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Rombo na arrecadação pode ser ainda maior que o previsto na reforma do IR
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A reforma do IR (Imposto de Renda) enviada pelo governo ao Congresso, em fins de junho, de acordo com a avaliação de boa parte dos especialistas, apontava na direção correta, mas tinha problemas de calibragem. O substitutivo apresentado nesta terça-feira (13), pelo relator do projeto de lei na Câmara, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), para especialistas, foi uma emenda que saiu pior do que o soneto.
Se o projeto original tinha sido acusado de aumentar a carga tributária, taxando em excesso os mais ricos, o substitutivo de Sabino está sendo criticado por promover um corte de R$ 30 bilhões anuais na arrecadação federal e retroceder em demasia na tributação da alta renda. Em pouco mais de dez dias úteis, o substitutivo virou o projeto de lei de pernas para o ar. A reforma vai na contramão das recomendações dos organismos internacionais, ao desonerar —em vez de onerar— os super-ricos", escreveu o economista Sergio Gobetti, respeitado especialista nos temas da tributação, em sua conta no Twitter. "E jogará 60% da conta da desoneração no colo de estados e municípios, prejudicando serviços públicos aos pobres."
No resumo do economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas), o que se espera de uma reforma do IR é que tribute mais os mais ricos, melhore a situação fiscal e ajude a financiar programas sociais para os mais pobres. Era nessa linha que, com o suporte de técnicos da Receita Federal, o projeto de lei 2337/2021 fora concebido.
Com um olho na real necessidade de ampliar gastos públicos, e com outro talvez mirando ajudar o plano de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o projeto, com a chancela do ministro Paulo Guedes, errou nos níveis de tributação fixados. Pesou na mão, tanto em isenções para rendas mais baixas quanto para rendas no topo da pirâmide fiscal, e foi tímido na desoneração das empresas.
Os excessos resultaram em desconfianças sobre o real aumento da carga tributária embutida no projeto. Pressionada, a Receita Federal apresentou novas estimativas de aumento da carga, agora de R$ 6 bilhões em três anos. Mas deixou suspeitas de que a mordida poderia ser ainda maior, alimentando forte rejeição de lideranças e entidades empresariais. Indagado por empresários, Guedes chegou a declarar que fora "enganado" pela Receita.
Também com a chancela de Guedes, sob pressão empresarial, o deputado Sabino carregou nas desonerações para empresas e aliviou na tributação da alta renda. Disso resultou um enorme corte de receitas —de R$ 115 bilhões anuais, nas contas do próprio relator. As compensações encontradas, também nos cálculos de Sabino, chegaram a R$ 85 bilhões ao ano, resultando no buraco de R$ 30 bilhões anunciado.
Um grande problema é que esse volume de recursos perdido pode estar longe do verdadeiro corte na receita tributária. Isso porque, para chegar nesse hiato, o relator somou receitas futuras e não garantidas.
Sabino conta, por exemplo, com receitas derivadas do crescimento da economia. É verdade que as receitas de impostos são dependentes da trajetória da economia —e também, é bom não esquecer, do ritmo da inflação. Mas quem garante?
Ainda que a expansão da atividade, em 2021, possa avançar em torno de 6%, esse avanço configura apenas uma recuperação cíclica, com origem no mergulho econômico causado pela pandemia. Tanto que, já em 2022, as previsões são de crescimento em ritmo equivalente, na melhor das hipóteses, à metade do esperado para este ano.
As receitas de tributos estão de fato bombando em 2021. O impulso vem da base de comparação baixa de 2020, do avanço das exportações de commodities, impulsionadas por um "boom" de demanda internacional, e do ritmo mais acelerado de inflação.
Para 2022, as projeções conhecidas apontam um quadro bem diferente, com base de comparação mais alta, incertezas sobre a duração da demanda mais forte por commodities e menor pressão inflacionária. Somente receitas recorrentes, ou seja, aquelas estruturais e mais permanentes deveriam ser consideradas nos cálculos das compensações a desonerações.
No cálculo das compensações pela corte na arrecadação, Sabino também conta com a derrubada de subsídios a setores específicos. De novo, quem garante que serão de fato confirmados e não mantidos ou substituídos por outros subsídios?
Tudo considerado, o corte de arrecadação pode acabar bem maior do que o estimado no substitutivo do deputado Celso Sabino, avalizado por Guedes. Com a situação frágil das contas públicas e a necessidade de enfrentar a pobreza e a fome, que voltaram a crescer no país, acentuadas pela pandemia, é no mínimo arriscado fazer uma reforma que deságue em perdas profundas de arrecadação.
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