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Reinaldo Polito

Bolsonaro inova no tom e faz pronunciamento surpreendente

01/04/2020 13h42

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. / Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.
Camões

Estamos atravessando uma das situações mais desesperadoras da nossa história. Pessoas sendo contaminadas pela covid-19, abarrotando os hospitais em busca de tratamento incerto, e com o número de mortos contabilizados de maneira assustadora todos os dias.

Além desse verdadeiro pesadelo, há o fato de as pessoas estarem confinadas, muitas delas perdendo o emprego e sem ter como ganhar para o alimento da família. O problema mais grave ocorre com os mais vulneráveis ao coronavírus, que são os idosos e aqueles que possuem algum tipo de doença que possa comprometer sua imunidade.

Em momentos como esse, a palavra do líder é fundamental para que o país tenha um norte e saiba exatamente como se comportar. Depois de um pronunciamento considerado desastroso na semana passada, havia enorme expectativa sobre o que Bolsonaro falaria na noite desta terça-feira, dia 31.

A comunicação de Bolsonaro é criticada

Devido à minha profissão como professor de oratória, não passa um dia sequer sem que eu ouça pessoas me chamando a atenção: Polito, que tal dar umas aulas para o presidente? Quem sabe assim ele para de falar besteira. Outros, mais governistas, reclamam: professor, Bolsonaro pode fazer o que quiser, mas com esse jeito tosco de falar fica difícil defendê-lo.

Aqui, nesta coluna, já escrevi vários artigos analisando a comunicação do presidente. Em alguns deles, fiz críticas pesadas à sua forma de se expressar, como, por exemplo, o seu primeiro pronunciamento em rede nacional; em outros, teci comentários elogiosos, como o discurso que fez na ONU.

O que falo de Bolsonaro aqui é o que falaria se ele estivesse na minha escola, pois é exatamente assim que, ao longo dos últimos 44 anos, analiso a comunicação dos meus alunos políticos em sala de aula. Ali não vejo partido político nem preferência ideológica, mas, sim, o que cada um precisa aprender para transmitir com clareza a sua mensagem.

Bolsonaro fala em rede nacional

Assim que terminou o pronunciamento de Bolsonaro, o meu smartphone recebeu grande quantidade de mensagens com referências ao desempenho do presidente. Todos elogiando, e fazendo comentários jocosos: "Conta aí, professor. Desta vez o senhor deu aula para o presidente. Parece que finalmente ele aprendeu a falar."

Nos cerca de oito minutos de pronunciamento em rede nacional, Bolsonaro deixou de lado a ironia e as brincadeiras inconvenientes. Agiu da forma como se espera de um chefe de Estado. Falou com seriedade, sem agressividade, nem mensagens desencontradas. O discurso foi muito bem elaborado. O presidente aproveitou a maior parte do tempo para falar das realizações do governo nesse momento de enfrentamento da pandemia.

A primeira surpresa positiva foi o fato de não ter feito nenhuma referência ao movimento militar de 31 de março de 1964. Se adotasse a postura de sempre, não perderia a chance de enaltecer o que chama de revolução militar, o que iria contrariar quem julga ter sido um golpe militar. Não seria momento apropriado para esse tipo de discussão. Ter passado ao largo desse tema foi um ponto positivo.

Bolsonaro muda o tom

O presidente havia recebido críticas por causa dos comentários que fizera pela manhã, quando se referiu às palavras do diretor da OMS e omitiu algumas informações. Bolsonaro disse que Tedros Adhanom afirmara que os informais deveriam trabalhar. Na verdade, o que o dirigente da OMS comentara não foi apenas isso, mas também que os governos deveriam ter a responsabilidade de preservar o bem-estar de quem fica sem renda para se proteger do coronavírus.

Durante o pronunciamento, Bolsonaro refez as informações, mantendo o que dissera, mas ressaltando que sua preocupação sempre foi a de salvar vidas. Mencionou as palavras do diretor da OMS: "Muitas pessoas, de fato, precisam trabalhar todos os dias para ganhar seu pão". Em seguida ,complementa com a informação mais abrangente: "e que os governos têm que levar essa população em conta".

Suas palavras bem medidas, sem falta, nem exagero, cumpriram a finalidade de informar sobre as decisões mais significativas tomadas até aqui pelo governo, e tentaram tranquilizar a população, mostrando que as pessoas não ficarão desamparadas. Pediu união entre todos os poderes e a participação dos governadores e prefeitos de todo o país. Foi uma espécie de bandeira branca para que todos estivessem irmanados na busca e conquista do mesmo objetivo.

Mostrou sua preocupação e a dos ministros no atendimento a dois pontos que julga cruciais: primeiro, a saúde da população, sugerindo que deve haver cuidado especial com os mais idosos e com aqueles que tenham alguma doença preexistente. Segundo, o fato de que não se pode deixar de cuidar dos trabalhadores informais, que precisam todos os dias levar para casa o alimento para a família.

Mudou o comportamento e aprimorou a comunicação

Parece que, finalmente, aprendeu a usar o teleprompter. As primeiras tentativas haviam sido desastrosas. Truncava frases, não obedecia a pontuação, imprimia um ritmo inadequado. Não sabia se punha ou tirava os óculos. Ficava ora apoiado sobre a perna esquerda, ora sobre a direita. Os olhos se mostravam perdidos, dando a impressão de insegurança, quase suplicando para que aquele verdadeiro calvário chegasse ao fim.

Desta vez, não. Obedeceu com tranquilidade a pontuação. Destacou de maneira correta as palavras mais relevantes. Alternou bem o volume da voz e a velocidade da fala, imprimindo um ritmo bastante agradável. O olhar estava sereno, sem piscar em demasia. Balançou a cabeça sem exagero, acompanhando com naturalidade o ritmo e a cadência da fala. Não gesticulou em nenhum momento, mas os gestos não fizeram falta, pois a comunicação do semblante foi suficiente para complementar as informações.

A minha experiência demonstra que, depois de resolver os problemas elementares de comunicação e atingido um patamar de boa qualidade, como esse conquistado pelo presidente, a tendência é a de melhorar cada vez mais.

Imagino que a repercussão do seu bom desempenho fará com que Bolsonaro promova uma transformação definitiva na sua forma de se comunicar. Aos poucos, poderá abandonar aquele comportamento mais beligerante, deixará de lado os comentários irônicos, até rasteiros, e passará a elaborar com mais critério os seus pronunciamentos.

Aurea mediocritas, como disse Horácio, o grande poeta e filósofo romano, sempre será a regra de ouro, pois o equilíbrio do meio assegura tranquilidade e deve ser escolhido particularmente em momentos de grandes tensões.

Superdicas da semana

  • A mesma mensagem pode mudar se o tom utilizado for diferente
  • É possível dizer a mesma coisa com palavras diferentes
  • Há situações em que a mais leve brincadeira se torna vulgar
  • Cada circunstância exige um comportamento adequado
  • Há momentos em que, pelo bem comum, as armas devem ser abandonadas

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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