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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Você admira ou detesta a oratória de Lula e de Bolsonaro?

Lula e Bolsonaro - ALLISON SALES/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO
Lula e Bolsonaro Imagem: ALLISON SALES/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

16/05/2023 04h00

A verdadeira eloquência consiste em dizer tudo o que precisa e em só dizer o que precisa.
La Rochefoucauld

Na maioria dos casos não há meio-termo. Ou as pessoas detestam ou admiram a oratória dos dois maiores líderes políticos da atualidade, Lula e Bolsonaro. Para quem não gosta de um ou de outro, parece incompreensível que possa haver opiniões contrárias.

Os problemas na comunicação de Lula

Segundo seus opositores, o petista tem voz rachada, irritante. Comete erros gramaticais primários, defende teses ultrapassadas e, quando está no palco, não fala - grita. Além desses defeitos, ele se movimenta sem nenhum objetivo de um lado para o outro.

Apresenta vícios irritantes como, por exemplo, usar o "sabe?" o tempo todo no final das frases. Criticam também o fato de ele fazer "estelionato eleitoral", como as promessas vazias de que os brasileiros passariam a comer picanha depois que fosse eleito.

Os problemas na comunicação de Bolsonaro

Da mesma forma, os adversários do ex-presidente também são ácidos em suas críticas. Afirmam que ele é tosco e se expressa de maneira vulgar, com palavrões e brincadeiras inadequadas. Repete sempre as informações, praticamente com as mesmas palavras. Possui o vício de terminar frases com o "talkey?".

Não sabe ler no teleprompter. Comporta-se diante do aparelho sempre com rigidez e com semblante fechado. Trunca as frases, olha de forma fixa para as palavras projetadas no vidro, perdendo assim o contato visual com os ouvintes.

Só qualidades ou defeitos

Podemos constatar que, tanto de um lado como de outro, não falta argumento para demonstrar ausência de qualidade na comunicação dos dois políticos. Quem critica, na maioria das vezes, não consegue encontrar um único aspecto positivo na oratória do oponente.

Ao falar da comunicação do político que apreciam, entretanto, se derretem em elogios. Identificam apenas as qualidades e procuram, até com contorcionismos retóricos, transformar gritantes defeitos em admiráveis atributos. Quem ouve os comentários, pode imaginar que estão se referindo a Cícero ou Demóstenes.

As virtudes de Lula

Os que estimam Lula dizem que ele é espirituoso, simpático, eloquente. Afirmam que sua mensagem atinge com facilidade o coração do público. Que faz leitura correta do ambiente e consegue adaptar a mensagem de maneira perfeita de acordo com as necessidades da circunstância.

As virtudes de Bolsonaro

Os bolsonaristas elogiam sua autenticidade. Aplaudem a transparência como o ex-presidente defende Deus, a pátria, a família e a liberdade de expressão. Entendem suas brincadeiras como leveza, bom humor, presença de espírito e sinal de inteligência. Apreciam o fato de ele falar com desenvoltura de improviso por mais de uma hora em suas lives.

Como é possível explicar, então, opiniões tão distintas diante dos mesmos oradores? O que leva alguém a só ver defeito ou qualidade em cada um deles? Embora seja raro, algumas pessoas conseguem se distanciar da paixão política e analisar com imparcialidade os méritos e falhas do seu candidato preferido. A maioria não.

Audição seletiva

Temos de considerar nesse processo o fenômeno da audição seletiva. Quase sempre, o que se leva em conta não é a informação de quem fala ou escreve, nem o que o interlocutor ouve ou lê, mas sim o resultado da interação que fazem com a mensagem.

No dia 26 de setembro de 1960, Richard Nixon e John Kennedy participaram de um debate memorável pela televisão. Os analistas afirmam que esse confronto foi fundamental para determinar o vencedor da disputa presidencial. Após o resultado das eleições, surgiram as mais diversas teorias. Quase todas para explicar a derrota de Nixon.

Uma pesquisa curiosa

Disseram alguns que Kennedy estava descansado, tranquilo, atento ao que o adversário dizia e pronto com suas respostas. Nixon, ao contrário, participou com semblante pesado e olhar perdido. Olhava para diversas direções, sem foco, como se não estivesse envolvido com o debate. Por isso, dizem, perdeu.

Um estudo desenvolvido por Hans Sebald com 152 alunos da Universidade Estadual de Ohio mostrou que a história talvez tenha sido diferente. Os pesquisados disseram o que pensavam sobre os candidatos antes e depois do debate. A conclusão constatou que eles não mudaram de opinião.

Continuaram como antes

A pesquisa provou que as opiniões foram contaminadas pela percepção de memórias seletivas e por distorções seletivas. Quem gostava de Kennedy assimilou o que era favorável a ele e prejudicial ao adversário. O mesmo ocorreu com os admiradores de Nixon.

Ou seja, o desempenho dos debatedores não mudou a maneira de pensar dos alunos. Podemos transportar esse resultado para as mais diferentes situações, como, por exemplo, a opinião que as pessoas têm sobre a qualidade da comunicação de Lula e de Bolsonaro.

Portanto, não seria exagero afirmar que a avaliação feita por petistas e bolsonaristas a respeito da oratória desses dois políticos, ainda que levem em conta os aspectos técnicos da comunicação, tem mais a ver com suas preferências ideológicas que com a competência de cada um para falar em público.

Superdicas da semana

  • As pessoas assimilam o que beneficia/reforça sua forma de pensar
  • Da mesma forma, as pessoas se fecham ao que contraria sua forma de pensar
  • O viés ideológico impede que a realidade seja vista em todos os seus ângulos
  • A avaliação da oratória depende mais de quem julga que dos méritos do orador

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a Distância", "Saiba Dizer Não", "Os Segredos da Boa Comunicação no Mundo Corporativo" e "Oratória para Advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para Líderes Religiosos", publicado pela Editora Planeta.