Se governo propuser mesmo nova regra, isso baixaria preço de combustíveis?

Há uma confusão e não se sabe se o governo de Jair Bolsonaro (PL) vai apresentar ao Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre combustíveis. O texto seria enviado nesta semana, mas há informações de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, convenceu o presidente a desistir da ideia. Se o governo realmente enviar o texto, haverá algum efeito? O preço da gasolina vai baixar para o consumidor?

De acordo com especialistas, mesmo se for adiante, a medida não deve surtir efeito para o bolso dos consumidores. Pior do que isso, a proposta pode ter resultado contrário, aumentando a inflação. Procurado pelo UOL, o governo não se manifestou.

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Redução pode não chegar ao consumidor

Se realmente for adiante, a PEC deve abrir espaço para que o governo reduza tributos sobre energia elétrica e combustíveis como gasolina e diesel sem que seja indicada uma fonte para compensar a perda de arrecadação. Os detalhes da proposta ainda não são conhecidos. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a afirmar que a medida valeria apenas para o diesel.

Rodrigo Leão, coordenador técnico do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), ligado à FUP (Federação Única dos Petroleiros), afirma que a discussão em torno da redução de impostos sobre combustíveis é importante.

"Mas é muito difícil dizer qual é a viabilidade dessa proposta específica sem entender exatamente qual vai ser a medida", afirma.

De qualquer forma, Leão avalia que, por si só, a redução de impostos pode não diminuir o preço final para o consumidor. Isso porque outros elos da cadeia de combustíveis —postos, por exemplo —podem acabar absorvendo o corte, ou o valor cobrado nas refinarias da Petrobras pode aumentar.

Não tenho clareza se essa redução chegaria na bomba [para o consumidor]. A discussão da estrutura dos preços precisa ser feita, mas não me parece que está sendo feita da melhor forma. Olhar só para um elemento não é suficiente.
Rodrigo Leão, do Ineep

O UOL procurou a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes), que representa os postos, mas a entidade não quis se posicionar sobre o assunto.

O peso dos tributos

O próprio governo Bolsonaro já zerou o valor de PIS e Cofins, tributos federais, cobrados sobre o diesel. Apesar de a redução do imposto ter sido de R$ 0,31, só R$ 0,03 chegaram aos postos, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Nos últimos meses, o congelamento de outro tributo, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), também não baixou o preço, apenas evitando que os valores subissem ainda mais.

Dados divulgados pela Petrobras a partir dos levantamentos de preço da ANP mostram que, no caso da gasolina, tributos federais e estaduais representavam R$ 2,46 dos R$ 6,63 pagos em média, por um litro de gasolina no começo do ano. A fatia destinada à Petrobras era de R$ 2,26.

No caso do diesel, a participação dos tributos era menor, representando R$ 1,14 dos R$ 5,41 cobrados, em média, por litro. A fatia da Petrobras no mesmo período era de R$ 3,02.

"O impacto dessa PEC deve ser semelhante ao que vimos com o congelamento do ICMS. No primeiro mês, poderia até adiantar, mas depois os preços continuarão subindo", diz Antônio Carlos Morad, advogado especialista em direito tributário do escritório Morad Advocacia Empresarial.

Impacto fiscal pode gerar efeito inverso

Segundo fontes ouvidas pelo jornal Folha de S.Paulo, se o governo federal zerar PIS e Cofins para gasolina, diesel e etanol, o impacto na arrecadação será na ordem de R$ 50 bilhões por ano.

Alexandre Chaia, economista e professor do Insper, diz que a PEC "é uma besteira" porque não é uma lei sobre combustíveis, e sim de "irresponsabilidade fiscal".

A ideia da proposta é dar isenção de impostos sem haver uma fonte para compensar [a perda de arrecadação]. Isso vai gerar um buraco fiscal maior do que já existe, o que pode fazer com que o dólar suba. E aí o efeito [de redução no preço] será eliminado.
Alexandre Chaia, do Insper

A cotação do dólar importa para o preço dos combustíveis no Brasil porque desde 2016 a Petrobras reajusta os valores nas refinarias de acordo com a cotação internacional, que é praticada na moeda norte-americana.

No ano passado, o aumento do preço do petróleo e a valorização do dólar provocaram alta nos derivados do óleo. Segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a gasolina subiu de 47,49%; o diesel, 46,04%; e o gás de cozinha, 36,99%.

"Se continuar a incerteza fiscal e política, a tendência é de que o dólar suba. O mais fácil seria o governo trabalhar direitinho e fazer o dólar cair do que gerar uma incerteza que destrói o benefício [da PEC]", diz Chaia.

Agenda para próximo governo

Para Helder Queiroz, professor do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que foi diretor da ANP entre 2011 e 2015, o governo pode acabar fazendo "toda uma parafernália com objetivo eleitoral" e o preço continuar subindo.

Não deveria ser feita uma coisa atabalhoada nesse momento, mas acho que essa é uma agenda que o próximo governo precisa pensar. [É necessário] sinalizar de uma vez por todas o que vai acontecer com os preços. Soluções existem, [pode ser até] deixar o mercado flutuar.
Helder Queiroz, da UFRJ

Governo não comenta

O UOL procurou o Ministério da Economia, a Casa Civil e a Presidência da República, pedindo um posicionamento sobre as críticas. O ministério afirmou que não iria comentar. Os outros dois órgãos não responderam.

A Petrobras também afirmou que não comentaria a PEC. Em nota, a empresa afirmou que sua participação no preço dos combustíveis "remunera uma complexa estrutura". "Como em qualquer indústria, os produtos vendidos precisam remunerar o investimento realizado e garantir que as empresas mantenham as operações funcionando com segurança e qualidade para atender os clientes".