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Como pode haver tanto prédio sendo construído em São Paulo na pandemia?

Entre janeiro e setembro de 2021, a prefeitura aprovou a construção de 912 prédios residenciais na capital paulista - Karime Xavier / Folhapress
Entre janeiro e setembro de 2021, a prefeitura aprovou a construção de 912 prédios residenciais na capital paulista Imagem: Karime Xavier / Folhapress

Isaac de Oliveira

Do UOL, em São Paulo

27/10/2021 04h00

A cidade de São Paulo está cheia de prédios residenciais sendo construídos, bem no meio da crise da pandemia. O número de lançamentos de apartamentos na planta mais do que dobrou: foram lançadas 41.797 unidades de janeiro a agosto deste ano, 106,5% de alta em relação ao mesmo período do ano passado (20.238). Em comparação com 2019, antes da pandemia, os números também são expressivos: a alta foi de 49% no mesmo intervalo. Os dados são do Secovi-SP (Sindicato da Habitação).

Como isso é possível? Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, parte das obras foi projetada antes da pandemia, fruto ainda das diretrizes da Lei de Zoneamento, aprovada em 2016. Mas eles também dizem que novos projetos se iniciaram durante a crise mesmo, e a queda forte da taxa de juros no ano passado fez com que o mercado continuasse aquecido.

Vendas saltaram 52% em São Paulo

Além de aumento nos lançamentos, também houve alta nas vendas na cidade de São Paulo. Segundo o Secovi-SP (Sindicato da Habitação), de janeiro a agosto de 2021, foram vendidos 41.919 apartamentos, um salto de 52% sobre as vendas no mesmo período de 2020 (27.588).

O mesmo fenômeno ocorre em outras partes do Brasil. Segundo dados da Cbic, com informações de 162 cidades em todo o país, o número de lançamentos no primeiro semestre deste ano foi de 100,2 mil apartamentos (57% a mais que os 63,7 mil apartamentos lançados no mesmo período de 2020).

As vendas no país, também no primeiro semestre, cresceram 46% em comparação com o mesmo intervalo do ano passado: foram 127,5 mil unidades vendidas agora, contra 87,3 mil vendas antes.

Mudanças no zoneamento

O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas), explica que o produto imobiliário é de ciclo longo, girando em torno de cinco a seis anos. Logo, muitas das obras que se veem hoje pela cidade são anteriores à crise.

"O zoneamento foi aprovado em 2016, as empresas começaram a fazer projetos, entender as regras, comprar terreno, por volta de 2018. A aprovação dos projetos aconteceu mais ou menos em 2019, e as empresas começaram a construir em 2020. Então o que se enxerga agora é uma coisa que já tem dois, três anos de história", diz Ajzental.

Ajzental afirma que a Lei de Zoneamento priorizou a construção de novos prédios próximos dos eixos de transporte público, como metrô e ônibus, e modelos de moradias mais compactas.

Obras mesmo na pandemia

As obras que começaram antes da pandemia poderiam ter sido suspensas, mas não foi o que aconteceu, diz Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP. Segundo ele, o mercado não parou em 2020 nem neste ano. "O mercado cresceu significativamente, mesmo com a pandemia".

Segundo Petrucci, que também preside a Comissão da Indústria Imobiliária da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), as obras que estão em final de construção se iniciaram em 2019, mas alguns projetos em execução começaram em 2020 e 2021.

Juros baixos ajudaram

Para Luiz França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), a partir de 2020, houve uma combinação de dois fatores que mantiveram o mercado imobiliário aquecido: juros baixos e desejo de mudança de endereço.

"No ano passado, nós tínhamos uma taxa de juros muito baixa, no mundo todo, e a pandemia trouxe uma insatisfação das pessoas com os lugares em que elas moram, o que gerou uma demanda pessoal por imóveis com configurações diferentes. Essas duas coisas juntas geraram um movimento de compra muito forte", diz França.

Ajzental, da FGV, concorda que o cenário jamais visto com a taxa de juros foi determinante para que as famílias buscassem novas opções de moradia, já que os os juros dos financiamentos também caíram com a Selic.

"Os juros, em um negócio que usa muito dinheiro por muito tempo, fazem muita diferença. A Selic a 2% fez o crédito imobiliário cair para 7,5% a 8% ao ano, que é baixíssimo", afirma Ajzental.

Entre agosto de 2020 e março de 2021, a Selic ficou em 2%. Desde então, o Banco Central começou a elevar a taxa básica de juros do país, até o atual patamar de 6,25%.

Dificuldades ainda existem

Petrucci observa que a vacinação tem ajudado o mercado imobiliário, do ponto de vista de confiança dos consumidores, mas ele entende que ainda existem alguns desafios no radar. É o caso do aumento da taxa de juros do financiamento imobiliário e essa persistência do aumento dos custos de construção.

Em setembro, o INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção - M) subiu 0,56%, repetindo a taxa do mês anterior. Desse modo, o índice medido pela FGV tem alta de 11,99% no ano e de 16,37% em 12 meses. Esse indicador acompanha a evolução dos preços de materiais, serviços e mão-de-obra mais relevantes para a construção civil.

O presidente da Abrainc diz que o setor tem buscado otimizar os processos de construção, buscando técnicas mais econômicas, mas ele reconhece que a alta dos preços de materiais tem um impacto no imóvel, que pode variar conforme a fase da obra.

"Se eu estou lançando o imóvel hoje e o preço dos insumos sobe, não tem jeito, pode haver uma majoração de preço e isso pode impactar os novos lançamentos", diz França

Quem compra?

Embora não tenha um detalhamento dos compradores dos imóveis na cidade de São Paulo, França afirma que a maioria desses consumidores compra com o objetivo de morar.

Segundo Petrucci, cerca de metade das vendas na capital paulista neste ano foi realizada por meio do programa Casa Verde e Amarela. No cenário nacional, o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária da Cbic diz que o programa responde por quase 75% das vendas.

Sobre a outra metade de compradores de imóveis em São Paulo, Petrucci estima que 10% podem ser de investidores, que estão comprando principalmente apartamentos compactos.

Mas o mercado vai bem em todas em todas as faixas de preço. "Há venda média de 200 apartamentos por mês, cujo valor médio é de R$ 2,8 milhões. Seguramente, isso não é investidor. São pessoas que estão procurando um imóvel maior ou estão saindo de uma casa de 300 m² a 400 m², para ir para um apartamento de 200 m²", diz Petrucci.