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Reinaldo Polito

Damares é popular porque seu discurso penetra no sentimento das pessoas

18/02/2020 04h00

Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, atinge o coração dele
Nelson Mandela

Os políticos vivem da popularidade. Tanto assim que alguns chegam até a contrariar as próprias convicções se precisarem votar um projeto impopular às vésperas de eleições. Quantos foram contra a reforma da previdência só para não desgostar os eleitores, mesmo sabendo que por causa de sua iniciativa equivocada os estados que representam se tornariam inviáveis. Depois, sem terem saída, precisaram correr para fazer uma reforma paralela.

A maioria, embora não queira demonstrar, fica de olho nos resultados das pesquisas de popularidade. Quando não são bem avaliados, geralmente, dizem que aqueles números se referem apenas a uma fotografia do momento, e que mudam de acordo com o contexto e as circunstâncias. Há ainda aqueles que colocam em dúvida a credibilidade dos órgãos que as desenvolveram e divulgaram os resultados.

Afirmam, por exemplo, que às vésperas das últimas eleições as pesquisas indicavam um resultado que não foi confirmado pelas urnas. Ou que em certo momento estavam nas últimas posições no levantamento de opinião, e em pouco tempo foram para o topo da tabela. Se, por acaso, um concorrente consegue avaliação mais positiva, fazem de tudo para desqualificar o resultado.

Se, por outro lado, o resultado é favorável, explicam que a vontade popular é reflexo do bom trabalho que desenvolveram. Não apenas aceitam conceder entrevistas para falar de sua boa avaliação, como também as provocam. Querem que a população fique sabendo que estão sendo bem aceitos e reconhecidos. É quase sempre assim: quando vão bem soltam fogos. Quando vão mal soltam cobras e lagartos.

Damares está nas nuvens há um bom tempo

Quem anda comemorando resultados de pesquisas há algum tempo é a ministra Damares Alves. No levantamento realizado pelo Datafolha ela surpreendeu a imprensa e a classe política por ter conquistado a segunda posição entre os ministros mais bem avaliados do governo. Ficou atrás apenas do ministro Sérgio Moro. Os números foram impressionantes. Moro ficou com 53% de ótimo/bom, enquanto Damares atingiu a excepcional marca de 43%. Atrás dela se posicionou Paulo Guedes com 39%. E, como curiosidade, o presidente Bolsonaro com 30%.

Passado um tempo da realização dessa pesquisa, boa parte da imprensa, os especialistas e, principalmente, os políticos querem entender como uma ministra que vivia sendo ridicularizada, debochada e menosprezada por suas opiniões a respeito de "menino veste azul e menina veste rosa" e relatos pessoais sobre visões que teve em cima de uma goiabeira chegou ao patamar desejado por quem passa dia e noite almejando um lugar ao sol.

Imagino que você também, provavelmente, deva ter estranhado esse resultado. O que precisa ficar claro nesta análise é que não importa se você gosta ou não do governo. Se julga que Bolsonaro e seus ministros estão ou não no rumo certo. O que vale para medir a popularidade é o que pensa o maior número de pessoas.

Outros nomes eram mais badalados

Independentemente da sua opinião com relação ao governo, deve imaginar que Moro goza de enorme prestígio. Desde que assumiu o Ministério da Justiça e da Segurança é sempre o mais bem avaliado nas pesquisas. Paulo Guedes, embora receba críticas por suas frases infelizes, por causa dos resultados que tem apresentado, mesmo que parte da oposição vocifere contra ele, também se mantém no topo entre os mais prestigiados.

Tereza Cristina vai bem, especialmente pela forma discreta como se expressa e pelos contratos que tem viabilizado no exterior. Tarcísio Gomes de Freitas é outro que encanta por concluir obras por onde passa. Com recursos relativamente escassos, conseguiu boas realizações.

Dependendo da sua posição ideológica, você poderia retirar alguns desses nomes, ou acrescentar outros. Entretanto, antes de saber o resultado da pesquisa, dificilmente incluiria aí o nome da Ministra Damares Alves. Sua exclusão seria facilmente explicada por todos os motivos que acabei de mencionar.

Cá entre nós, até alguns adeptos ferrenhos do governo engoliam em seco quando se falava em seu nome. Aquele discurso conservador, quase retrógrado, proferido com certo histerismo, acompanhado de gestos exagerados e voz condescendente não era próprio de uma ministra que gostariam que os representasse.

Quando foi divulgado o resultado houve quase perplexidade. Como? Damares ocupa o segundo lugar entre os ministros mais bem avaliados do governo? E as besteiras que ela fala? E as críticas que recebe de todos os lados? Será que esses números não estão equivocados? Não. Damares é mesmo muito querida pela população. Tanto assim que já surgiram conversas de que é séria candidata a disputar como vice de Bolsonaro em 2022.

A linguagem deve ser compreendida sem esforço

A virtude de Damares está na comunicação direta com as pessoas de todas as classes sociais, especialmente as mais necessitadas. Seu discurso, quase sempre empolgado e eloquente, penetra no sentimento da população mais carente. É um povo que percebe na fala da ministra uma mensagem verdadeira e honesta. Ela se refere a valores que essas pessoas gostariam de ver preservados. Discute problemas que são vivenciados por uma camada da população nem sempre considerada.
Para se comunicar com pessoas com maior dificuldade de entendimento é preciso falar numa linguagem que possam compreender sem esforço. Lutero ensinou que aquele que prega deve adaptar a linguagem a cada tipo de ouvinte:

"Quem vem à igreja são pobres crianças pequenas, empregadas, mulheres e homens idosos, para os quais a alta doutrina não é de proveito algum, pois eles não compreendem. E mesmo que digam: 'puxa, como ele falou tanta coisa bonita; que prédica linda!', se perguntarmos 'o que foi que ele disse?', responderão 'não sei'. Ao pessoal simples é preciso dizer branco é branco e preto é preto, de modo bem singelo, com palavras simples e claras - e mesmo assim, quase que não entendem".

Os longos anos de experiência de Damares pregando nos púlpitos religiosos deram a ela esse traquejo verbal. Suas palavras não precisam de "tradução". As pessoas não apenas compreendem sua mensagem como também sentem o que ela pretende dizer. Veem Damares como uma igual, que fala o que sente, pois sofreu os mesmos problemas que vivenciam.

A soberba só atrapalha

Às vezes nos colocamos em pedestais tão elevados que não percebemos que a nossa visão de mundo nos afasta das pessoas. Não é preciso que ninguém diga a essas pessoas simples que alguém se dirige a elas com ar soberbo e arrogante, pois seu sentimento capta essa atitude.

Damares nos dá um bom exemplo com a conquista dessa surpreendente popularidade. Ela nos ensina que, se quisermos nos comunicar com pessoas de todas as camadas sociais, precisamos antes aprender como utilizar a linguagem adequada, e transmitir as mensagens com o sentimento que pareçam a elas verdadeiros e sinceros. Fora desse contexto serão apenas palavras vazias.

Superdicas da semana

  • Para falar com as pessoas simples é preciso fazer uso de linguagem simples
  • O sentimento do orador precisa ser percebido como verdadeiro pelos ouvintes
  • Conhecimento e cultura valem muito, mas não são tudo na comunicação
  • Se os ouvintes não entenderem as palavras, não acompanharão o raciocínio

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