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Protestos deixam postos sem combustível e ameaçam comida, ônibus e gás

Mariana Bomfim*

Do UOL, em São Paulo

23/05/2018 14h00Atualizada em 23/05/2018 19h25

A greve dos caminhoneiros autônomos entra em seu terceiro dia e tem impactos na oferta de produtos e serviços comuns no dia a dia dos brasileiros, como alimentos, combustíveis, cartas e transporte público. Já falta etanol em postos de combustíveis.

Os caminhoneiros protestam contra os recentes aumentos nos preços dos combustíveis e pedem ao governo a redução de impostos.

Veja mais abaixo alguns setores e serviços afetados.

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Postos sem combustível ou com filas

Com a paralisação, caminhões-tanque não conseguem chegar aos postos para repor os estoques. Há bloqueios na porta de algumas refinarias, como em Duque de Caxias (RJ) e Abreu e Lima (PE), impedindo a saída dos caminhões. Resultado: começa a faltar combustível nos postos.

Na capital do Rio, o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis diz que 65 postos (8% do total) foram afetados, e estão totalmente ou parcialmente sem combustível. É o caso do posto Shell próximo à Linha Amarela, que liga as zonas norte e oeste da cidade, onde um cartaz informa: "Sem combustível. Greve dos caminhoneiros".

A reportagem encontrou um posto na região oeste de São Paulo sem etanol na manhã desta quarta (23). Segundo a gerente, que preferiu não se identificar, o combustível acabou durante a madrugada e não havia previsão de chegada. "Com os caminhoneiros em greve, não chegou mais combustível. Gasolina ainda tem, mas pode acabar. Estamos perdendo venda. Não tem produto", disse.

O taxista José Marlúcio Torres, 66, disse que havia procurado etanol em três postos, mas sem sucesso. "Eu abasteço com álcool. Não dá para abastecer com gasolina. Está um absurdo. Vou tentar encontrar álcool em mais um ou dois postos. Se não conseguir, vou para casa."

Em cidades do Vale do Paraíba (SP), como Jacareí, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba, e do Paraná, como Apuracana e Arapongas, também falta etanol e gasolina nas bombas em alguns bairros.

A possibilidade de faltar combustíveis fez motoristas correrem aos postos para encher os tanques e garantir o deslocamento da semana, causando filas em alguns pontos.

Correios suspendem algumas entregas

Os Correios anunciaram a suspensão das entregas de encomendas com dia e hora marcados: as modalidades Sedex 10, 12 e Hoje. Além disso, o prazo de entrega de cartas e encomendas pelas modalidades Sedex e PAC vai aumentar em alguns dias enquanto durarem os efeitos da greve.

A ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), que representa as lojas virtuais do país, afirmou que a paralisação afeta o trânsito de diversas transportadoras e que há produtos parados em diferentes localidades. Para a associação, pode haver prejuízo para as vendas de Dia dos Namorados, no mês que vem.

Podem faltar frutas, verduras e legumes

Os supermercados começam a sofrer efeitos da greve, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). "Identificamos que alguns Estados já começaram a sofrer com o desabastecimento de alimentos, e que isso poderá se estender para todo o Brasil nos próximos dias, se algo não for feito", disse a entidade em nota.

Os supermercados de São Paulo dizem que há dificuldades de abastecimento em razão da paralisação de caminhoneiros, mas consideram que o efeito tem sido "pontual".

Segundo a Apas (Associação Paulista de Supermercados), há falta de frutas, legumes e verduras, que são produtos perecíveis, repostos diariamente. As entregas de carnes e embutidos estão atrasadas.

Em São Paulo, a distribuição de hortifrúti começa a ser prejudicada. A Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), terceiro maior centro atacadista de alimentos do mundo, informou que alimentos como mamão, melão, batata, manga e melancia estão chegando em menor quantidade porque os caminhões estão parados nas estradas.

Para evitar o desperdício, alguns comerciantes pedem que os caminhões nem sejam carregados nas cidades de origem. Em Janaúba (MG), caminhoneiros resolveram dar aos moradores alimentos que estavam começando a estragar.

Também há desabastecimento no Rio, onde a central de distribuição, a Ceasa, recebeu apenas 70 dos 300 a 500 caminhões que costumam chegar diariamente. Com a pouca oferta de alimentos, o preço da batata quadruplicou.

Em Curitiba (PR), algumas feiras de rua organizadas pela prefeitura não vão funcionar nestas quarta e quinta-feira, porque frutas e verduras de fora não estão chegando à cidade. Mercadões e varejões da prefeitura, os chamados Sacolões da Família, também enfrentam falta de alimentos como mandioca, beterraba, goiaba e cebola. Os problemas no abastecimento também afetam Maringá e Londrina, no norte do estado.

Em um dos mais tradicionais centros de compras de Salvador (BA), a Feira de São Joaquim, havia galpões vazios e boxes fechados por falta de mercadoria nesta quarta. Com a oferta limitada, os preços de alguns alimentos dispararam. A saca de batata, por exemplo, passou de R$ 60 para R$ 110.

Pode faltar gás

Há possibilidade de faltar gás, segundo o Sindigás, que representa as empresas distribuidoras do produto. O sindicato informa que "a interdição das principais rodovias brasileiras impede a saída dos caminhões que transportam o gás, seja a granel ou em botijões, das bases de enchimento das distribuidoras até o consumidor final ou até as revendas de gás".

Indústria de carnes paralisa unidades

O processamento de carnes de frango e suína foi paralisado em 78 unidades pelo país, de acordo com a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), porque os animais não chegam às fábricas, e as fábricas não conseguem levar a carne até o consumidor. Estão fechadas, por exemplo, unidades em Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás e Rio Grande do Sul.

Na Aurora Alimentos, a paralisação total de sete unidades de processamento de aves e oito de suínos levou 28 mil trabalhadores a serem dispensados temporariamente. Segundo a empresa, a sua capacidade de estocagem de produtos, de 50 mil toneladas, já foi atingida.

A BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, suspendeu as atividades em quatro unidades de abate de frangos e suínos nesta manhã e vai paralisar parcial ou totalmente as operações de outras nove fábricas ainda nesta quarta-feira em razão da greve dos caminhoneiros, de acordo com comunicado da companhia.

A Marfrig afirmou que algumas de suas unidades devem reduzir ou suspender temporariamente a produção. A empresa não deu detalhes sobre as unidades afetadas.

Aeroporto economiza querosene

Em Brasília, a Inframerica, concessionária que administra o Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, decidiu economizar o combustível usado pelas aeronaves porque os caminhões que o transportam estão parados no entorno do Distrito Federal. A empresa não informa como se dá essa economia de querosene, mas diz que a segurança dos voos não é comprometida.

Mesmo assim, o combustível só "é suficiente até o fim da tarde de quarta-feira", de acordo com a concessionária.

Em Pernambuco, a AGU (Advocacia-Geral da União) conseguiu na Justiça Federal uma liminar para permitir a passagem de carretas que transportam combustível para o Aeroporto dos Guararapes, em Recife. Segundo a juíza que concedeu a liminar, o bloqueio da rodovia poderia prejudicar cerca de 70 voos. A multa em caso de descumprimento foi estabelecida em R$ 10 mil por dia.

Usinas de cana diminuem ritmo de moagem

Algumas usinas de cana do centro-sul reduziram o ritmo de moagem, informou a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar). "Pontualmente, hoje (quarta-feira), existem unidades paradas por falta de diesel e de peças e unidades que começaram a reduzir o ritmo de moagem", informou a entidade, em nota.

Fábricas de carros param

A greve de caminhoneiros já prejudicou a produção de 16 fábricas de carros e caminhões, segundo balanço da Anfavea, entidade que reúne as montadoras, obtido pela Folha.

Transporte público por ônibus é reduzido

A falta de combustíveis afeta também o transporte público. Muitas das empresas que realizam o serviço têm postos próprios, mas dizem que não estão conseguindo renovar seu estoque.

Em São Paulo, o sindicato das empresas de transporte coletivo disse que os estoques de diesel disponíveis atualmente só são suficientes para garantir a operação da frota na capital até sexta-feira (25).

No Rio, a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio de Janeiro) afirmou que o número de veículos em algumas linhas de ônibus foi reduzido e que existe o risco de paralisação total.

Segundo as empresas que atuam na região metropolitana de Curitiba, o transporte coletivo será totalmente paralisado a partir de amanhã se os estoques não forem renovados.

Em Jacareí, a empresa Jacareí Transporte Urbano colocou na rua, em pleno dia útil, a mesma frota de ônibus que costuma ser usada aos domingos, o que gerou filas em diversos pontos de embarque. Os caminhões que abasteceriam o posto da empresa estão parados na rodovia Presidente Dutra.

O mesmo acontece na região metropolitana de Recife (PE), onde a quantidade de ônibus nas ruas foi reduzida porque as companhias pararam de receber diesel. Ainda em Pernambuco, a frota de ônibus nas ruas em Caruaru também foi reduzida.

Transporte de soja parado

No Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, é grande a dificuldade de transportar o grão. De acordo com o presidente da Aprosoja-MT (Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso), Antônio Galvan, o comércio está praticamente parado. "Há cerca de oito milhões de toneladas de soja retidos nos armazéns dos produtores rurais e não existe espaço para guardar o milho que começou a ser colhido", diz.

Farmácias sem remédios

A Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) disse que a paralisação de caminhoneiros gerou desabastecimento em farmácias e drogarias de todo o país.

Um dos principais problemas referem-se aos medicamentos termolábeis, que devem ser mantidos refrigerados e necessitam de temperatura estável até o seu destino final --algo impossível de ser garantido com um veículo travado nas estradas, disse a Abrafarma.

*Com reportagem de Thâmara Kaoru, em São Paulo, e Marcela Lemos, no Rio, e agências de notícias