incorporar à sua equipe antigos quadros do governo Collor.

Como secretário-executivo da Fazenda, ele assumiu a renegociação da dívida dos Estados - que, naquela época, ficaram proibidas de emitir título de dívida - e trabalhou na implantação do Plano Real.

"Ele tinha a vantagem de ser engenheiro", brinca Carvalho, "o que era útil no meio de todos aqueles economistas. Vira e mexe a discussão ía muito para o campo teórico e, às vezes, a gente tinha dois dias para tomar uma decisão. A formação voltada para encontrar soluções ajudava", ele acrescenta.

De saída da Casa Civil, Carvalho sugeriu a FHC que Parente o sucedesse na pasta. Além de se dar bem com Malan - e a relação entre Fazenda e Casa Civil é geralmente difícil, já que a função de um é "pedir" e a de outro, "fechar as torneiras" -, ele também se dava bem com o Congresso, especialmente com Antônio Carlos Magalhães.

"Naquela época o ACM era presidente do Senado e estava começando a colocar as manguinhas de fora (criticando o governo). O Parente se dava bem com o pessoal do PFL (atual DEM)", diz Carvalho.

Também era o PFL que controlava naquela época o Ministério de Minas e Energia, e o trânsito de Parente no partido foi fundamental para que ele conseguisse colocar em práticas as medidas para controlar a crise energética em 2001.

"Ele tem como principais características o fato de ser um homem político com olhar suficientemente de mercado e um administrador empresarial com forte sensibilidade política. Foi com esse binômio que conduziu o país para fora da crise elétrica. Soube propor importantes instrumentos de mercado para aquela situação, mas o caminho percorrido foi eminentemente político", avalia Moutinho, da USP.

A solução passou por um rigoroso e amplo racionamento, pelo investimento em linhas de transmissão de energia - para ligar os reservatórios a áreas mais distantes -, por projetos de novas hidrelétricas na região da Amazônia e pela construção de usinas termelétricas, que produzem energia menos limpa e mais cara, mas que podem ser acionadas em períodos de escassez nos reservatórios.

Petrobras, interferências de governos e a política de preços

Passados quase 15 anos - durante os quais foi vice-presidente executivo do grupo RBS (2003 a 2009) e CEO da Bunge (2010 a 2015), empresa do setor de agronegócio -, Parente foi chamado novamente para debelar uma crise, desta vez na Petrobras.

Aos 63 anos, o carioca substituía Aldemir Bendine - que havia renunciado ao cargo e que seria preso um ano depois, no âmbito da operação Lava Jato - e se deparava com uma das maiores crises pelas quais a companhia havia passado desde sua fundação, em 1953.

"Era um buraco negro", ilustra Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP).

"Receitas de exportação em queda, com o colapso do preço do óleo bruto, receitas domésticas reprimidas, com políticas de preços domésticos populistas, elevada taxa de endividamento, com dívidas fora do controle em relação ao comportamento das receitas, perda de credibilidade nos mercados de capitais de longo prazo, prejuízos crescentes", lembra o especialista.

Uma das marcas de sua gestão e a principal manifestação prática do "acabou a influência política na Petrobras" que marcou seu discurso de posse foi a mudança na política de preços.

O valor do combustível que saía das refinarias da empresa passou a acompanhar o mercado externo - ou seja, a se pautar pela variação do câmbio e da cotação do barril de petróleo.

Entre 2011 e 2015, essas oscilações eram repassadas de forma defasada, um mecanismo usado pelo governo para tentar segurar o aumento da inflação.

Quando a conjuntura internacional era desfavorável, a Petrobras chegou a importar combustível mais caro e a vendê-lo mais barato no mercado interno.

"O cenário se modificou com a introdução de um viés muito mais populista pela presidente Dilma", diz o professor Edmilson Moutinho, da USP.

"Quebrou-se a tradição anterior e se voltou a adotar políticas de intervenção de preços, como nos anos 1980, para controlar inflação, incentivando importações. Aliás, importações que geravam perdas crescentes para a Petrobras", ele afirma, referindo-se aos deficits consecutivos de caixa que contribuíram para aumentar o endividamento da estatal no período, chegando a US$ 100,4 bilhões em 2015.

A busca pela paridade internacional foi colocada desde a aprovação da Lei do Petróleo em 1997 - jamais se estabeleceu, entretanto, como ela deveria ser cumprida.

Durante as gestões dos presidentes FHC e Lula, diz o especialista, se consolidou a tradição de buscar a paridade no longo prazo. Com isso, a Petrobras ficou com a incumbência de fazer políticas amortecedoras de preço, reduzindo eventuais grandes oscilações para cima ou para baixo dos preços.

"Nada disso foi politicamente pacífico. A Petrobras era ferrenhamente contra o governo nos momentos que lhe eram desfavoráveis. Por outro lado, grandes consumidores, concentrados na Abrace, Fiesp ou Firjan, não saiam das páginas dos jornais em momentos que a empresa não baixava os preços domésticos na mesma velocidade dos preços internacionais."

Virada nos indicadores

Entre 2015 e 2017, a dívida líquida da Petrobras recuou de US$ 100,4 bilhões para US$ 84,9 bilhões.

A empresa voltou a cumprir as metas de produção e, no ano passado, bateu recorde pelo quarto ano consecutivo, com 2,15 milhões de barris por dia.

Em 2017, as agências de classificação de risco Moody's e Standard&Poor's elevaram a nota da Petrobras, destacando a gestão da dívida - considerada um dos maiores desafios -, a melhora da governança e a chamada "política de desinvestimentos".

Uma das saídas de Parente para reduzir endividamento e recuperar o caixa foi vender parte dos ativos da empresa e reduzir o número de funcionários.

No ano passado, a empresa vendeu a distribuidora Petrobras Chile Distribución, se desfez de sua participação na Guarani, que atua no mercado de açúcar e etanol, e de 90% de suas ações no gasoduto Nova Transportadora do Sudeste (NTS).

Em 2017 e 2018, a empresa tem a meta de alcançar US$ 21 bilhões com as vendas de ativos.

O número de funcionários diretos recuou de 78,4 mil em 2015 para 62,7 mil no fim de 2017, entre cortes e programa de demissão voluntária (PDV). Os terceirizados, por sua vez, passaram de 132 mil a 100 mil.

A reestruturação é fortemente criticada pela entidade que representa os trabalhadores, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que está em greve desde quarta-feira.

A FUP critica a falta de mecanismos na política de preços que protejam o consumidor brasileiro e afirma que a estatal vem sendo administrada para atender exclusivamente aos interesses do mercado.

"O alinhamento internacional dos preços de derivados faz parte do desmonte da Petrobras. O objetivo é privatizar as refinarias, os dutos e terminais, assim como já ocorreu com os campos do pré-sal (referência ao projeto de desobriga a empresa de ser operadora única dos campos), gasodutos, subsidiárias, entre dezenas de outros ativos estratégicos da estatal", diz a entidade em carta aberta divulgada no último dia 25.

Choque externo e 'erro de avaliação'

Até o início deste ano, o cenário internacional vinha ajudando Pedro Parente.

Há alguns meses, contudo, a trajetória dos dois preços que determinam o valor do combustível ficou cada vez mais desfavorável para os consumidores brasileiros.

O petróleo, depois de dois anos em mínimas recordes, vem ficando mais caro desde junho de 2017. De US$ 30 no início de 2016, o barril atingiu US$ 80 neste ano.

O dólar, por sua vez, tem ficado mais caro diante do aumento dos juros nos Estados Unidos - à medida que ele eleva a rentabilidade dos ativos americanos, considerados mais seguros, estimula a saída de dólares de mercados como o Brasil.

A combinação dos dois fatores e da possibilidade de reajuste diário dos preços, vigente há um ano, fez com que os preços explodissem. Na semana que antecedeu a paralisação dos caminhoneiros, a gasolina e o diesel sofreram altas por cinco dias consecutivos.

A adoção de reajustes diários, para Moutinho, da USP, tinha "um quê de simbolismo". "Tratava-se de passar uma mensagem ao mercado de capitais de longo prazo de que o governo renunciava à manipulação da estatal como instrumento de política pública com caráter mais populista", ele afirma.

O especialista faz uma crítica, entretanto, à forma como Parente se colocou diante do problema da escalada de preços.

"Talvez aqui tenha sido o descuido e, de certa forma, a perda de sensibilidade do governo e da Petrobras, e também de Parente, em relação ao tamanho do choque que se produziu no mercado internacional do petróleo".

O choque externo, ele pondera, encontrou um país e uma economia em condições muito desfavoráveis para absorver seus impactos negativos.

"O tamanho da crise surpreendeu a todos. No entanto, os sinais que foram emitidos teriam permitido uma rápida gestão de crise e a introdução de medidas de flexibilização que talvez tivessem permitido evitar o atual caos."

Calabi, que destaca em Parente o "esforço de racionalização de recursos, quer públicos ou privados", concorda que o engenheiro "talvez tenha ficado muito restrito à regra que propôs".

O ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo é favorável à paridade com os preços internacionais, mas defende os esforços para amenizar a volatilidade de preços, com reajustes mais periódicos.

Para ele, essa é uma questão que vai além do fato de a Petrobras ser estatal, que se colocaria ainda que ela fosse privatizada - proposta, aliás, com a qual não concorda.

"Toda empresa, mesmo privada, tem suas responsabilidades sociais e políticas."

Para Moutinho, entretanto, o erro de avaliação não justificava os pedidos de demissão que vinham sendo feitos por parlamentares. Para ele, Parente era "a melhor pessoa para buscar caminhos de saída da atual crise de curto prazo sem sacrificar completamente ou essencialmente as estratégias de médio e longo prazo que estavam previstas".

"Ele continua sendo o melhor gestor de crises que o país dispõe", afirmou Moutinho três dias antes de Parente pedir demissão.