Paulo Guedes começa a aprender que o peixe morre pela boca
Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo
Oscar Wilde
Ao lado dos ministros Tarcísio Gomes, Tereza Cristina e Sérgio Moro, Paulo Guedes se destaca no governo Bolsonaro. Antes mesmo de vencer as eleições o presidente se apoiava no seu "Posto Ipiranga" para conquistar credibilidade nas questões econômicas. Sem contar que foi ele o responsável por convencer Moro a aceitar o convite para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Além do conhecimento e respeitável currículo, os números do seu ministério são admiráveis - a economia vai bem. Inflação bem abaixo do centro da meta, taxa de juros mais baixa da história, desemprego em queda, notas de risco do país cada vez mais favoráveis, otimismo dos empresários em alta. É só alegria. Esses resultados deixaram Paulo Guedes em um patamar de prestígio tão elevado que, talvez, tenha lhe subido um pouco à cabeça.
É difícil manter a humildade
Por mais centrada que seja uma pessoa, é difícil manter a humildade e os pés no chão quando recebe elogios por onde passa. O ministro tem sido aplaudido aqui e no exterior. Todas as suas participações têm sido elogiadas até com reverência. Nessas circunstâncias a vaidade pode ter falado mais alto e feito o ministro perder a noção do perigo.
Um pouco de receio de enfrentar o público é fundamental para que o orador evite dizer o que não deve. Quando o coração bate um pouco mais forte, algumas borboletas voam no estômago e as mãos suam, o organismo fica mais bem preparado para os embates da vida. A pessoa respeita mais o público que irá enfrentar e se prepara de forma conveniente sobre o tema que irá abordar. O risco de errar diminui sensivelmente.
Quando Lula estava no auge da sua popularidade, se sentiu tão endeusado que passou a falar o que lhe dava na telha. Ficou famosa sua viagem à África. Ao discursar disse: "Estou muito surpreso, porque quem chega à Windhoek (capital da Namíbia) não parece estar num país africano, por sua limpeza e arquitetura". Se ele não se sentisse tão seguro e confiante, e tivesse refletido alguns segundos sobre a mensagem que iria transmitir e o tipo de ouvinte para quem iria discursar, provavelmente não teria cometido essa gafe.
A confiança excessiva pode ter sido uma armadilha
Talvez seja a confiança excessiva de Paulo Guedes que o tenha levado a proferir essas palavras inconvenientes. Se fosse uma escorregadela, vá lá. Poderíamos creditar ao acaso. Situação normal de quem fala muito em público. Suas gafes, entretanto, têm sido recorrentes.
Deixou munição para os opositores quando explicou mal a história de que as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer. Flertou com aumento de impostos "sobre pecados": cigarro, bebida alcóolica e açucarados. Precisou levar um puxão de orelhas de Bolsonaro para não falar mais em aumento de impostos. Levantou o véu do AI-5, quando ao falar sobre a possibilidade de manifestações nas ruas, alertou: "Não se assustem então se alguém pedir o AI-5".
Essas frases tiradas de contexto e com a tremenda má vontade da oposição, que anda meio sem bandeira para atacar o governo, fazem um estrago danado. Digamos que Paulo Guedes anda um pouco negligente na forma de se expressar em público. Os vacilos verbais não param. Em menos de uma semana o ministro deslizou duas vezes em seus discursos.
A primeira quando disse que os funcionários públicos eram parasitas: "O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, além de ter estabilidade na carreira e aposentadoria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita".
Para não se complicar, poderia ter dito, por exemplo, que parte do funcionalismo público consome recursos tão elevados da nossa arrecadação que nos coloca em situação quase insustentável. Teria passado a mesma mensagem, mas sem a contrariedade que provocou com sua infeliz comparação.
Quando as feridas ainda não haviam cicatrizado, lá vai ele de novo falar o que não devia. Nessa quarta-feira, dia 12, ao participar do Seminário de Abertura do Ano Legislativo da Revista Voto, na Capital Federal, disse:
"O câmbio foi pra quatro e pouco e (dizem que) tá nervoso. Não tem nervosismo. Mudou. Não tem negócio de câmbio a 1,80. Vamos importar menos, fazer substituição de importações, turismo. (Foi uma época de) todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada".
Ao perceber que a boca tinha sido mais rápida que o pensamento tentou consertar afirmando que sabia que as pessoas iriam criticar o fato de ele ter se referido às empregadas, mas o que quis dizer foi que as pessoas de baixa renda estavam indo três, quatro vezes para o exterior. Que deveriam viajar um pouco mais aqui dentro do país e depois irem para fora. Explicou, mas não convenceu.
Os erros são úteis quando nos ensinam
Como Paulo Guedes é inteligente e tem sensibilidade, vai botar a cabeça no travesseiro e refletir melhor sobre como tem se expressado. Ao observar as reações negativas de suas falas, talvez fique um pouco mais receoso, vista o manto da humildade, tenha alguma descarga extra de adrenalina e pondere sobre as mensagens que transmite.
Um pouco mais de prudência para falar em público fará com que o ministro continue se dedicando às questões econômicas e não tenha de ficar se desculpando pelas impropriedades de suas palavras. Afinal, o peixe morre pela boca.
Superdicas da semana
- Um pouco de nervosismo pode ser útil na comunicação
- O orador que não tem excesso de confiança respeita mais os ouvintes
- O orador que fica um pouco nervoso para falar se prepara de forma mais conveniente
- A soberba e a arrogância são um veneno para o desempenho do orador
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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