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Reinaldo Polito

Esses padres antigos fizeram textos clássicos que podem ajudar sua carreira

Obras do Padre Vieira, do Padre Manuel Bernardes e de Monte Alverne - Reinaldo Polito
Obras do Padre Vieira, do Padre Manuel Bernardes e de Monte Alverne Imagem: Reinaldo Polito

22/08/2017 04h00

Os exemplos dos grandes oradores da história podem ser encontrados na Igreja, no direito, na política e, embora em quantidade bastante reduzida, também no magistério. Entre todas as atividades, vale destacar, foi a Igreja quem os produziu em maior abundância.

Nos meus estudos da oratória, me dediquei especialmente à pesquisa e à análise da comunicação dos advogados e dos religiosos, o que me permitiu escrever os livros “Oratória para advogados e estudantes de direito” e “Oratória para líderes religiosos”, este em coautoria com a minha filha Rachel Polito.

Quando se fala na história dos grandes pregadores católicos da língua portuguesa, dois contemporâneos do século XVII se destacam: Padre Vieira e Padre Manuel Bernardes. Ambos nasceram em Portugal, sendo que Vieira, ainda menino, veio para o Brasil, enquanto que Bernardes lá permaneceu.

Com estilos diferentes os dois foram oradores excepcionais. Vieira ministrou essa que talvez tenha sido a mais extraordinária aula de oratória de que se tem notícia, o “Sermão da Sexagésima”. Nessa pregação que fez aos padres em 1655 na Capela Real, revelou os aspectos mais relevantes sobre o orador, a mensagem e o público.

Segundo alguns estudiosos, como Mário Gonçalves Viana, por exemplo, Manuel Bernardes foi orador tão competente quanto Vieira. A diferença reside apenas no estilo. Enquanto Vieira ousou com seus voos oratórios, que encantaram as multidões pela forma eloquente de se comunicar, Bernardes teve ação mais reflexiva, que também sempre seduziu todas as gerações.

No último dia 9 foram comemorados os 233 anos de nascimento de um pregador de quem pouco se fala, mas que foi tão bom orador quanto Vieira e Bernardes: Frei Francisco do Monte Alverne. Nasceu no Brasil e viveu de 1784 até 1858. Tenho tanta admiração pela história da sua vida que o escolhi como patrono da minha cadeira na Academia Araraquarense de Letras.

Monte Alverne, pregador imperial

A vida desse pregador franciscano é não só fascinante como muito inspiradora. Em 1816 Monte Alverne ocupou o posto de Pregador Real. Depois de pregar com rara competência durante 20 anos, em 1836 ficou cego e se afastou do púlpito, recolhendo-se ao silêncio da sua cela. Não suportava a ideia de pregar sem poder enxergar os frequentadores da igreja.

Permaneceu assim isolado e afastado de todos por 18 anos, até que d. Pedro II o convidou para pregar em uma importante cerimônia. O velho padre não pode recusar a um convite feito pelo imperador. Em 1854, a notícia de que Monte Alverne, que se afastara do púlpito por causa da cegueira, retornaria ao púlpito carregou uma multidão saudosa para ouvi-lo.

Já no início do seu sermão o pregador levou os ouvintes às lágrimas. Roberto Belarmino Lopes, na obra “Monte Alverne, pregador imperial”, descreve como foi que Lúcio de Mendonça, que fora levado à igreja por Joaquim Manuel de Macedo, assistiu à cena:

“O seu exórdio arrancou lágrimas à maioria da audiência e pelo corpo correram-me calafrios ao ouvir-lhe as palavras cheias de saudade com que recordava as suas glórias passadas [...]. Com sua voz sonora e plangente, como um dobre de sino distante, aquelas duas palavras – ‘É tarde!’ – soaram como um lamento de uma consciência pura diante do destino inevitável.”

Vale a pena conhecer ou rever o início da sua pregação, um dos momentos mais eloquentes e emocionantes da oratória em todos os tempos. Lembrando que o orador estava cego e afastado do púlpito por 18 anos:

“Não, não poderei terminar o quadro, que acabei de bosquejar: compelido por uma força irresistível a encetar de novo a carreira que percorri 26 anos, quando a imaginação está extinta, quando a robustez da inteligência está enfraquecida por tantos esforços; quando não vejo as galas do santuário, e eu mesmo pareço estranho àqueles que me escutam, como desempenhar esse passado tão fértil de reminiscências?

Como produzir esses transportes, esse enlevo com que realcei as festas da religião e da pátria? É tarde! É muito tarde! Seria impossível reconhecer um carro de triunfo neste púlpito que há 18 anos é para mim um pensamento sinistro, uma recordação aflitiva, um fantasma infenso e importuno, a pira em que arderam meus olhos, e cujos degraus desci só e silencioso para esconder-me no retiro do claustro”.

Impossível não se comover diante dessas palavras que saíram das mais profundas entranhas do orador. São momentos como esse que creditaram a Monte Alverne a reputação de um dos mais brilhantes oradores sacros de todos os tempos. E para mostrar ainda sua excepcional capacidade oratória, vamos recordar outro de seus discursos que marcaram época.

No dia 10 de dezembro de 1848, Monte Alverne pronunciou de improviso um discurso na Associação Ensaio Filosófico, para agradecer a distinção que recebeu dela como sendo o mais genuíno representante da filosofia do Brasil. O início do seu discurso é exemplar:

“Senhores, não é possível sufocar as emoções violentas que agitam minha alma; é mister dar uma passagem a esta chama, que se acende em meu peito!... Houve um tempo em que pude gloriar-me de triunfos obtidos por força da razão e da palavra; sabeis que essas armas não foram inúteis entre minhas mãos, que tiveram brilho: elas descansaram alfim, mas não quebradas...

Estou fraco e abatido... a posição em que estou é tão extraordinária para mim, que talvez não compreendais!... Se soubesse que era arrancado das bordas do meu sepulcro, do seio do meu retiro para receber das mãos da mocidade uma coroa de louro, honra cívica, que permeia meus serviços, pisados pela ignorância, esquecidos pela estupidez e mal pagos pela mais fria indiferença, ainda assim talvez não tivesse coragem de apresentar-me para recebê-la!

Eu sei que ela tem grande peso, que tem brilho muito acima de todos os meus merecimentos, e que meus trabalhos não correspondem a esta auréola, que recebo no fim da minha vida. Parece-me que sou uma vítima enfeitada para a hora do sacrifício!”

Destaquei Francisco do Monte Alverne por estarmos comemorando neste mês de agosto a data do seu nascimento, mas outros oradores que marcaram com sua incomparável capacidade de comunicação poderão servir como exemplo para que possamos a cada dia e sempre aprimorarmos nossa capacidade oratória.

No livro “Oratória para líderes religiosos”, eu e a Rachel deixamos claro que um dos melhores meios para desenvolver a capacidade de comunicação é o estudo dos exemplos desses grandes oradores, sejam eles religiosos, advogados, políticos ou professores. Leve para sua atividade esses ensinamentos. Com certeza sua carreira terá um rumo ainda mais promissor.

Superdicas da semana

  • Leia os discursos proferidos pelos grandes oradores sacros
  • Estude os discursos elaborados por bons advogados, políticos e professores
  • Entenda em que época e diante de que plateia esses discursos foram ministrados
  • Adapte os ensinamentos desses discursos à época em que vivemos e à sua atividade

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta; "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", “Superdicas para falar bem” e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.

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