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Reinaldo Polito

Cuidado com o que fala: traidores estão na política e também na sua empresa

traição - Getty Images
traição Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

21/07/2020 04h00

César declarou que amava as traições, mas odiava os traidores.
Plutarco

De vez em quando o membro de determinado partido político se volta contra sua própria agremiação. Critica seus pares, o presidente do partido, os membros que foram eleitos para os mais diferentes cargos. Ou seja, é o fogo amigo, aquele que joga bola nas costas de quem vive sob o mesmo teto. O comentário que se ouve por causa desse comportamento é: com um amigo desse, quem precisa de inimigo?

Temos de considerar também a história recorrente da cria que se volta contra o criador. Aconteceu com Montoro e Quércia. Com Quércia e Fleury. Com Maluf e Pita. Com Alckmin e Doria. Com Itamar e Fernando Henrique. Só para citar alguns, pois parece ser a regra. O político se projeta aproveitando a ajuda do padrinho, e, no dia seguinte, na primeira oportunidade, já está descendo a madeira naquele que o apoiou.

Não vamos considerar o PSL, partido que abrigou o presidente Bolsonaro nas eleições, e serviu de palanque para um mundaréu de políticos iniciantes que aproveitaram a onda bolsonarista e se elegeram nessa esteira. Na verdade, nem parece um partido político, pois está mais para um catado. Esse termo "catado" vem do futebol amador, quando se junta ao acaso um grupo de jogadores que estão disponíveis, e se unem para participar de um jogo.

A traição é rápida

Terminadas as eleições, alguns traem por não conseguirem o que pretendiam; parece ser o caso de Alexandre Frota. Outros por não serem apoiados para o cargo que pretendiam; talvez tenha sido o exemplo de Joice Hasselmann, que pretendia ser candidata à prefeitura de São Paulo, mas por precisar se unir a João Doria, adversário de Bolsonaro, precisou se virar contra o presidente.

Para trilhar esses descaminhos políticos é preciso ter estômago. Tenho exemplos profissionais. Um dos casos foi marcante. Treinei todos os membros de uma família de políticos de determinada região. Até que passou a existir mais pretendentes que os cargos disponíveis. Aí houve dissidência. Outro grupo foi formado e passaram a disputar entre si.

Os dissidentes começaram a me procurar, exatamente como faziam os outros membros da família. Um deles, ao treinar seu discurso me deixou estarrecido. Desde garotinho frequentara a casa da tia. Ia lá quase todos os dias. Era tratado como um filho. Tomava chá, comia o bolo delicioso que a própria tia fazia, e brincava com os priminhos. Ele se sentia como se estivesse dentro da própria casa.

Durante o seu treinamento, ao exercitar seu discurso, começou a atacar os adversários e a contar os segredos dos primos, que havia observado durante todos aqueles anos de visitas quase diárias. Eu o interrompi e perguntei: você vai contar essas particularidades nos seus comícios? E ele respondeu sem nenhuma preocupação: professor, é só política, não tem nada de pessoal. Como não? Tinha sim. Lembrei de um pensamento de Robert de Niro: Você aprende duas coisas mais importantes na vida: nunca sacanear seus amigos, e sempre manter a boca fechada.

Na vida corporativa não é diferente

Essa disputa por poder fica mais evidenciada na política porque as ações, de maneira geral, são alardeadas ad nauseam, e essas traições passam a ser tratadas até como ocorrências corriqueiras. A maioria dos políticos não se ilude com demonstrações de amizade, pois sabem que seu melhor amigo hoje poderá ser seu grande adversário amanhã.

Aprendem também a deixar algumas frestas nos confrontos que estabelecem, já que nos dias vindouros talvez tenham de reconsiderar seus ataques, colocar uma pedra sobre as divergências acirradas, e essas pequenas aberturas deixadas nas contendas servirão para explicar que aquilo que disseram não era bem assim. Ou seja, não há amigo nem inimigo, mas sim conveniências.

Na vida corporativa, não é diferente. O que muda é a publicidade dos fatos. A não ser que as brigas e traições sejam entre personalidades tão importantes no mundo dos negócios que chegam a atrair o interesse da imprensa. São raros, entretanto, os casos que ganham a mídia. Esses quiproquós começam e terminam intramuros, ou como dizem os maçons, entre colunas.

Ou seja, as puxadas de tapetes que ocorrem na política, com maior ou menor grau, também estão presentes nas empresas. As reconciliações na vida corporativa, entretanto, são mais difíceis. Se for caso de traição, os desafetos costumam "ficar de mal" para sempre. Os profissionais que se engalfinham em determinado momento, no futuro conseguem apenas se tolerar para que possam manter suas posições. Nesses episódios, quando há quebra de confiança, não tem volta.

Dormir com um olho aberto

Não dá para imaginar, por exemplo, dois diretores na posição de Alexandre Frota e Rodrigo Maia. Num momento, Frota esculacha Maia com todos os palavrões que conseguiu aprender ao longo da vida, noutro, só falta beijar os pés do presidente da Câmara dos Deputados. Conversam amistosamente como se nada houvesse ocorrido.

Infelizmente, dentro ou fora da vida corporativa, é importante aprender a dormir com um olho fechado e outro aberto. As pessoas traiçoeiras não costumam demonstrar esse lado escuro da sua personalidade. Vão cevando suas vítimas até conseguirem o que desejam. Atingido o objetivo, não terão escrúpulos em passar a rasteira naquele que foi parceiro até aquele momento.

Ninguém precisa ser um paranoico e começar a pôr folha de arruda na orelha, ou tomar banho de sal grosso para se proteger dos inimigos. É só ter um pouco de prudência, e evitar abrir demasiadamente o coração com confidências pessoais, e menos ainda contar segredos que possam prejudicá-lo no futuro.

Para saber qual deverá ser o comportamento diante daqueles com os quais nos relacionamos, basta fazer sempre a seguinte pergunta a você mesmo: O que pretendo revelar agora a esse meu parceiro, se um dia deixarmos de ter essa confiança que hoje nos une, e por algum motivo o fato for revelado, serei prejudicado? Se a resposta for sim, guarde para você.

Como disse Sêneca: O seu amigo tem um amigo. O amigo do seu amigo tem outro amigo. Portanto, seja discreto.

Superdicas da semana

  • Às vezes o resultado é melhor quando não abrimos a boca
  • Se os nossos discursos se voltam contra nós mesmos, o melhor é ficar calado
  • Os nossos melhores amigos hoje talvez sejam os nossos maiores inimigos amanhã
  • Feliz daquele que tenha um amigo em quem possa confiar

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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