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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro esbraveja, mas alta dos combustíveis é, sim, problema dele

10/05/2022 09h06

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A Petrobras anunciou nesta segunda-feira (9) um novo reajuste nos preços do óleo diesel para as refinarias. O aumento, que passa a vigorar a partir da terça-feira (10) e levará a alta acumulada em 2022 a quase 40%, vem depois de dois meses sem reajuste no valor de venda.

Esse reajuste parece uma provocação direta ao presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro intensificou, nos últimos dias, críticas aos frequentes aumentos de preço dos combustíveis. Na quinta-feira (5), em sua live semanal nas redes sociais, Bolsonaro subiu o tom, qualificando os reajustes como um "crime inadmissível", um "estupro". Voltou a dizer que "desse jeito, o Brasil vai quebrar".

É verdade que, diante do quadro de momento, com pressão altista nas cotações internacionais de petróleo, não existe solução simples nem fácil para o problema complexo de evitar altas fortes e frequentes nos preços dos combustíveis, com impacto negativo na marcha da inflação. Mas não fazer nada — ou, para ser justo, quase nada — e esbravejar contra os aumentos é somente o que Bolsonaro, até aqui, tem a oferecer.

É uma maneira teatral — ineficaz, como se vê, pelos reajustes pesados e frequentes — de enganar quem quer ser enganado e de tentar tirar o corpo fora, não assumindo responsabilidades que são suas e de seu governo. Tirar o corpo fora é uma das características de Bolsonaro.

A demora na vacinação, os esforços para minimizar a pandemia, que resultaram na explosão de casos e de mortes por covid-19, a escalada da inflação e agora os preços dos combustíveis, nada é culpa de Bolsonaro e de seu governo. Culpados são os governadores, que impuseram lockdowns desnecessários, nos picos da pandemia, e feriram a atividade econômica. Culpadas também são as direções da Petrobras, que querem "quebrar o país", com reajustes automáticos nos preços dos combustíveis, ao sabor das flutuações das cotações internacionais e da taxa do dólar.

Enquanto grita contra aumentos nos combustíveis, que caberia a ele enfrentar, Bolsonaro "lamenta" não mandar na Petrobras e, por isso, não poder determinar que a empresa estatal diminua sua margem de lucro. Mas entra em contradição com uma afirmação de março, segundo a qual, sem reajustes nos preços, haveria desabastecimento. São afirmações do presidente que, como em muitas outras vezes, não refletem, pelo menos inteiramente, a verdade dos fatos.

Bolsonaro diz que "não manda" na Petrobras, que a empresa "não é estatal", é empresa de economia mista. O governo brasileiro, de fato, detém, hoje, não mais de 35% do capital total da empresa, que está, numa proporção semelhante em mãos de investidores estrangeiros. Mas ainda mantém mais de 50% do capital com direito a voto.

Isso expressa, cabalmente, o controle da empresa pelo governo e assegura ser a Petrobras uma empresa estatal — na verdade, a maior delas. Logo, o governo tem total capacidade de intervir na sua gestão. Tanto isso é verdade que o governo, atendendo a desejos de Bolsonaro, desde o início do mandato, em 2019, já trocou duas vezes os presidentes da Petrobras e alterou seu conselho de administração outras tantas vezes.

Quanto às limitações para a redução de preços, em razão dos riscos de desabastecimento, se não deixam de ter um fundo de verdade, não são algo inevitável. Embora o país produza, atualmente, petróleo bruto suficiente para a demanda interna, a capacidade de refino é insuficiente para tanto. É necessário, portanto, importar combustíveis para equilibrar o mercado.

São algumas centenas de importadores, incluindo a própria Petrobras. No caso do óleo diesel, por exemplo, 25% do consumo é importado e deste volume de importações, a Petrobras responde por 40% — ou seja, a estatal importa 10% do total de diesel comprado no exterior.

Se as margens de comercialização forem excessivamente comprimidas, diante deste quadro, é possível que muitas importadoras reduzam a atividade ou mesmo desistam dela. Um movimento assim traria riscos de desabastecimento.

Mas é preciso levar em conta a capacidade de adaptação e ajuste das empresas — até porque os preços internacionais são voláteis e podem ceder em algum momento, como já se projeta para 2023. E, antes de tudo, porque a própria Petrobras, no curto prazo, enquanto a capacidade de refino não fosse ampliada, poderia assumir o lugar das importadoras.

Até aqui Bolsonaro atuou para reduzir tributos que pesam sobre combustíveis. Zerou as contribuições federais PIS/Cofins sobre gás e diesel, além de pressionar os estados para que fixassem um valor para o ICMS. Como os tributos, no sistema brasileiro estão embutidos nos preços ao consumidor, o efeito desse tipo de medida depende das margens de comercialização, permitidas pelo encontro da oferta com a demanda nas bombas dos 40 mil postos de combustíveis espalhados pelo país. O resultado sobre o preço final, como esperado, tem sido pequeno.

O problema real, além do vaivém das cotações internacionais de petróleo, é a política de preços da Petrobras, adotada nos primórdios do governo de Michel Temer, em 2016. Chamada de PPI (paridade de preços de importação), ela promove reajustes quase automáticos, deflagrados por aumentos nos preços internacionais, convertidos pela taxa cambial.

A PPI não é uma política racional, na medida em que os preços praticados no mercado interno não se baseiam no encontro da demanda e da oferta domésticas. Os preços são formados pela relação entre demanda e oferta no mercado externo, sem relação com o mercado nacional.

Em período de altas nas cotações internacionais, o resultado dessa política é que a Petrobras, operando não como produtora e vendedora, mas apenas como importadora e comercializadora, obtém lucros extraordinários. Enquanto os reajustes frequentes e as altas fortes impactam negativamente a inflação, reduzindo o poder aquisitivo e o bem-estar da população, a empresa, como prova disso, tem registrado resultados muito acima das demais grandes petroleiras globais.

O lucro líquido da Petrobras, já em 2021, equivalente a quase US$ 20 bilhões, foi pelo menos duas vezes superior à média do obtido pelas maiores petroleiras globais, assim como a rentabilidade do patrimônio. O desempenho extraordinário se repetiu no primeiro trimestre de 2022, com resultados quatro vezes superiores à média do mercado global. Especialistas não têm dúvidas de que esses números fora da curva se devem à PPI, que propiciou aumentos entre 50% e 60% nos preços dos combustíveis no ano passado, e mantém a pressão em 2022.

Não faltam propostas para aliviar as altas de preços dos combustíveis, a exemplo do que países mundo afora estão adotando. O Senado já aprovou um projeto de lei que cria um fundo financeiro de estabilização, mas o projeto dorme na Câmara. Há também sugestões de aplicação de um imposto de exportação de petróleo, com alíquotas que variariam de acordo com as oscilações das cotações internacionais, que incentivaria um esforço maior pelo refino interno.

Como no caso dos alimentos, no qual o país líder na produção e exportação de vários deles enfrenta altas absurdas de preços no mercado interno, depois que Bolsonaro e seu governo abandonaram a política de estoques reguladores, na contramão do que fizeram outros exportadores de commodities alimentícias, falta ação de governo no mercado de combustíveis. Tirar o corpo fora, fugir das responsabilidades e acusar outros não resolve nada. Tanto não resolve que a inflação, nas projeções atualizadas, já avança, em 2022, mais uma vez, para a casa dos 10%.

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