Americanas, Marisa, Oi: empresas começam mal o ano, e situação deve piorar
Empresas famosas começaram 2023 com muitas dificuldades financeiras, incluindo dívidas de aluguel, recuperação judicial e até falência.
O que está acontecendo com as empresas brasileiras?
- Há uma desaceleração na economia. O PIB de 2022 foi de 2,9%, menor que os 5% de 2021, conforme dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira. A expectativa do mercado é que o PIB de 2023 fique em torno de 1%. O Boletim Focus do Banco Central de 24 de fevereiro prevê crescimento de apenas 0,8% no ano.
- Os pedidos de falência e recuperação judicial explodiram no início de ano. Em janeiro, 72 empresas pediram falência. Isso representa uma alta de 80% em comparação com dois anos atrás (40 pedidos).
- Firmas especializadas em reestruturação e recuperação judicial têm tido demanda recorde. Na Quist Investimentos, assessoria especializada em reestruturação de empresas, a procura quadruplicou nos últimos meses. A Dasa Advogados, focada em ações de recuperação judicial, costuma trabalhar com 12 casos novos por ano. Em 2023 já foram oito novos contratos, com expectativa de continuar em ritmo acelerado ao longo do ano.
- Marcas tradicionais, como Americanas, Marisa,Tok&Stok e Oi, estão sendo afetadas. A tendência é a situação continuar difícil nos próximos meses, o que deve impactar a economia do país no ano, segundo analistas ouvidos pelo UOL.
- A explicação para a crise nas empresas está principalmente na alta dos juros e na redução da oferta de crédito. A Selic (taxa básica de juros, definida pelo Banco Central) era de 2% em janeiro de 2021. Agora está em 13,75%. O objetivo da alta nos juros é segurar a inflação. Ela torna o dinheiro mais caro, e por isso as pessoas gastam menos.
- Para as empresas, suas dívidas também sobem. Muitas têm dívidas com taxas variáveis conforme o cenário econômico.
Na pandemia, muitas empresas jogaram suas dívidas para frente, renegociaram. Essa dívida que está atrelada aos juros hoje está impossível de ser paga.
Douglas Duek, CEO da Quist Investimentos
- Com o dinheiro mais caro, o consumidor também segurou os gastos, diminuindo a receita das empresas, em especial do varejo, setor mais sensível aos solavancos da economia.
- A crise das Americanas veio coroar uma situação que já era complexa. Ao anunciar um rombo em seus balanços, a varejista fez com que os bancos ficassem mais criteriosos na concessão de crédito.
É um conjunto perverso e infelizmente está acontecendo tudo ao mesmo tempo. Quem fornece crédito está cauteloso e quem compra está cauteloso. A empresa fica numa situação difícil e a economia tem desempenho ruim. O PIB de 2023 pode crescer 1%, mas por conta do agronegócio.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados
Quais empresas enfrentam dificuldades?
- O caso mais emblemático é o da varejista Americanas, que entrou em recuperação judicial em janeiro. Isso ocorreu após a empresa revelar um rombo bilionário em seus balanços.
- A companhia de telefonia Oi fez um novo pedido de recuperação judicial nesta quinta-feira (2). Antes de apresentar o pedido, o segundo em sua história, a operadora de telefonia havia solicitado proteção contra credores. A empresa mal finalizou sua primeira reestruturação, iniciada em 2016, mas declarou à Justiça ter uma dívida de R$ 35 bilhões.
- A loja de roupas Marisa trocou de comando no início de fevereiro e iniciou negociações para conseguir pagar suas dívidas, que chegam a R$ 566 milhões.
- A rede de móveis e decoração Tok&Stok sofreu um pedido de despejo em fevereiro por não ter pago o aluguel de um galpão logístico em Extrema (MG), e contratou uma consultoria para negociar com credores.
- A Livraria Cultura teve sua falência decretada pela Justiça em fevereiro por não cumprimento do plano de recuperação judicial (ela está em recuperação desde 2018). A livraria conseguiu suspender a decisão da falência e trabalha para mostrar que ainda é viável.
- A fabricante de chocolates Pan, famosa pelos cigarrinhos de chocolate, entrou com um pedido de autofalência na Justiça de São Paulo, admitindo não ter mais condições de pagar suas dívidas. A falência foi decretada no dia 27 de fevereiro.
- A companhia de energia Light divulgou no final de janeiro que contratou uma assessoria financeira para reestruturar suas dívidas.
O que esperar agora?
- Devemos ver mais empresas em dificuldades financeiras nos próximos meses, segundo analistas. Para Duek, da Quist, os pedidos de recuperação judicial devem continuar fortes ao menos até a metade do ano. Carlos Deneszczuk, sócio da Dasa Advogados, vê perspectivas de melhora apenas no final do ano ou no início de 2024.
- A crise deve atingir outros setores além do varejo, em especial indústria e serviços. Segundo Vale, a exceção fica com o agronegócio, que deve ter um bom ano. Empresas em dificuldades financeiras, de qualquer setor, terão dificuldade em conseguir crédito no cenário atual.
- A redução na taxa de juros não deve vir tão cedo, dizem os analistas. O tema tem sido alvo de disputa no governo. O presidente Lula já fez críticas abertas ao Banco Central por conta da alta taxa de juros.
- A avaliação é que a Selic só deve baixar quando houver maior clareza sobre os planos do governo para segurar os gastos públicos. O ministro da Fazenda Fernando Haddad deve apresentar uma proposta neste mês.
Os juros devem ficar nesse patamar pelo menos no primeiro semestre. O Banco Central não consegue baixar os juros enquanto não tiver clareza da política fiscal e de como será a reforma tributária. Quando isso acontecer, as expectativas para a inflação diminuem. Atualmente elas estão só piorando.
Wagner Varejão, economista da Valor Investimentos
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