As promessas de Guedes

Muitas propostas do ministro não saíram do papel 20 meses depois, o que ajudou na "debandada" de sua equipe

Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo Adriano Machado/Reuters

Zerar o déficit público em um ano, arrecadar R$ 2 trilhões com privatizações e venda de imóveis da União, aplicar uma ampla agenda de reformas estruturais. A lista de promessas feitas desde a campanha presidencial de 2018 pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é grandiosa. Mas ainda estão distantes de serem concretizadas, 20 meses depois do início do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A lentidão para aplicar sua agenda liberal, que sofre resistência de setores do próprio governo, levou ao que Guedes chamou de "debandada" de sua equipe, após as saídas do secretário especial de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e do secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel,.

"A equipe econômica cometeu alguns erros e está pagando por isso", afirma Roberto Ellery, professor da UnB (Universidade de Brasília). "E, para mim, um dos grandes erros foi prometer muito o que não podia entregar. Uma agenda de reformas não traz crescimento no ano que vem, ela não zera o déficit público em um ano, como foi prometido. A agenda de reformas, pela natureza dela, é lenta."

Para o pesquisador Bruno Carazza, professor do Ibmec e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as Engrenagens do Sistema Político Brasileiro" (Companhia das Letras), o desempenho de Guedes é muito ruim, se analisado pelo que foi prometido. Por outro lado, ele considera que Guedes conseguiu assegurar uma política de sustentabilidade fiscal e controlar os gastos do governo.

"Se você comparar o que Guedes anunciava e o que ele entregou, o desempenho dele é muito ruim. Realmente entregou muito pouco do que prometia", diz Carazza.

"Agora, do ponto de vista do que ele manteve, em relação ao que poderia ter acontecido se tivesse prevalecido essa visão intervencionista, estatizante e gastadora do Bolsonaro, o Guedes, bem ou mal, conduziu o país nesse período. Assegurou uma situação que vinha desde o Temer. Houve uma continuidade no aspecto de sustentabilidade fiscal."

Relembre a seguir as promessas, a realidade, propostas e frases polêmicas do ministro.

As promessas

Confira algumas das promessas e afirmações de Guedes ao longo do período à frente do Ministério da Economia.

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Promessa: zerar déficit em um ano

Uma das promessas mais ambiciosas feitas por Paulo Guedes era zerar o déficit fiscal já no primeiro ano de governo.

Após a eleição, ainda em 2018, ele disse que a meta era "factível" e, em janeiro do ano seguinte, reafirmou que zeraria o déficit e disse como pretendia fazer isso, mesmo com diversos analistas alertando que isso não seria possível.

Mais da metade do déficit vamos eliminar com a reforma da Previdência. Temos muitas concessões de petróleo. A outra metade disso vamos eliminar neste ano com concessões de petróleo e uma lista imensa de privatizações. Então, em termos de dinheiro, vamos zerar o déficit este ano. Vamos trabalhar como as grandes companhias privadas, com metas ousadas
Paulo Guedes

Realidade

As contas públicas do governo federal fecharam 2019 com rombo de R$ 95,1 bilhões. Apesar de ter ficado longe da promessa inicial, o resultado foi o melhor em cinco anos e cumpriu com folga a meta estabelecida de déficit de R$ 139 bilhões.

A reforma das aposentadorias foi aprovada, mas não trouxe resultados fiscais imediatos, e o rombo da Previdência no ano subiu 5,3%, a R$ 213,179 bilhões.

As privatizações pretendidas ficaram travadas, e o megaleilão do pré-sal em novembro do ano passado frustrou as expectativas do governo: não teve concorrência, foi dominado pela Petrobras e arrecadou R$ 70 bilhões, cerca de dois terços do total esperado (R$ 106,5 bilhões).

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Promessa: privatizações

A privatização de estatais era um dos pilares do ajuste fiscal pretendido pelo ministro da Economia. Em entrevista à revista "Veja", em agosto de 2018, Guedes afirmou que havia "cerca de R$ 1 trilhão em ativos a ser privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras".

Para comandar a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia foi escolhido o empresário Salim Mattar. Em janeiro de 2019, ele disse que o governo pretendia manter apenas a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobras.

Quatro meses depois, Guedes afirmou que "daqui a pouco" o governo começaria a privatizar "peixes grandes" e, em agosto, divulgou uma lista com 17 estatais a serem vendidas —sendo que dessas, apenas nove eram novas, as demais já estavam em listas anteriores.

Por enquanto não tem peixe grande, só coisinha pequena aqui, concessões ali. Daqui a pouco vão entrar os grandes, nós vamos começar os grandes também. Está tudo sendo preparado
Paulo Guedes

Realidade

De acordo com balanço divulgado pelo ministério no início deste mês, operações de "desestatização e desinvestimento" geraram R$ 134,9 bilhões, mas nenhuma estatal foi completamente privatizada.

O valor é referente a vendas de partes da Petrobras e da Eletrobras e da venda de ativos do Tesouro e bancos públicos, em geral participações em outras empresas. O total de empresas com alguma participação federal caiu de 698 para 614.

Enquanto nenhuma empresa pública foi totalmente vendida, em setembro de 2019 foi criada a estatal NAV Brasil a partir da cisão de parte da Infraero, com apoio do Ministério da Defesa, apesar da oposição de Salim Mattar.

Com a dificuldade de destravar as privatizações, Salim Mattar deixou o cargo. Na semana anterior, Guedes tinha dito que o governo iria anunciar nos 30 a 60 dias seguintes a privatização de 3 a 4 grandes companhias, sem revelar o nome delas.

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Promessa: R$ 1 trilhão em imóveis

Além das privatizações, Paulo Guedes prometeu uma ampla venda dos imóveis pertencentes à União que, segundo ele, poderiam render R$ 1,1 trilhão aos cofres públicos.

Em fevereiro de 2019, o então secretário de Desestatização, Salim Mattar, afirmou que o governo pretendia vender esses imóveis antes das estatais.

"Vamos fazer um programa cuidadoso de venda de imóveis para não encharcar o mercado, mas estes são os ativos que devemos vender mais rápido, primeiro do que as estatais", disse Mattar.

Em abril deste ano, Guedes voltou a falar na cifra e disse que, somado esse valor com o "trilhão" das privatizações, a dívida pública federal poderia ser reduzida.

Ou seja, temos uma dívida de R$ 4 trilhões e quase R$ 2 trilhões em ativos. Se acelerarmos as privatizações e a venda de imóveis, também podemos reduzir a dívida
Paulo Guedes

Realidade

Alcançar R$ 1 trilhão com a venda de imóveis não deve ser tão fácil assim. Segundo dados do Balanço Geral da União (BGU), o governo tem ao todo R$ 1,3 trilhão em ativos imobiliários, mas a maior parte disso não pode ser vendida.

De acordo com explicação dos técnicos do Tesouro Nacional, os únicos imóveis que em tese poderiam ser vendidos são os chamados "bens dominiais". Eles são os que não estão sendo usados pela própria administração para prestar serviços ou sediar órgãos (como hospitais, quartéis, escolas, ministérios, tribunais), nem são bens de uso comum do povo, como as rodovias federais e as ferrovias, por exemplo.

Os bens dominiais somam R$ 376,1 bilhões na contabilidade da União. Mesmo assim, parte deles é formada por terras públicas não destinadas na Amazônia Legal e outros imóveis destinados à reforma agrária — que, se vendidos, não seriam comercializados pelo valor de mercado.

Segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" publicada em maio, o Ministério da Economia disse que "foram mapeados 3.800 imóveis para alienação, com um potencial de arrecadação de R$ 30 bilhões nos próximos três anos".

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Promessa: reformas

Desde a campanha de 2018, Paulo Guedes defendeu que a agenda de reformas era a melhor maneira de alavancar a economia e gerar empregos.

No primeiro ano, o governo enviou à Câmara o projeto de reforma da Previdência —nos mesmos moldes do texto do governo do ex-presidente Michel Temer que ficou parado no Congresso. As mudanças nas regras de aposentadoria foram aprovadas e começaram a valer em novembro de 2019.

Na sequência, o governo enviou ao Congresso três PECs (Propostas de Emenda Constitucional) sobre a divisão de recursos entre União, estados e municípios, e para casos em que os entes estejam em grave crise nas contas públicas.

Também em novembro do ano passado, Guedes disse que enviaria a reforma tributária "em uma ou duas semanas" ao Congresso, mas a primeira parte dela só seria entregue em 21 de julho deste ano —as outras três partes prometidas ainda não vieram.

Em relação à reforma administrativa, que muda as regras do funcionalismo público, Guedes queria mandar em novembro de 2019, mas ainda não foi apresentada.

Seria excelente para o país se nós conseguíssemos aprovar uma reforma da Previdência e a independência do Banco Central. Seria ótimo. Já entraríamos com a perspectiva de a economia crescer de 3% a 3,5%, e teríamos tempo para trabalhar as reformas estruturantes
Paulo Guedes, em 2018

Realidade

A reforma da Previdência foi comemorada por governistas e agentes do mercado como um grande passo para sanar as contas públicas. Mas, mesmo após sua aprovação, algumas pontas ficaram soltas. A inclusão de servidores de estados e municípios na reforma ficou para a PEC paralela, que passou pelo Senado, mas está travada na Câmara desde o final do ano passado.

Outro ponto polêmico é que os militares, que formam a base de apoio ao presidente Bolsonaro, tiveram mudanças mais brandas em suas regras de Previdência.

As PECs do pacto federativo e Emergencial também empacaram no Congresso, e o governo deve apresentar uma nova proposta para unificá-las.

As outras três partes da reforma tributária, prometidas pelo governo até 15 de agosto, ainda não foram formalizadas, enquanto a proposta de reforma administrativa está pronta desde o ano passado, mas Bolsonaro avisou que não queria que ela fosse apresentada neste ano.

Paulo Uebel, secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, responsável pelo texto da reforma administrativa, deixou o cargo em agosto.

Propostas controversas

Além das promessas grandiosas, Paulo Guedes defendeu ao longo dos 20 meses ideias polêmicas e consideradas de difícil execução por terem muita resistência entre a opinião pública ou agentes do mercado.

Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
  • Nova CPMF

    Desde o início das discussões sobre a reforma tributária, Guedes defendeu mais de uma vez um imposto sobre transações financeiras nos moldes da antiga CPMF, como forma de substituir encargos sobre a folha de pagamentos das empresas. A ideia, porém, tem muita resistência, inclusive entre parlamentares. Em 2019, a nova CPMF levou à queda do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que a defendia. Neste ano, porém, Bolsonaro deu aval para que o ministro da Economia levasse a discussão adiante --e a equipe econômica estuda colocar o novo imposto na reforma.

    Imagem: iStock
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  • Capitalização

    Guedes trabalhou para que a reforma da Previdência incluísse a capitalização -- nela, cada trabalhador poupa para a própria aposentadoria. A ideia nunca decolou, por sofrer grande resistência, e foi retirada do texto na Câmara dos Deputados. Isso gerou atrito do ministro com os parlamentares, após Guedes afirmar que eles estariam abortando a nova Previdência. O ministro, porém, ainda não abandonou a ideia.

    Imagem: Getty Images/iStockphoto
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  • Imposto do pecado

    A equipe econômica estudou, a pedido de Guedes, a criação de um "imposto do pecado" sobre produtos que fazem mal à saúde, como cigarro, bebidas alcoólicas e doces com excesso de açúcar. Em janeiro, Bolsonaro afastou a ideia.

    Imagem: iStock
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  • Taxar livros

    A primeira parte da proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso abre caminho para que livros voltem a ser taxados. A atual isenção, segundo Guedes, beneficia quem pode pagar. Ele disse que, em troca, o valor do Bolsa Família poderia ser maior, ou que o governo poderia criar um programa de doação de livros.

    Imagem: Reprodução
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Falas que viraram memes

Em outros casos, certas ideias ou falas de Guedes acabaram virando piadas na internet —e até mesmo entre parte dos economistas e analistas de mercado.

ADRIANO MACHADO
  • Peso-real

    Durante reunião com empresários argentinos e brasileiros em 2019, Guedes conjecturou sobre a criação de uma moeda única no continente latino-americano: o peso-real. A fala inusitada gerou na época muitas piadas e memes na internet. Um mês depois, o ministro afirmou que a ideia seria para um "horizonte mais distante".

    Imagem: Mauro Pimentel/AFP
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  • "Semana que vem"

    Os sucessivos atrasos para apresentar suas propostas de reformas, principalmente a tributária e a administrativa, geraram piadas e ataques de adversários de Guedes. Após o ministro criticar o Plano Real, o PSDB divulgou uma carta aberta em julho assinada pelo presidente do partido, Bruno Araújo, dizendo que Guedes é o ministro do 'semana que vem nós vamos' e que ainda está devendo no comando da pasta.

    Imagem: Olivier Douliery/AFP
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  • Aniquilar coronavírus

    Em março, no início da pandemia de coronavírus, Paulo Guedes afirmou que "com R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus", e apontando que as reformas seriam a solução ao problema. Pouco depois, o governo criou o auxílio emergencial de R$ 600 como forma de diminuir os impactos da pandemia. Até agora, a previsão é que seja gasto com a medida um total de R$ 254,2 bilhões.

    Imagem: Wallace Martins / Estadão Conteúdo
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Reprodução/TV Câmara

Doméstica na Disney, servidor parasita, tigrão e tchutchuca

Os meses de Guedes no governo até aqui também foram pontuados por frases polêmicas que geraram impacto no mercado, atrito com o Congresso e revolta de diferentes setores da sociedade.

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