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Reinaldo Polito

Bolsonaro perdeu Maia como adversário poderoso. E agora?

Rodrigo Maia e Bolsonaro - Reuters
Rodrigo Maia e Bolsonaro Imagem: Reuters

O grande triunfo do adversário é fazer-nos crer o que diz de nós.
Paul Valéry

Tive um professor no curso de cinema e semiótica na pós-graduação que repetia uma frase como se fosse uma espécie de cantilena: observem bem, e nunca se esqueçam do que eu vou dizer: história sem vilão não tem graça. E enfatizava que, para um filme ser interessante, mais importante que o mocinho, é o bandido. O Coringa talvez seja um bom exemplo para provar sua tese.

O professor Adami tinha razão. Depois de suas aulas, comecei a prestar mais atenção nos filmes para ver qual era a importância dos vilões. Impressionante, se o bandido não for mau, mas muito mau mesmo, o enredo talvez não seja tão atraente. O que chama ainda mais atenção é que na vida real as coisas não são assim tão diferentes.

Os ferrenhos adversários acabam por viver e até incorporar esses papéis em suas atividades. Foi assim com as frequentes disputas entre Airton Senna e Alain Prost. O francês já disse que essa rivalidade ajudou na projeção dos dois pilotos. Da mesma forma no basquete feminino com Hortência e Paula. Ou no futebol com Pelé e Maradona. Em alguns casos, os torcedores tomam lado, e o adversário passa a ser uma espécie de vilão.

Na política, as animosidades são naturalmente mais frequentes, já que as diferenças ideológicas ou as lutas pela conquista de poder encontram campo fértil para as contendas. Os exemplos estão à nossa volta. Vamos observar como essas divergências ocorrem a partir de táticas de comunicação.

Bolsonaro e Maia sempre brigaram

Analisemos as intermináveis brigas entre Bolsonaro e Rodrigo Maia. Dia após dia lá estavam os dois se engalfinhando. Maia deitou e rolou em cima do presidente. Como o presidente da Câmara é esperto, experiente, com planos políticos definidos, sabia que podia bater à vontade, pois Bolsonaro, precisando de seu aval para a aprovação dos projetos, estava tolhido para reagir.

Se o chefe do executivo retrucasse, como fez algumas vezes, saía no prejuízo. Por isso Bolsonaro esperneava, esbravejava, dava a entender que se referia a Maia, mas por prudência evitava tocar no nome do desafeto. Todo mundo sabia que, quando Bolsonaro falava em projetos parados, engavetados, caducados, estava se referindo ao presidente da Câmara.

Mesmo sem ter seu nome mencionado, Maia ia para a jugular. Dizer que o presidente e seus ministros não trabalhavam, que eram omissos, incompetentes, era quase o pão nosso de cada dia. Bolsonaro respirava fundo, engolia em seco, soltava fogo pelas ventas, mas não atacava diretamente.

Maia tinha vantagens para se tornar vencedor. Se o presidente o atacasse, que era a reação que o presidente da Câmara desejava, diria que ele era truculento, ditador e não tinha espírito democrático. Se Bolsonaro não revidasse, a vitória de Maia estava assegurada, pois o chefe do executivo passava assim uma imagem de frouxo, de alguém que não tinha coragem de revidar aos ataques que recebia. Ou seja, se correr o bicho pega, se ficar, o bicho come. Pelo menos na aparência.

Bolsonaro às vezes se rebelava

De vez em quando, até pelo perfil beligerante de Bolsonaro, ele escorregava nas cascas de banana jogadas por Maia. E nessas oportunidades acabou descobrindo que teria até mais a ganhar reagindo que ficando quieto. A primeira vez em que se rebelou com veemência foi em março de 2020.

Em entrevista concedida à CNN, depois de saber que Alcolumbre e Maia haviam criticado seu comportamento junto à população, partiu para o ataque como nunca fizera. Disse diante dos microfones e câmeras: eles que saiam às ruas. Por que eles não enfrentam a população? Os dois nem precisavam dizer nada. Para revidar, bastava que mantivessem as gavetas fechadas com os projetos do governo lá dentro.

Um mês depois, em abril, foi ainda mais contundente. Afirmou que ele e Maia estavam em lados diferentes e antagônicos. Classificou como péssima a atuação do presidente da Câmara. E enfatizou que Maia demonstrava que tinha a intenção de retirá-lo do poder. E para completar comentou: "Eu lamento a posição de Rodrigo Maia, que resolveu assumir o papel do executivo".

Parece ter dado certo, já que depois de suas declarações a #ForaMaia passou a figurar entre as mais compartilhadas. Bolsonaro percebeu, dessa forma, que, como não adiantavam as tentativas de diálogo, quem sabe a pressão popular poderia fazer esse papel persuasivo. Houve pressão, mas Maia mesmo assim não se dobrou. Continuou batendo.

Bolsonaro brigava até com a sombra

Bem, o que não faltou foi gente para Bolsonaro atacar. Além dos adversários costumeiros como os políticos do PT, PSOL, REDE e todos os que se posicionam mais à esquerda ideologicamente, sobrava também para quem estava ao seu lado, como os ex-ministros Moro e Mandetta.

Com a saída de Maia e Alcolumbre da presidência da Câmara e do Senado, pelo menos por enquanto, as trincheiras adversárias parecem ter esvaziado um pouco. Mas conhecendo Bolsonaro como conhecemos, já, já ele vai convidar gente para entrar no ringue. Ele precisa de um vilão para chamar de "seu". E se não aparecer ninguém por essas bandas, sempre haverá alguém além-mar, como o presidente francês Emmanuel Macron, ou a primeira-ministra norueguesa Erna Solberg. Vilões internacionais caem como uma luva, já que fica mais difícil para eles revidarem aos ataques.

Essas refregas não acontecem por acaso. Tudo é bem medido como estratégia de comunicação. Atacar, defender, permanecer em silêncio são quase sempre comportamentos arquitetados e muito bem planejados. Entretanto, as consequências às vezes podem não ser as esperadas. São ações de risco daqueles que gostam de viver perigosamente.

Afinal, se não existir vilão na história, o enredo pode ser sem graça. O importante é que digladiem apenas nos ringues, entre eles, e não façam do país uma arena de combate. Nós queremos viver em paz.

Superdicas da semana

  • Nem sempre é possível reagir a um ataque. O silêncio pode ser a melhor defesa
  • As disputas podem ter vencedores ou perdedores. Às vezes só perdedores
  • Há pessoas que não conseguem viver em paz. Cuidado com elas
  • Não devemos envolver pessoas de fora em nossas disputas pessoais

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para advogados", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Assim é que se Fala", e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado, Hortência e Paula foram jogadoras de basquete, e não de vôlei. A informação foi corrigida.