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Reinaldo Polito

Guedes deixou arrogância e agora tenta aprovar reformas na base da conversa

19/02/2019 04h00

"Todo o grande poder é perigoso para um debutante". (Epiteto)
 
Alguns homens públicos precisam passar por um processo de adaptação quando vêm da iniciativa privada. Demorou um pouco, por exemplo, para que João Doria, ao assumir a prefeitura de São Paulo, percebesse que não dava para sair dando ordem e mandando fazer. Depois de algum tempo no exercício do cargo, descobriu que o homem público deve aprender a arte de conversar e negociar. 

Um de seus antecessores também aprendeu a duras penas que na gestão pública é preciso ter jeito no trato com as pessoas. Gilberto Kassab, um político reconhecidamente habilidoso, pouco depois de assumir a prefeitura protagonizou um episódio bastante desagradável. O fato ocorreu quando estava em um evento para inaugurar uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial), na zona norte da capital paulista.

Tudo transcorria normalmente quando um homem passou a protestar contra a Lei Cidade Limpa, que proibia o uso de publicidade externa. Kassab, ainda em início de mandato, teve uma atitude destemperada e expulsou aquele que o criticava: "Sai daqui. Estamos em um hospital, respeite os doentes. Vagabundo". Esse incidente, com repercussão negativa na imprensa, foi suficiente para que Kassab aprendesse a lição, pois nunca mais agiu daquela forma raivosa.

O poder é inebriante. Especialmente no início, quando as pessoas ainda estão experimentando a importância do cargo, o ego fica inflado, e não admitem ser contrariadas. Reagem emocionalmente, muitas vezes com forte dose de ironia ou deboche, a quem "ouse" contrariá-las. O comportamento vai desde respostas intempestivas até o silêncio, que demonstra desconsideração. 

Não é por outro motivo que na antiga Roma, quando os generais regressavam vitoriosos das batalhas e eram recebidos como grandes heróis, precisavam ser avisados que eram humanos. A população os aclamava. Entravam na cidade sem a presença dos soldados. Eram acompanhados apenas por dois escravos. Um deles conduzia a biga, o outro permanecia agachado ao seu lado e tinha uma função específica - a cada 500 metros ele se levantava e dizia próximo ao ouvido do general: "Lembra-te que és mortal!"

O ministro Paulo Guedes

Quem teve de passar por esse momento de transformação muito rapidamente foi Paulo Guedes. Imagino que sem ninguém para alertá-lo de que continua sendo um mortal. Ele estava, provavelmente, acostumado a mandar e a ser obedecido nos cargos que ocupou na iniciativa privada. Esse hábito somado ao poder extraordinário que lhe foi conferido com o cargo de superministro da Economia fez com que não resistisse à pressão dos primeiros tempos na função.

Jair Bolsonaro foi eleito no domingo, dia 28 de outubro. Apenas um dia após a eleição, na segunda, dia 29, em uma de suas primeiras entrevistas, Paulo Guedes foi grosseiro com uma jornalista argentina que havia feito uma pergunta bastante simples: "Como será a relação com o Mercosul?". Não teria custado nada a ele adotar uma atitude mais ou menos diplomática. Poderia dizer, por exemplo, que era um assunto que estava sendo estudado, ou que era um tema que exigia uma análise mais aprofundada. 

Não estaria mentindo se desse qualquer uma dessas respostas, pois o tema, por mais que possa desagradar ao novo governo, não tem nada de irrelevante. Sua reação, entretanto, foi agressiva e destemperada: "Mercosul não é prioridade. Não é prioridade. Certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você está vendo que tem um estilo que combina com o do presidente. Porque a gente fala a verdade. A gente não tá preocupado em te agradar". E falou com o dedo em riste, com o semblante transtornado, quase fora de si.

Poucos dias foram suficientes para uma mudança de atitude

Na terça-feira, dia 5 deste mês, durante a entrevista que concedeu na Câmara dos Deputados, junto com o presidente da casa, Rodrigo Maia, Paulo Guedes já era outro. Respondeu às perguntas com voz suave e fisionomia tranquila. As frases eram jeitosas e simpáticas. Nem de longe lembrava o ministro grosseiro que havia agredido a jornalista argentina. Essa transformação está amparada em dois motivos importantes.

O primeiro se assenta no fato de haver transcorrido alguns meses desde a sua indicação oficial para o cargo. Os ares rarefeitos do alto do poder começam a se dissipar. Esse tempo parece ter sido suficiente para que esquentasse a cadeira de ministro e passasse a agir com mais conforto. Muito poder acaba, às vezes, provocando insegurança no ocupante do cargo. Nessas situações, por não se sentir muito confiante, não é raro a pessoa ter reações destemperadas.

O segundo, e mais importante, se apoia na necessidade de convencer os deputados, os senadores, a imprensa e a população em geral sobre a importância de aprovar a Reforma da Previdência. Segundo alguns especialistas, se a reforma não passar, o governo Bolsonaro poderá até fracassar já nos primeiros meses de sua gestão. Especialmente Paulo Guedes, que depende dessa reforma como o ar que respira para alavancar a economia do país.

A cada frase, o ministro procurou explicar com paciência e riqueza de detalhes quais são os problemas existentes e os benefícios que advirão com as suas soluções. Vale a pena verificar como foi que ele se apresentou diante dos jornalistas:

"São 96 milhões de brasileiros economicamente ativos, e 46 milhões não contribuem. E vão envelhecer. Então eles vão quebrar a previdência. O nosso desafio é não só salvar a previdência antiga, como impedir que ela seja um mecanismo perverso de transferência de renda. Com o aumento do tempo, livrar as futuras gerações dessa armadilha em que essas gerações passadas caíram. Que foi produzir um sistema que piora a desigualdade e ao mesmo tempo destrói empregos em massa".

Guedes diz que Previdência é fábrica de desigualdades

UOL Notícias

Observe que em poucas palavras Paulo Guedes vai alinhavando uma fotografia do atual sistema previdenciário e mostra as causas que explicam a situação em que nos encontramos. Na sequência, depois de mostrar as graves consequências desse sistema, revela como a reforma poderá contribuir para o bem-estar das futuras gerações. Aproveita também para enaltecer a liderança jovem do presidente da Câmara e o importante papel da imprensa na difusão do projeto.

"São dezenas de milhões de empregos destruídos, com financiamento equivocado e uma série de defeitos que ela tem. Então a reforma (é necessária), como disse o deputado (Rodrigo Maia), que é uma liderança jovem, que percebe a importância da reforma. Eu sempre disse para vocês que essa é uma construção democrática nossa. E que a mídia vai entender as linhas estruturais da reforma. Vai ajudar a difundir que a reforma é virtuosa, e não cair na armadilha corporativa dos que se beneficiam com isso".

Se Paulo Guedes vai ou não se sair vitorioso nessa empreitada, só o futuro poderá responder, mas não há dúvida de que se continuasse agindo com aquela arrogância e agressividade dos primeiros momentos no poder, as chances de sucesso seriam bem mais reduzidas. A arte da conversa, do diálogo e da negociação é o próprio sentido da democracia. Esse é o caminho que deve ser trilhado por todo homem público bem-intencionado.

Superdicas da semana:

  • O poder pode provocar descontrole emocional e insegurança
  • Por mais que as perguntas sejam agressivas, é importante manter a calma
  • É mais fácil convencer com uma boa conversa 
  • A arte da negociação é própria da democracia

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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