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Reinaldo Polito

Em tempos de politicamente correto, frase infeliz pode afundar sua carreira

Getty Images/iStockphoto/Zentangle
Imagem: Getty Images/iStockphoto/Zentangle

27/02/2018 04h00

Estamos cansados de ouvir os mais velhos repetirem: “em boca fechada não entra mosquito”. Essa frase, banalizada pelo excesso de uso, traz, entretanto, ensinamentos profundos para o nosso comportamento na vida social e nas relações profissionais. Em certas circunstâncias, uma frase apenas pode ser suficiente para comprometer toda uma carreira. Vamos analisar como esse fenômeno ocorre.

Marlene Theodoro, em sua obra “A era do eu S.A.”, afirma que há um jogo de sentidos entre o ‘expresso’ e o ‘pressuposto’. E, citando o linguista francês Dominique Maingueneau, esclarece que: “para além do dizer explícito, todo discurso vai ser definido no seu recorte com outros discursos, compartilhando sentidos, valores, e também determinando os contornos de uma identidade própria”.

Ou seja, o sentido não é estabelecido apenas pelo que dizemos, mas sim, e principalmente, por todos os fatores que estão envolvidos e que participaram na formação do interlocutor, como as escolas que frequentou, as pessoas com quem conviveu, a família em que foi criado, os sonhos realizados, as aspirações frustradas, etc.

A teoria da recepção indica também outro fator importante na criação do sentido - o local onde se realiza o processo de comunicação. A mensagem interpretada pode ser uma, por exemplo, no ambiente de trabalho e outra, totalmente distinta, no restaurante do clube.

Por isso, ao falar não basta apenas pensarmos no sentido do que dizemos, mas temos de levar em conta o sentido que pode se realizar depois que a mensagem for recebida e interpretada por nossos interlocutores. Como afirma o pensador russo M. Bakhtin: “O locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva do outro”.

A nossa história está repleta de exemplos de personalidades que, mesmo traquejadas no uso da palavra em público, pronunciaram frases infelizes que as perseguiram e, talvez, as persigam para o resto da vida. Para início, vamos nos lembrar de um fato ocorrido lá nos idos de 1999.

Clóvis Carvalho era Ministro do Desenvolvimento no governo de Fernando Henrique Cardoso. Por criticar indiretamente Pedro Malan, ministro muito ligado a FHC, foi demitido. Disse que “excesso de cautela será outro nome para covardia”. Não teve perdão, perdeu o cargo no governo.

Dez anos antes, em 1989, Maluf pronunciou uma frase que também ficou para a história. Ele realizava palestra na Faculdade de Ciências Médicas da UMFG, em Belo Horizonte. Em determinado momento da sua apresentação disse: “O que fazer com um camarada que estuprou uma moça e matou? Tá bom, tá com vontade sexual, estupra, mas não mata!”

Nunca mais deixaram Maluf em paz por causa dessa frase. É evidente que ele não estava incentivando ninguém a estuprar. Tanto que logo em seguida apareceu no programa eleitoral com a esposa, duas filhas, duas noras e três netas perguntando se alguém poderia acreditar que ele gostaria que as mulheres da sua família fossem estupradas.

Fora de contexto a interpretação pode ser negativa. Dentro do que estamos analisando, a palavra tomada ao pé da letra condenaria quem proferiu a frase, mas essa é uma escolha interpretativa de quem tem o objetivo de criticar, ainda mais considerando que se tratava de uma campanha política.

Outra frase que se tornou emblemática foi a de Marta Suplicy, quando ocupava o cargo de Ministra do Turismo, em 2007. Foi infeliz na tentativa de aliviar um pouco a tensão nos aeroportos brasileiros, por causa dos enormes atrasos e das filas enfrentadas por quem precisava viajar. Disse a ministra: “Relaxa e goza porque você vai esquecer dos transtornos”.

Marta tentava dizer às pessoas que não se incomodassem tanto com esses transtornos passageiros, pois, se não se pressionassem, o problema não seria sentido com tanto peso, e que logo tudo seria resolvido. A frase dela, entretanto, foi tomada também no sentido literal e, até hoje, é obrigada a dar explicações e se defender do que disse.

Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, mas vamos nos lembrar de apenas mais um que também foi marcante. Cinco anos antes do episódio de Marta, em 2002, Ciro Gomes diante da insistência dos jornalistas para saber qual o papel da sua companheira, a atriz Patrícia Pillar, na campanha, aparecendo em programas eleitorais na tv e dando autógrafos ao seu lado, não conseguiu se conter e respondeu com ironia:

“A minha companheira tem um dos papeis mais importantes, que é dormir comigo. Dormir comigo é fundamental." Assim que deu essa resposta percebeu a gafe cometida e tentou minimizar dizendo: “Evidentemente eu estou brincando. Essa minha companheira tem uma longa tradição de manejar assuntos sociais, tem muita inteligência, muita sensibilidade”.

Já era tarde. Diziam os antigos professores de oratória que “a palavra é como a flecha, depois que sai do arco ou atinge o alvo ou se perde”. Como falou sem pensar, nesse caso a palavra não se perdeu, mas como foi sem direção atingiu o alvo errado. Até hoje, passados tantos anos, quase todas as vezes que concede entrevista é obrigado a dar explicações sobre o que disse.

Assim sendo, planeje sempre o que pretende dizer. Se não for possível programar todos os passos de sua apresentação, pense bem antes de proferir cada uma das frases. Além dessa precaução, evite brincadeiras, ironias, mensagens subentendidas quando o momento for desfavorável.

Diante de jornalistas, de pessoas estranhas, de desafetos ou daqueles que tenham posição hierárquica superior não se arrisque. Mantenha o equilíbrio, a conduta exemplar, e seja coerente nas respostas que der e no discurso que fizer.

Sem contar que estamos vivendo momentos excepcionais com essa história do politicamente correto. A cada dia surgem acusações de assédio moral ou sexual, de racismo, homofobia e tantas outras. Ainda bem que as pessoas estão acordando para essa situação. Por outro lado, há também os que querem se aproveitar do momento.

Não será difícil encontrar pessoas que querem se valer dessa “onda” para prejudicar aqueles por quem não nutrem simpatia. Fingem não entender o sentido verdadeiro da frase, pegam a palavra ao pé da letra e o colocam em situação desconfortável. Todo cuidado é pouco. Especialmente na vida corporativa.

Superdicas da semana:

  • Prepare sempre muito bem a mensagem que pretende transmitir
  • Se não for preciso se preparar tão bem, redobre o cuidado ao proferir cada uma das frases
  • Tenha ainda mais cuidado ao falar com jornalistas, pessoas estranhas, desafetos e superiores hierárquicos
  • Nessas situações evite usar ironias finas e mensagens subentendidas

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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