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Reinaldo Polito

Um bombeiro chamado Michel Temer

Michel Temer ao passar a faixa presidencial para Jair Bolsonaro - Reprodução
Michel Temer ao passar a faixa presidencial para Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/09/2021 04h00

A guerra civil pode ser considerada como um suicídio nacional.
Marquês de Maricá

O Brasil presenciou no dia 7 de setembro uma das maiores manifestações de sua história. Não importa se compareceram 125 mil ou dois milhões de pessoas, o que vale é que era um mar sem fim de gente. Os principais "gritos de guerra" dos manifestantes, insuflados por Bolsonaro, eram: "Fora Alexandre, fora Alexandre", "Eu autorizo, eu autorizo" e "Liberdade, liberdade".

Assim que entardeceu, e as pessoas enrolaram suas bandeiras, uma névoa escura pairava na cabeça dos manifestantes: e agora? Alguns, com sangue nos olhos, queriam a guerra. Outros, mais moderados, preferiam aguardar os acontecimentos. Afinal, o que Bolsonaro faria com o apoio de milhões de pessoas? A oposição torcia para que ele levasse em frente as suas bravatas, pois estaria dando um passo para o abismo. Não seria difícil provar que um golpe estava a caminho.

Os caminhoneiros

Havia a adesão maciça dos caminhoneiros. Se eles continuassem pondo em prática a intenção de paralisar o país, seria um tiro no pé, pois a consequência desses atos, com o desabastecimento em todo o país, além de penalizar os brasileiros, principalmente os menos favorecidos, provocaria um estrago na economia.

Por isso, Bolsonaro se apressou em pedir que cessassem as paralisações. Para essa tarefa escalou o ministro da Infraestrutura, Tarciso de Freitas, que tem comunicação direta com a classe. O ministro gravou um vídeo explicando os problemas que resultariam se impedissem o trânsito dos caminhões pelas estradas brasileiras. Felizmente ele foi ouvido. Os caminhoneiros desarmaram as barricadas - e vida que segue.

Havia ainda um problema mais grave. Muitas pessoas foram para as ruas motivadas pelo incentivo de Bolsonaro. Ele afirmara em várias oportunidades que esperava apenas um sinal da população para agir. O sinal fora dado. E aí? Ficaria só no discurso, ou partiria para a ação?

Bolsonaro se meteu numa encrenca

Mas, que ação? Iria invadir o STF, o Senado e a Câmara dos Deputados? Se agisse assim, seria retirado do poder e preso. Usaria as Forças Armadas para atuarem como poder moderador, lançando mão do artigo 142 da Constituição? Os militares já haviam avisado que não embarcariam nessa briga política. Veja só a encrenca em que Bolsonaro se metera. Era a fotografia exata do velho ditado: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

No dia 8 ocorreu uma tragédia muito maior do que a maioria esperava. A bolsa despencou, o dólar subiu e o mercado ficou apavorado. Sentiam que, aparentemente, não havia saída. Se o presidente fosse para cima, como prometera, correria o risco de cair. Se recuasse, talvez perdesse o único apoio que lhe restava, a confiança de seus seguidores. Todas essas dificuldades já haviam sido antecipadas aqui nesta coluna no texto "Cão que ladra não morde. Os arroubos de Bolsonaro".

Michel Temer tem experiência

Aí aparece um bombeiro muito experiente em apagar essas labaredas, o ex-presidente Michel Temer. Em 2015, quando o povo foi às ruas pedindo a saída da então presidente Dilma Rousseff, os ministros de seu governo meteram os pés pelas mãos. Enfureceram ainda mais a população. Falaram em golpismo, terceiro turno, manifestação antidemocrática. Ou seja, tudo o que não poderia ser dito para os opositores. Aquele era um discurso só para os governistas. Por isso, houve panelaço generalizado.

Diante daquele "incêndio" Dilma resolveu convocar o vice-presidente para atuar como bombeiro. Temer mostrou rapidamente que era do ramo. Deixou claro que, com boa comunicação, tudo podia ser resolvido de maneira eficiente. Com apenas duas ou três frases disse o que precisava para acalmar os ânimos:

"Nós temos que estar muito atentos para essas manifestações. O governo está prestando atenção. Elas revelam, em primeiro lugar, vou dizer o óbvio, uma democracia poderosa. Mas, em segundo lugar, o governo precisa identificar quais são as reivindicações e atendê-las. É isso o que o governo está fazendo". Na mosca. Genial! Disse tudo em pouquíssimas palavras.

O bombeiro foi convocado

Diante do impasse enfrentado por Bolsonaro, mais uma vez o experiente político foi chamado a atuar. Ele se reuniu algumas horas com o presidente e, a quatro mãos, fizeram uma "carta à nação". Em poucas linhas o chefe do executivo pediu desculpas pelos excessos, disse que respeitava as instituições, que não queria o confronto, e, lógico, pedia que o STF também caminhasse até o meio da ponte.

É evidente que Bolsonaro só topou redigir essa carta depois de combinar "com os russos" tudo o que iria acontecer. Esse meio de campo foi arquitetado pelo ex-presidente, já que o grande ponto de conflito era o ministro Alexandre de Moraes, que fora indicado para o cargo pelo próprio Temer.

Ninguém esperava

Foi uma decisão inesperada. Tanto os apoiadores de Bolsonaro quanto os opositores foram apanhados no contrapé. Serenados os ânimos, todos se acalmaram, o mercado reagiu positivamente, os caminhoneiros voltaram para casa e o país respirou aliviado.

Independentemente de posição ideológica, quem deseja de verdade o bem do país torce para que tudo se resolva da melhor maneira possível. As eleições estão aí. Quem gosta do Bolsonaro, que vote em seu nome. Quem não gosta, que escolha outro candidato. Até lá vamos contando com a competência de Michel Temer para apagar os incêndios.

Realmente, política não é mesmo para amadores. Definitivamente.

Superdicas da semana

  • Nada como um bom acordo
  • Tão importante quanto insuflar as massas é saber serenar os ânimos
  • Quando as partes não cedem, a melhor saída é um mediador experiente
  • Acordo bom é quando as duas partes cedem
  • Harmonia sem independência é submissão

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta.