Só quem tem ou teve animais e se apaixonou por eles vai me compreender...
Há oito anos, escrevi um texto contando como aprendi a afastar uma ideia preconceituosa. Contei a história de um gato que entrou na minha vida e conquistou meu coração. Vou reproduzir o texto e contar o que ocorreu na sequência. Vamos a ele.
Nunca fui muito chegado em gatos. Sempre achei meio bobinhas as pessoas que se derretiam falando de seus bichanos. Pensava: que graça esse povo vê nesses felinos que não gostam muito de gente, ficam na deles, são barulhentos e vivem fazendo xixi nas cortinas para marcar território?
Minha mulher, entretanto, queria porque queria um gato. Fechei questão: gato em casa não entra. Só não disse que se entrasse um eu sairia, porque não sou de ameaçar. Mas, que deu vontade, deu.
Não fui firme o suficiente e sucumbi. Não só consenti que ela tivesse um gato, como ajudei a escolher, comprei e dei de presente. Aprendi cedo que, diante da derrota inevitável, devemos garantir o futuro.
Billy é o seu nome. Um gato persa cor de mel, muito parecido com o Garfield. Desde os primeiros dias deu muito trabalho. Fazia cocô e xixi no canto que julgasse mais conveniente. Até a cadeira do meu escritório foi premiada. Pegou todos os tipos de doença que um gato pode pegar. Levou meses para sarar. Não sei se também por isso, ou se apesar disso, me apaixonei pelo Billy.
Agora ele está lindo. Faz suas necessidades na caixinha sanitária, sempre no mesmo lugar. Quando chego em casa, à noite, depois que termino de dar minhas aulas, ele está plantado na porta me esperando e me recepciona roçando o rabo nas minhas pernas.
Depois que tiro o terno e vou escrever meus textos no computador, ele pula em cima da escrivaninha e se ajeita entre o teclado e o monitor. Faz isso todos os dias. No dia seguinte, às 6 horas da manhã, sobe na cama, pula no meu peito, e sapateia na minha cabeça até eu acordar. É o meu despertador.
Pois é, o Billy me deu uma bela lição. Quantas vezes temos rejeições porque as experiências que possuímos são insuficientes. Prejulgar é muito perigoso, pois, além de corrermos o risco de cometer injustiças, podemos fechar portas importantes, que nos mostrariam bons caminhos para sermos felizes.
Falando em ser feliz, já são onze e meia da noite e o Billy está se aninhando no teclado do computado...r. Desculpe, é que a patinha dele estava bem em cima da letra "R"."
O tempo passou...
Esse foi o texto que publiquei. Agora vem a sequência. Algumas informações se repetem, para que sejam compreendidas no novo contexto.
Pois bem, o tempo passou e as coisas continuaram mais ou menos do mesmo jeito. A única mudança foi que, pela manhã, Billy deixou de pular no meu peito e passou a acordar minha mulher, que ficou muito feliz em ter a atenção dele dividida comigo e com ela. No ano passado, uma tristeza se abateu sobre nós.
Resolvi passar para o texto o que estava sentindo. Escrevi só para mim. Pensei mesmo em nunca revelar aquelas palavras que saíam lá do fundo do coração. Provavelmente, ninguém entenderia aquele meu sentimento. Aqui está o texto que ficou guardado por cerca de um ano.
Hoje acordei triste. Billy, nosso gatinho está acabrunhado, sem forças, isolado no seu cantinho. Nem sombra daquele companheiro que ficava me olhando com 'meia cara'. Deixava metade da cara escondida atrás da porta e olhava com a outra metade. Quando nossos olhares se cruzavam, saía correndo para brincar de esconde-esconde.
Às vezes, era difícil encontrá-lo, pois sempre descobria novos esconderijos para nossa brincadeira. Em outras oportunidades, eu fingia não o ter visto. Ao perceber que eu estava desistindo, dava um miado para eu saber que ele continuava nas imediações.
Na época em que estava bem, o que mais gostava era ir comigo na varanda do apartamento. Eu me sentava e ele ficava passando no meio das minhas pernas de um lado para outro. O episódio da varanda sempre terminava com ele se deitando para eu fazer um cafuné. Em seguida, eu me levantava e ele acompanhava até a cozinha, para eu dar um pouco de comida.
Quando eu chegava à noite, lá pelas onze, ele estava perto da porta me esperando. Sempre me acompanhava e não via a hora de eu ir para o computador para se deitar ao meu lado, em cima do teclado. E lá ficava até de madrugada, no momento de eu ir para a cama. Às vezes, me acompanhava e pulava na cama também.
Em outras oportunidades, se acomodava em um de seus cantos preferidos –que sempre foram muitos. A escolha do canto dependia da temperatura e da sua vontade.
Pela manhã, acordava minha mulher. Um reloginho. Cinco horas em ponto ele subia nas suas costas. Um pouco mais cedo do que fazia comigo. Se ela não acordasse, Billy dava um ou dois miados fortes, até que ela o levasse até a cozinha para dar comida fresca. Ela nunca se incomodou, nunca reclamou. Pelo contrário, sentia prazer nesse contato com o gatinho logo pela manhã.
Vez ou outra Billy também me chamava para abrir a porta da área de serviço. Gostava de sair um pouco e olhar a porta do apartamento do vizinho. Depois de um tempo, caminhava até a porta corta-fogo para bisbilhotar no elevador de serviço. Nada que levasse mais que cinco ou dez minutos. Satisfeito, voltava comigo para o apartamento.
Sempre companheiro, amável, bonzinho. Como estamos tristes em vê-lo assim quietinho, com jeito de adoentado. E está mesmo doente. Com problema no fígado, estamos dando todos os medicamentos recomendados. Mas ele não tem reagido muito. Quando pensamos que melhorou um pouquinho, ele volta a se isolar no canto. Essa sensação de impotência, sem saber o que fazer, é frustrante.
Quando ele piora, começa a miar. Um miado rouco, de desespero, pedindo ajuda. Uma ajuda que não sabemos como dar. Além de levar ao veterinário, fazer exames, dar soro e voltar para casa com mais remédios, nada pode ser feito. Em certos momentos mal consegue se sustentar sobre as pernas de trás. Precisamos até dar comida na boca para ver se fortalece um pouco.
Billy é uma espécie de membro da família. Todos que ligam em casa nunca deixam de perguntar por ele. Conquistou uma legião de amigos e admiradores ao longo desses oito anos.
Estou escrevendo porque não sei o que fazer agora. Vou lá pegá-lo um pouco no colo, mas não sei se é isso mesmo que ele quer. Tenho receio de incomodá-lo. Puxa, como seria bom se ele conseguisse se recuperar. Os olhos, mesmo tristes continuam os de sempre, lindos."
Esse foi o texto que ficou “na gaveta” durante um ano. Só agora o recuperei para contar o final da história. Escrevi o seguinte:
Até aqui, escrevi em março de 2016. De lá para cá melhorou bastante. Até voltou a brincar. De vez em quando dava uma piorada, mas por pouco tempo. Em seguida, se recuperava. Não era mais o mesmo Billy de sempre, mas estava melhorzinho. Tinha altos e baixos, com idas frequentes ao veterinário. Às vezes, deixava de comer e precisava tomar soro. E assim foi levando. O veterinário disse que ele não ficaria bom de vez. Iria levando assim.
Agora, no começo do ano, viajamos de férias. Sabíamos que ele não estava muito bom. Fomos tranquilos, porque minha mãe e meu filho estavam de olho nele. Dois dias antes de voltarmos, no dia 20 de janeiro, quando estávamos num restaurante, recebemos um telefonema do meu filho. Ficamos sobressaltados –será que é algo com o Billy?
Meu filho estava chorando. Já havia duas semanas o gatinho estava internado e não tinha mais como se recuperar. Queria saber se insistia mais um pouco até chegarmos, ou autorizava sacrificá-lo. Seria muito egoísmo da nossa parte segurar o bichinho naquele sofrimento. Ele se foi.
Que vazio, que tristeza na nossa volta. Que falta ele nos faz. Como dói essa saudade. O Billy nos deu tanta alegria e foi tão amado.
Escrevo agora com lágrimas. Parece que o estou vendo ali, na minha frente, esperando para irmos até a varanda. Tchau, Billy. Você foi um presente que a vida nos deu.
Se você gosta de animais, sabe exatamente que tipo de sentimento é esse.
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