Existe demissão humanizada? Como as empresas tentam amenizar o desligamento
Em meados de maio de 2022, um tuíte sobre demissão viralizou: uma funcionária foi dispensada no dia seguinte a uma reunião de feedback com a liderança, que havia incluído até mesmo conversas sobre uma possível promoção:
O desabafo incentivou outros tuiteiros a contarem suas experiências e levantou a questão: é possível tornar o desligamento mais respeitoso?
Felizmente, especialistas em gestão de pessoas e as próprias empresas garantem que a resposta é sim. "A demissão é sempre um momento difícil para as duas partes, por isso não pode ser apenas sobre dar tchau, pegar o crachá de volta e cortar os laços", aponta Lina Nakata, professora da FIA Business School. "É preciso se comunicar com clareza e dar o suporte necessário para que uma trajetória se encerre e outra se inicie."
Para começar, o ideal é que haja uma reunião formal que dê ao colaborador informações sobre os motivos da rescisão. Pode parecer óbvio e básico, mas ainda não é.
De acordo com a FIA Employee Experience (FEEx), pesquisa que reconhece os melhores ambientes de trabalho do país, entre os lugares considerados incríveis para trabalhar, 96% realizam entrevistas de desligamento de maneira formal e estruturada (sendo 91% para demissionários e 78% para demitidos). Porém, esse índice cai para 79% (71% para demissionários e 65% para demitidos) entre as empresas não classificadas.
Na Philips, multinacional holandesa de produtos de consumo e de tecnologia, as entrevistas de desligamento são necessariamente presenciais e incluem feedback completo, com explicação sobre todas as questões relativas a desempenho.
"Nesse momento estão presentes um representante do RH e também o gestor imediato, que fazem uma comunicação pautada pela empatia e pelo respeito", conta María Pía Logiovane, head de Recursos Humanos para América Latina. "Integridade é palavra-chave em nossa prática diária e, por isso, acontece durante todo o relacionamento com o colaborador, do onboarding ao offboarding."
Na Intel, essa entrevista também é mandatória e acontece em duas etapas, com o gestor e com o RH separadamente - para profissionais considerados top performers que optam por deixar a empresa, há ainda outra com a presidente. "Queremos entender a motivação por trás da demissão porque somos rígidos em relação a qualquer tipo de assédio", afirma Carolina Prado, gerente de comunicação da Intel Brasil e Canadá.
É cada vez mais comum que a demissão inclua ainda um pacote de benefícios, com aconselhamento de carreira (ou indicação a fornecedores e clientes), suporte psicológico e manutenção de salário e benefícios (sobretudo os que impactam a família do ex-colaborador, como plano de saúde) por períodos mais longos.
Na Intel, que também envia um presente de agradecimento e conta com uma plataforma para que colegas possam trocar mensagens com o funcionário desligado, quando ocorre uma reestruturação, o ex-funcionário tem três meses para procurar outra vaga internamente.
Porém, para evitar que a hora H seja uma surpresa, como aconteceu com a tuiteira mencionada no início da reportagem, o plano ideal é apostar na jornada do colaborador como um todo.
"As empresas com maior sucesso nesse tratamento humanizado já começam o trabalho na entrada, ou seja, investem antecipadamente em planos de desenvolvimento de avaliações de profissionais e deixam claras expectativas, metas e feedbacks", diz Diogo Forghieri, especialista em marca empregadora e diretor de RPO e MSP na Randstad.
É o que fazem a Intel, que, além de plano de carreira, organiza um plano de recuperação que dá um ano para que o funcionário com baixo desempenho se recupere, e o banco digital Will Bank.
"Nossa equipe de recursos humanos tem reuniões mensais com a liderança para tratar sobre o desenvolvimento de pessoas, discutir planos de ação, acompanhamento, mentoria e feedback", diz Marcela Sichetti, gerente do RH do banco. "Quando uma demissão, infelizmente, ocorre, dificilmente será uma surpresa."
Ruim para o demitido e para a empresa
Além de beneficiar o funcionário, a demissão humanizada é importante para a própria empresa, com impacto direto em sua marca empregadora e na comprovação da genuinidade de seus valores.
"Há um movimento quase que unânime no mercado que coloca o protagonismo no talento e, durante um processo demissionário, ele ganha uma voz incrível", afirma Forghieri, da Randstad. "Quando ele tem uma alternativa mais humana, individualizada e respeitosa, ele não só absorve melhor o momento de ruptura como também passa a ser promotor da companhia."
Outro ponto levantado por Forghieri é que os talentos que ficam na companhia - especialmente os mais jovens - estão cada vez mais sensíveis a seus colegas. "Uma demissão mal pensada e mal executada tem um duplo impacto negativo para a companhia: ela ganha um detrator de mercado e, internamente, perde engajamento porque os colaboradores começam a se questionar também."
Ficar ou sair?
Não é só a maneira como as empresas demitem que passa por mudanças. Os motivos que levam os funcionários a pedirem as contas agora também vão além de salário e plano de carreira - e as três empresas entrevistadas para esta matéria afirmam usar esse tipo de informação, compilada em entrevistas demissionais, para melhorar e definir planos de ação relacionados a carreira, benefícios e remuneração.
"Por meio de nossa pesquisa global Workmonitor, sobre comportamento de trabalho em 34 mercados, incluindo o Brasil, vemos que, por aqui, os colaboradores valorizam mais felicidade, bem-estar e arranjos flexíveis de trabalho, atuam por um propósito e querem entender que este é o papel da companhia na sociedade, seja em sustentabilidade, seja em diversidade e inclusão", diz Forghieri.
Os números deixam esse fatores explícitos:
? 30% dos entrevistados consideram importante estarem felizes;
? 55% afirmam que pediriam desligamento caso estivessem em uma situação laboral que os impossibilitasse de aproveitar a vida (fora do país, esse número é de 40%)
? 44% aceitariam trabalhar por menos dinheiro se a empresa tivesse foco maior em retorno para a sociedade (10% a mais que a média global);
? Mais de 50% não aceitariam ficar em uma empresa sem sustentabilidade como pilar estratégico e sem políticas de equidade e de diversidade;
? 41% não trabalhariam em locais sem arranjos flexíveis de horário;
"O colaborador passou a ser mais ouvido durante a pandemia e o que vivemos a partir de agora é o desdobramento de todas essas ações", diz Forghieri.
Lugares Incríveis para Trabalhar
O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas vencedoras devem ser anunciadas em agosto.
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