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Reinaldo Polito

Por que o porta-voz do governo Bolsonaro mudou seu jeito de falar?

O general Otávio Santana do Rêgo Barros, porta-voz do governo de Jair Bolsonaro - Mateus Bonomi/AGIF
O general Otávio Santana do Rêgo Barros, porta-voz do governo de Jair Bolsonaro Imagem: Mateus Bonomi/AGIF

23/04/2019 04h00

"Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade." (George Orwell)

Paz e Bem. É assim que o porta-voz do governo Bolsonaro, general de divisão Otávio Santana do Rêgo Barros, encerra todas as entrevistas coletivas que concede. Essa expressão se transformou em espécie de slogan nos seus pronunciamentos. É a senha para indicar aos jornalistas que a entrevista terminou.

É curioso fazer do encerramento de uma apresentação essa espécie de marca registrada, pois o mais comum é usar o vocativo, o cumprimento inicial para essa finalidade. Tanto assim que sugiro a todos os meus alunos políticos que encontrem um vocativo próprio que seja uma identificação para os seus discursos.

Vamos relembrar quatro exemplos de presidentes da República que ficaram marcados na história também pelos vocativos que usavam em seus pronunciamentos. Cada um com sua característica e levando em conta a história pessoal e o contexto que vivenciaram.

Como alguns presidentes cumprimentavam os eleitores em seus discursos

- Getúlio Vargas usava o nome da cidade para iniciar o vocativo e em seguida completava com sua frase marcante. Por exemplo: "Povo de Araraquara, trabalhadores do Brasil". E assim, em todas as cidades onde fazia seus discursos. Os eleitores iam aos comícios e gostavam muito de ouvir o nome de sua cidade ser pronunciado por ele.

- José Sarney, quando foi presidente, talvez tenha sido o primeiro a se preocupar com inclusões. Ficou célebre seu vocativo: "Brasileiros e brasileiras". Certa vez, quando ministrei cursos em São Luís (MA), tive a oportunidade de jantar com o grupo de alunos em um restaurante, e nos encontramos com Sarney. Perguntei, então, ao ex-presidente qual o objetivo daquele vocativo, e ele me respondeu que a intenção era demonstrar que as brasileiras teriam consideração especial em seu governo.

- Fernando Collor, no período em que ocupou a Presidência, também fazia uso de um vocativo peculiar: "Minha gente". Era um cumprimento firme, enérgico e contundente na forma de se dirigir ao público. Esse comportamento o distinguia, pois, de maneira geral, é recomendável que o vocativo seja amável, simpático, sedutor.

- Lula foi outro que se notabilizou pelo vocativo diferente e especial que utilizou, dentro e fora da Presidência da República: "Companheiros". Mesmo alguns adversários políticos chegavam a se sentir próximos dele com essa forma carinhosa de cumprimento. Até no exterior Lula cumprimentava dessa maneira os chefes de Estado.

Citei o vocativo desses quatro ex-presidentes porque foram vencedores em suas pretensões políticas, e a maneira como se dirigiam aos ouvintes teve, evidentemente, forte influência no sucesso de suas campanhas. São exemplos que estão à nossa volta e que podem servir para a análise do discurso, independentemente de simpatia ou antipatia política.

Como o porta-voz trata os jornalistas

Além da expressão peculiar "Paz e Bem", utilizada na conclusão de suas entrevistas, o porta-voz Rêgo Barros se destaca também pela forma quase sempre bem-humorada como se comunica. Mesmo os jornalistas que formulam perguntas mais contundentes parecem não se incomodar quando são rechaçados por ele. Se sabe a resposta, dá as explicações todas com calma e bastante paciência. Se não sabe, sempre se coloca à disposição para buscar as informações e transmiti-las posteriormente.

As entrevistas coletivas começam sempre com um pronunciamento do porta-voz, esclarecendo as iniciativas e programações do governo. Nessa etapa procura dar todos os detalhes para que fiquem poucas dúvidas a ser elucidadas. Essa explanação inicial, quase sempre, tem duração limitada, permitindo assim que o tempo maior seja dedicado às perguntas dos jornalistas.

Se um jornalista inicia a pergunta sem se apresentar, ele tem o cuidado de perguntar o nome e o órgão que representa. Sua conduta é sempre cordial, amável e assertiva. Assim que o jornalista se apresenta, Rêgo Barros pergunta como vai o interlocutor, se está tudo bem com ele.

Tem a precaução de atribuir a responsabilidade da resposta a quem efetivamente deveria responder. Por exemplo, se o jornalista faz uma pergunta que envolve a Câmara dos Deputados, ele não entra em searas alheias. Diz com sua tranquilidade característica que a questão é pertinente ao Poder Legislativo, e não ao Executivo. É muito raro um jornalista insistir nas perguntas nessas situações.

Aspectos importantes na comunicação do porta-voz

A comunicação do porta-voz merece algumas observações. Embora tenha um jeito meio bonachão, sua postura na tribuna é sempre firme, correta e elegante. A gesticulação é de boa qualidade, sem falta nem excesso, pois acompanha muito bem o ritmo da apresentação. Os movimentos complementam com naturalidade as informações. Nos momentos em que não gesticula, usa o semblante para fazer essa complementação da mensagem.

Outro ponto interessante na sua comunicação é a correção como se apresenta. Não comete erros gramaticais, lança mão de linguagem culta e educada, construindo bem as frases, conjugando todos os verbos e fazendo as concordâncias de forma exemplar. É possível transportar para o texto escrito o que ele diz oralmente sem necessidade de correções ou edições. Ele se apresenta com a correção de quem escreve e, ao mesmo tempo, com a naturalidade de quem fala.

O que mudou na comunicação do porta-voz

Nos últimos tempos houve mudanças na sua forma de se expressar. Se observarmos mais detidamente, vamos notar que ele, sem exagero, tem falado com volume de voz mais elevado, com mais velocidade e gestos mais enfáticos. Não violentou seu estilo pessoal, mas colocou um pouco mais de tempero nas suas exposições. Sua fala ficou mais interessante.

Por que alguém que estava indo tão bem resolve alterar sua forma de se apresentar? O que motiva uma pessoa passar a falar com essa eloquência adicional? Há algum tipo de benefício nessa mudança, já que os riscos de cometer erros ou transmitir mensagens inadequadas aumentam consideravelmente?

Realmente, quem fala mais rápido, mais alto e com mais energia se arrisca a não ter o mesmo domínio do raciocínio e o controle da sequência do discurso. Começa a caminhar por um tipo de areia movediça, que a qualquer momento pode apresentar surpresas difíceis de serem contornadas.

A naturalidade com que o porta-voz tem se apresentado, aliada à demonstração evidente de seu domínio sobre as questões que são formuladas, dão a ele boa dose de autoridade. Para que uma mensagem seja aceita com total confiança, entretanto, além de ser verdadeira, evidentemente, é preciso que o orador demonstre interesse e envolvimento com o tema que transmite.

Por isso, provavelmente, essa disposição adicional era o ingrediente que faltava para que suas apresentações tivessem ainda mais credibilidade. Como pode o orador pretender que os ouvintes se envolvam com sua mensagem, se ele mesmo não demonstra interesse pelas informações que transmite?

Como afirma Quintiliano nas "Instituições oratórias": "Posso eu porventura esperar que um juiz se condoa de um mal, que eu conto sem dor alguma? Indignar-se-á vendo que eu mesmo, que o estou excitando a isso, sou o que menos me indigno? Fará parte das suas lágrimas a um advogado, que está orando com os olhos enxutos?"
Paz e bem.

Superdicas da semana:

  • Paz e bem é uma saudação franciscana
  • Fale com envolvimento, energia e emoção
  • Lembre-se de que para ter credibilidade é preciso que haja coerência
  • Fale com emoção na medida certa
  • Só fale com emoção se os ouvintes já estiverem dispostos e preparados

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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