IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

PEC dos Precatórios piora para quem tem direito, mas paga mais a investidor

Mudança nos precatórios reduz valor para quem vende seus direitos, mas melhora para investidores - iStock
Mudança nos precatórios reduz valor para quem vende seus direitos, mas melhora para investidores Imagem: iStock

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

11/11/2021 04h00

A aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios na Câmara dos Deputados em segundo turno aumentou a instabilidade no mercado de investimentos que especula com esses papéis. Fica pior para quem vende, mas cria oportunidades para investidores que compram. Os precatórios são dívidas que a Justiça mandou o governo pagar. A PEC aprovada adia e parcela o pagamento dessas dívidas.

Quem quer receber logo esse dinheiro pode vender os precatórios para terceiros. Esses compradores de precatórios pagam um valor a menos pelo adiantamento e lucram com isso. Com a aprovação da PEC e a demora maior para receber o dinheiro, profissionais do mercado dizem que quem quiser vender receberá menos. O investidor que está adiantando o pagamento ganha mais porque correrá mais risco.

Para valer mesmo, a nova regra ainda precisa passar pelo Senado. Mesmo assim, o fato de a Câmara ter aprovado, já afeta o mercado de precatórios, com cautela nos negócios e aumento dos descontos pedidos por quem se propõe a adquirir as operações.

O que são precatórios

Precatórios são pagamentos que a Justiça manda o Poder Público (União, estados ou municípios) fazer. Quando uma pessoa ou empresa entra na Justiça para cobrar um pagamento do governo por algum motivo (desapropriação de imóvel, pagamento de benefícios etc), e o governo perde em todas as instâncias e não pode mais recorrer, essas débitos viram um título que obriga o governo a pagar a quem deve.

O problema é que esse processo todo pode levar anos, mesmo depois que a Justiça define a ação em última instância. É aí que entram empresas que transformam os precatórios em uma forma de investimento.

Como precatório vira investimento

Escritórios de advocacia e plataformas de investimento online têm sistemas de busca para encontrar pessoas e empresas com precatórios a receber. Essas firmas fazem uma análise para saber se esses precatórios estão livres de outros compromissos -se, por exemplo, o título não está servindo de garantia à outra dívida, ou se existe disputa familiar pelo direito.

Feita a checagem, essas firmas então se oferecem para comprar os precatórios do dono original, adiantando o pagamento, mas exigindo um desconto para compensar esse adiantamento -o chamado deságio.

Na sequência, essas plataformas colocam os precatórios para revender a investidores. Quando o precatório é finalmente pago pelo governo, a diferença entre o desconto pago ao dono original e o valor cheio recebido representa o lucro do investidor e da firma que intermediou a operação.

Na última segunda-feira (8), por exemplo, a Hurst Capital, uma das plataformas que distribuem investimentos ligados a precatórios, pagou um rendimento médio de 16% a 370 investidores que tinham adquirido um precatório vendido em setembro e dezembro de 2019, em um pagamento que somou R$ 9,7 milhões.

O que muda com a PEC dos precatórios

A PEC com novas regras propõe que precatórios de valor superior a R$ 66 milhões (1.000 vezes o pagamento considerado como de pequeno valor, para efeitos judiciais) poderão ser pagos em dez parcelas, com 15% à vista e o restante, em parcelas anuais.

E mesmo para os precatórios de valor inferior a R$ 66 milhões a PEC deixa uma margem de incerteza. É que outros pagamentos menores também poderão ser parcelados se a soma total deles for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União em um ano.

Nesse caso, o critério será pelo parcelamento dos precatórios de maior valor.

Impacto no mercado

Arthur Farache, executivo chefe (CEO) da Hurst, que já originou mais de R$ 600 milhões para mais de 3.000 investidores em negócios desse tipo, disse que mudanças nas regras dos precatórios deve reduzir o volume de negócios, elevar a volatilidade dos preços e aumentar os deságios.

Para compensar a incerteza sobre a data de pagamento ou o aumento do prazo para recebimento do dinheiro final, a empresa precisa pedir um desconto maior ao dono original do direito.

Em outras palavras, se alguém dono de um precatório quiser passar o direito adiante terá que aceitar um deságio maior para fechar negócio. A porcentagem de desconto varia muito conforme o precatório porque depende das condições em que o título foi emitido, de qual governo é o devedor (federal, estadual ou municipal) e da posição na fila que aquele papel ocupa.

Mas, como exemplo, um precatório que estava sendo negociado com deságio de 20% antes da proposta de nova regra, hoje esse mesmo título pode exigir um desconto de 30% a 40%.

Na outra ponta, quem adquirir o precatório pode então ter a oportunidade de obter um rendimento maior -pois quanto maior a diferença entre o preço cheio e o desconto concedido, maior o ganho de quem ficou com o direito final.

Mas isso tem um custo, que é o da incerteza sobre o prazo do recebimento. E chegar a um termo que atenda aos dois lados se torna mais difícil com a possibilidade cada vez mais próxima de mudanças nas regras do jogo, dizem profissionais desse mercado.

Segundo Farache, as mudanças já alteram as margens dos negócios. Ele diz que é preciso rever condições de preços e taxas para agradar tanto ao dono original do precatório quanto ao investidor.

Mercado de R$ 200 bi cresce 20% ao ano

Farache destaca entretanto, que esse mercado seguiu gerando negócios e crescendo 20% ao ano mesmo após o momento inicial em que o governo apresentou o plano de mudar as regras, em agosto do ano passado.

As estimativas dele são de que existam hoje cerca de R$ 200 bilhões em indenizações devidas apenas pela União tramitando na Justiça hoje em dia.

Como os prazos que os credores do governo precisam esperar são longos, sempre vai existir um mercado por liquidez [dinheiro na hora], ainda que isso implique um deságio maior por causa das mudanças nas regras.
Arthur Farache, CEO da Hurst

Este material não é um relatório de análise, recomendação de investimento ou oferta de valor mobiliário. Este conteúdo é de responsabilidade do corpo jornalístico do UOL Economia, que possui liberdade editorial. Quaisquer opiniões de especialistas credenciados eventualmente utilizadas como amparo à matéria refletem exclusivamente as opiniões pessoais desses especialistas e foram elaboradas de forma independente do Universo Online S.A.. Este material tem objetivo informativo e não tem a finalidade de assegurar a existência de garantia de resultados futuros ou a isenção de riscos. Os produtos de investimentos mencionados podem não ser adequados para todos os perfis de investidores, sendo importante o preenchimento do questionário de suitability para identificação de produtos adequados ao seu perfil, bem como a consulta de especialistas de confiança antes de qualquer investimento. Rentabilidade passada não representa garantia de rentabilidade futura e não está isenta de tributação. A rentabilidade de produtos financeiros pode apresentar variações e seu preço pode aumentar ou diminuir, a depender de condições de mercado, podendo resultar em perdas. O Universo Online S.A. se exime de toda e qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos que venham a decorrer da utilização deste material.