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Reinaldo Polito

Quer falar bem em público? Aprenda com as apresentações de Steve Jobs

Steve Jobs, fundador da Apple, durante apresentação em 2011 - Beck Diefenbach/Reuters
Steve Jobs, fundador da Apple, durante apresentação em 2011 Imagem: Beck Diefenbach/Reuters

24/10/2017 04h00

Neste mês de outubro faz seis anos que Steve Jobs morreu. Não resistiu a um câncer pancreático e nos deixou muito jovem, com apenas 56 anos. Os milhões de fãs em todo o mundo ficaram inconsoláveis, pois viam na genialidade de Jobs a oportunidade de realizar seus sonhos tecnológicos.

Se, por um lado, o fundador da Apple era visto como genial, criativo e modelo de empreendedor, por outro chegou a receber críticas por causa do seu temperamento forte e, às vezes, até truculento com os pares e subordinados. Seu estilo perfeccionista não admitia falha dos colaboradores e exigia que todos o acompanhassem na busca obstinada de resultados.

Os biógrafos não tiveram muita dificuldade para encontrar informações instigantes a seu respeito. Doado muito cedo, não foi criado pelos pais. Irreverente, frequentou a universidade por apenas seis meses. Usuário de drogas durante uma época da vida. Tinha o hábito de andar descalço. E não era muito chegado a um banho.

Conhecido por tomar poucos banhos

Sobre essa questão de não tomar banho, as informações são de que lavava a cabeça uma vez por mês e, no período em que esteve na universidade, passava uma semana sem se relacionar com o chuveiro. Mesmo depois, já atuando na vida corporativa, alguns disseram que ele cheirava tão mal que seus colegas mudavam de sala para não ficar na sua presença.

Ou seja, Steve Jobs não podia ser considerado uma flor que se cheirasse, literalmente, pela falta de higiene, e pelo comportamento no trato com os profissionais com quem se relacionava. Podemos dizer que talvez haja um pouco de exagero nessas histórias que se contam a seu respeito. Jobs conquistou aliados e desafetos. Em alguns casos tanto um quanto outro simultaneamente.

Seu maior concorrente, Bill Gates, foi também um importante aliado em diversos momentos na vida da Apple e da Microsoft. Mais uma pimenta nesse tempero que alimentou o apetite daqueles que escreveram sobre a sua vida. Pouco antes da sua morte, era Gates quem estava ao seu lado prestando homenagem e reverenciando o adversário e grande parceiro de décadas.

Parecia espontâneo, mas era tudo minuciosamente planejado

Esses detalhes ligados à sua capacidade inventiva, trajetória empreendedora e exemplo de superação são bastante conhecidos pelos livros que se publicaram a seu respeito, pelas inúmeras matérias em jornais e revistas e pelos documentários pormenorizados veiculados pelo rádio, televisão, cinema e, especialmente, pela internet.

O que nos interessa particularmente ao falar de Steve Jobs, entretanto, é comentar sobre sua excepcional capacidade de comunicação. Se analisarmos com olhos periféricos, talvez nos enganemos. Sua simplicidade no vestir, com a tradicional e lendária camisa preta, e na forma de se expressar poderia nos levar a conclusões equivocadas. Afinal, imaginariam alguns, não havia eloquência em suas apresentações.

Aí é que está a genialidade do orador. Nem todos se apercebem que era exatamente esse comportamento que produzia resultados que ficaram para a história como dos mais eficientes de todos os tempos. Tudo, rigorosamente tudo, era minuciosamente planejado em suas apresentações.

Até a naturalidade era interpretada

Aquele jeito descontraído de caminhar no palco, como se estivesse procurando a palavra certa ou a melhor frase para fechar a ideia, era programado para dar mesmo o ar de espontaneidade. Podemos afirmar que até a naturalidade do orador era interpretada. Só que essa interpretação era tão planejada e tão perfeitamente executada que ninguém poderia supor que havia sido ensaiada.

O público praticamente nem chegava a perceber que nada era por acaso. O desempenho era tão perfeito que a plateia não notava que os slides projetados apareciam no mesmo instante em que Jobs passava a informação. Talvez imaginassem que, assim como as palavras, os slides também surgiam espontaneamente. Há vários exemplos dessa sua habilidade oratória.

Famoso discurso de formandos em Stanford

Um dos vídeos mais acessados na internet em todo o mundo é o discurso que Steve Jobs fez como paraninfo dos formandos de Stanford em 2005. Desde o princípio até o final, prendeu a atenção da plateia com informações contundentes, bem-humoradas e emocionais. Contou parte da sua vida de superações, de forma debochada e com ironia deu umas cutucadas em Bill Gates e não escondeu que estava sendo paraninfo sem ter ao menos concluído um curso superior.

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A simplicidade de Jobs nas memoráveis apresentações anuais para revelar suas revolucionárias invenções não se resumia apenas em sua maneira de se expressar, mas também nos visuais. As telas eram exemplares pelos espaços vazios, sem excesso, sem poluição. Os slides e vídeos projetados permitiam rápida interação com os ouvintes.

Essa busca da simplicidade e da concisão era uma surpresa agradável para os ouvintes, mesmo para aqueles já acostumados com seu estilo. Se pensarmos bem, era de se esperar que alguém mergulhado na tecnologia usaria como apoio visuais mais “espetaculares”.

Lição de Jobs: visuais servem para apoiar apresentações

Essa aula de Jobs deve ser seguida por todos aqueles que desejam impressionar com suas exposições: os visuais devem servir para apoiar, nunca se transformar na peça mais importante da apresentação. O visual precisa destacar as informações mais relevantes, facilitar o acompanhamento do raciocínio por parte dos ouvintes e permitir que a mensagem seja retida pelo público por tempo mais prolongado.

Se esses objetivos não forem atendidos, é preciso avaliar o que está atrapalhando nos slides e que informações precisariam ser acrescentadas. As mensagens projetadas por Jobs eram na medida certa, sem excesso nem falta. As frases, as cores, as ilustrações, as transições, tudo rigorosamente no tamanho exato.

Embora usasse com perfeição os visuais, seu desempenho era ainda mais impressionante. Desde o momento em que chegava ao palco até a hora de se despedir, ele não tirava os olhos da plateia, exceto nos instantes em que dava a impressão de procurar uma ou outra palavra. Por maior e mais amplo que fosse o ambiente, cada ouvinte tinha a sensação de que o orador olhava diretamente na sua direção. Esse contato visual ajudava a prender a atenção do auditório.

Vale a pena recordar quais são os objetivos de um bom contato visual: permite que o orador faça a leitura necessária da reação dos ouvintes; valoriza a presença das pessoas, que pelo olhar se sentem incluídas, prestigiadas no ambiente; quebra a rigidez de quem está no palco se apresentando, já que precisa girar o tronco e cabeça de um lado para o outro do auditório.

Gesticulação e pausas para atrair o público

Se observarmos bem, vamos constatar que Jobs gesticulava o tempo todo, mas em nenhum momento apresentava excesso de gesticulação. Os gestos acompanhavam perfeitamente o ritmo e a cadência da fala, sem retornar de forma precipitada à posição de apoio, aguardando com calma, paciência e tranquilidade até que a ideia fosse completada. O semblante era arejado, expressivo, pronto para reagir com simpatia às manifestações dos ouvintes.

A cada informação importante Jobs tinha o cuidado de fazer pausas significativas para valorizar a mensagem transmitida e ainda criar expectativa sobre o que iria dizer. Sem contar que essas pausas chegavam, em determinados instantes, a comunicar mais que as palavras, pois demonstravam domínio, controle e poder sobre a matéria abordada.

O fundador da Apple parece ter estudado a fundo os conceitos da retórica de Aristóteles. Em todas as apresentações Jobs tinha a preocupação de instruir os ouvintes sobre os pontos mais relevantes de um problema para que a solução, objetivo da mensagem, pudesse ser compreendida com facilidade pelo público.

A plateia entrava em êxtase quando, após tomar conhecimento dos problemas levantados pelo orador, era informada da solução dada pelos novos equipamentos idealizados por Jobs. Ele sabia como ninguém estabelecer essa espécie de cumplicidade com o público.

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Não tinha grande voz, mas não era monótono ao falar

A voz não tinha assim um timbre marcante nem sonoridade melodiosa, mas era explorada com tamanha competência que seduzia os ouvintes. Não havia monotonia na fala. Alternava com frequência o volume da voz e a velocidade da fala e imprimia um ritmo agradável e envolvente.

Se quiséssemos, poderíamos até encontrar falhas e defeitos em comunicação. Todos nós as temos. Nenhum orador é perfeito. O que vale, entretanto, é o resultado de suas apresentações: sempre bem-sucedidas. Os ouvintes chegavam dispostos a gostar do que iriam ver e saiam felizes por tudo o que ouviam.

Aí está um exemplo de comunicação para ser observado, estudado e aprendido. Tenho certeza de que todos nós, independentemente da opinião que possamos ter sobre Steve Jobs, podemos encontrar em suas apresentações pontos importantes para o aperfeiçoamento na arte de falar em público.

Superdicas da semana:

  • Um visual deve servir como apoio, e não ser a parte mais importante na apresentação
  • Até a naturalidade pode ser ensaiada e interpretada
  • Antes de dar a solução instrua, os ouvintes sobre o problema
  • Às vezes falamos mais com as pausas que com as palavras

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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