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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Esqueça o 'Made in China': a onda agora é o 'Marketed by China'

14/03/2023 04h00

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Primeiro, foi o "Made in China".

Meio século atrás, empresas do Ocidente passaram a transferir seus parques industriais para o sudeste asiático, em busca de mão de obra barata.

Depois veio o "Sold by China".

Estamos falando dos primeiros marketplaces, como a Amazon, que explodiram fazendo o meio-campo entre consumidores finais e fabricantes da segunda maior economia do mundo.

Então, chegou a vez do "Marketed by China".

O plano agora é integrar as cadeias produtivas com os canais de venda para reduzir custos, cortando intermediários.

Basicamente, esse é o modelo de plataformas de comércio eletrônico que vem crescendo vertiginosamente, como a gigante da moda Shein, o super app de compras AliExpress e o polêmico Temu — uma espécie de camelódromo digital que ainda não chegou por aqui.

A caracterização desses três momentos históricos foi proposta por Juozas Kaziukenas, fundador da consultoria Marketplace Pulse, sediada em Nova York.

Para além de uma boa sacada, que nomeia com precisão uma tendência em curso na economia digital globalizada, o conceito de "Marketed by China" revela desafios urgentes.

Inegavelmente, essas plataformas impressionam pelos preços baratos e pela inacreditável velocidade na entrega de produtos que vêm, literalmente, do outro lado do mundo.

Mas essa nova configuração do "capitalismo de plataforma", como chamam alguns estudiosos do tema, também lança uma série de questionamentos — principalmente, nas áreas trabalhista e tributária.

Precarização do trabalho e falta de transparência

Tomemos o exemplo da Shein, a marca de moda mais popular do planeta em 2022.

A empresa é um dos mais bem acabados exemplos do controle de cabo a rabo proposto pelo "Marketed in China", a partir de uma intrincada análise de dados.

O sistema da Shein varre redes sociais à procura de looks com potencial para virar tendência. Em seguida, aciona uma rede de fabricantes capazes de produzir peças, em menos de uma semana. Se caírem no gosto do público que compra pelo marketplace, as roupas são despachadas para o mundo inteiro.

Só que o sucesso da Shein avança na mesma medida das cobranças por mais transparência em sua cadeia de fornecedores.

Reportagens e relatórios vêm sendo publicados para denunciar condições de trabalho precárias não só nas indústrias têxteis subcontratadas, mas também nos armazéns onde as mercadorias são estocadas.

Ao menos no Brasil, até o presente momento, isso não parece ter atingido a imagem da empresa. No ano passado, a Shein faturou R$ 8 bilhões e cresceu 300% por aqui.

Entretanto, à medida que avança, é inevitável que a plataforma seja obrigada a cuidar melhor de sua política trabalhista, assim como fizeram outras gigantes do mundo da moda, como a Zara.

A questão é saber até que ponto a Shein estará disposta a abrir a caixa preta de suas operações. Até porque plataformas digitais, de forma geral, têm em seu DNA uma certa aversão a regulamentações.

Acusações de concorrência desleal e evasão fiscal de R$ 15 bi

Outro debate urgente gerado pelo modelo "Marketed by China" diz respeito à questão tributária.

No Brasil, desde o ano passado, empresários vêm tentando convencer governo e congressistas a taxar as importações de e-commerces de países asiáticos, sob acusações de contrabando digital e concorrência desleal.

Um documento enviado por associações de varejistas à Procuradoria Geral da República em março de 2022, revelado pelo jornal O Estado de São Paulo, levanta algumas suspeitas.

Faturar notas abaixo do valor verdadeiro e explorar brechas na legislação — como a regra que isenta de impostos as transações de até US$ 50 entre pessoas físicas — seriam algumas das estratégias para burlar a Receita Federal, citadas pelo documento.

Segundo as associações de varejistas, a evasão fiscal ao longo do ano passado pode ter superado a casa dos R$ 15 bilhões.

Assim como as indústrias asiáticas redefiniram as cadeias produtivas nos últimos 50 anos, o "Marketed by China" das techs também está redesenhando a economia digital globalizada. Esse é um debate que tem tudo para pegar fogo no futuro próximo.