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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Collor é dos poucos exemplos de que a justiça tarda, mas não falha

Fernando Collor discursando - Anderson Riedel/PR
Fernando Collor discursando Imagem: Anderson Riedel/PR

Colunista do UOL

30/05/2023 04h00

A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.
Rui Barbosa

Em 1989, Fernando Collor de Mello surgiu imponente das Alagoas como um destemido caçador de marajás. Estávamos vivendo os primeiros ares da redemocratização. Depois de 20 anos sob os governos militares, finalmente o Brasil podia votar e decidir quem desejava para administrar o país.

Collor concorreu à presidência por um partido nanico, o PRN, e venceu. Foi um feito extraordinário, pois teve de enfrentar grandes nomes da política brasileira, como, por exemplo, Mário Covas, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Paulo Maluf e aquele com quem se confrontaria no segundo turno, Luís Inácio Lula da Silva.

Denúncias de corrupção

Ganhou, mas não levou assim como vitória consumada e definitiva. Contando desde o início apenas com o apoio popular, enfrentou forte resistência da oposição no Congresso. As denúncias de corrupção, ainda que não fossem comprovadas, eram a munição utilizada pelos adversários que desejavam derrubá-lo.

A pá de cal nessas acusações foi empunhada por seu próprio irmão, Pedro Collor, que em matéria histórica para a revista Veja denunciou os malfeitos do presidente. As palavras de Pedro foram o início do fim do chefe do Executivo. Correu como fogo em galho seco. O homem todo poderoso virou vilão. Era tudo o que os oponentes desejavam.

Profecia de Jefferson

Roberto Jefferson, que atuou como advogado de defesa na CPI do PC (Paulo César Farias), independentemente de estar certo ou equivocado quanto às agressões à Carta Magna, foi profético ao se referir à fragilidade da base de apoio de um presidente da República:

O furor acusatório da CPI, na expectativa de fazer o terceiro turno eleitoral, cheia de ressentimentos, cheia de revanchismo, buscando punir a vitória pela minoria derrotada, rasgou os dispositivos constitucionais, desrespeitou a lei ordinária, transformou a CPI do PC no açoite contra a figura do presidente.

E, como se estivesse diante de uma bola de cristal, descreveu o cenário em que os fatos se desenrolavam e vislumbrou o que mais tarde também aconteceria com a primeira mulher eleita para chefiar o Executivo do país, Dilma Rousseff:

Não se enganem aqueles que essa demonstração que foi dada hoje, que esse ato praticado de rasgar a Constituição vai atalhar também quem chegar à Presidência e não trouxer a maioria absoluta no Congresso, porque não terá condições de governar, porque outras CPIs como esta estarão no seu caminho, não para apurar irregularidades, mas pelos preconceitos ideológicos, pelas posições doutrinárias em contrário.

Collor caiu porque não possuía base no Congresso que o sustentasse. Dilma, da mesma forma, foi apeada do cargo por falta de apoio dos parlamentares. Tudo dentro das regras constitucionais. Esses atropelos políticos fazem parte do jogo. Ou o presidente conta com a maioria e permanece, ou corre o risco de ser "impichado".

Tarda, mas não falha

Transcorridos cerca de longos 21 anos, em 24 de abril de 2014, Collor foi inocentado das acusações que pesavam contra ele: crime de peculato (desvio de recursos públicos), falsidade ideológica e corrupção passiva. A ministra Carmén Lúcia resumiu bem o resultado do processo:

Os indícios apresentados pelo Ministério Público Federal são frágeis. Impossibilitam a condenação pleiteada. É preciso certeza, não basta probabilidade. Não é um primor de denúncia, na minha opinião.

Como em muitos casos, a justiça tardou, mas não falhou. Nessa situação em benefício de Collor. Agora, depois de o mesmo protagonista ser acusado de ter recebido propina no esquema da BR Distribuidora, pertencente à Petrobras, com valores na casa dos R$ 20 milhões, foi condenado no STF por 8 a 2. Ele poderá apresentar ainda os embargos de declaração.

Indignação da ministra

Essa condenação não tem nada a ver com a época em que foi presidente, já que da acusação daqueles crimes foi inocentado. Esse caso se refere às irregularidades que teria cometido entre 2010 e 2014. A mesma Cármen Lúcia que o havia inocentado das primeiras acusações, inconformada com o fato de que os crimes tenham sido praticados após a época do Mensalão, desta vez foi severa:

Nada disso causou qualquer temor para pessoas que estavam a praticar atos denunciados depois pelo Ministério Público. Espero que esse julgamento e todos os outros venham para reparar isso.

Desta vez, a justiça também foi lenta e tardia, mas, da mesma forma, não falhou. Collor foi bafejado pela mão amiga da justiça ao ser inocentado das acusações que sofreu na época em que governou o país. Collor sentiu agora o peso implacável dessa mesma justiça ao ser condenado pelos crimes cometidos.

Superdicas da semana

  • Cuidado com o que deseja contra os outros, pois amanhã o outro poderá ser você
  • Os malfeitos cometidos hoje poderão ser julgados amanhã como se lá ocorressem
  • Se não confiarmos na justiça, no que mais podemos acreditar?
  • A justiça pode até ser falha, mas só podemos contar com ela

O conteúdo desse tema é estudado no curso de pós-graduação em "Gestão de Comunicação e Marketing" que ministro na ECA-USP. Livros de minha autoria que abordam esses conceitos: "Assim é que se fala" e "Oratória para advogados", pulicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante.