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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Juros altos são o 'bode' que Lula encontrou se a economia der para trás

07/02/2023 04h00Atualizada em 07/02/2023 09h23

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O presidente Lula voltou a atacar os juros básicos altos, mantidos pelo Banco Central, na cerimônia de posse do economista Aloizio Mercadante, na presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), nesta segunda-feira (6).

Desde que tomou posse, Lula vem criticando os juros decididos pelo Copom (Comitê de Política Monetária), que reúne o presidente e os diretores do BC. Aumentou o tom das críticas depois que, na primeira reunião do Copom em seu governo, em 1º de fevereiro, a taxa básica (taxa Selic) foi mantida, mas o BC comunicou que deveria mantê-la onde se encontrava, se não tivesse de aumentá-la, por um tempo mais prolongado, possivelmente pelo menos até o fim de 2023.

Por que Lula ataca os juros fixados pelo BC?

Lula deu a resposta no próprio discurso no BNDES em que voltou a criticar o nível da taxa básica de juros.

"O problema não é a independência do Banco Central, é que esse país tem uma cultura de viver com o juro alto que não combina com a necessidade de crescimento que temos", disse Lula.

No entendimento do presidente, que é correto, taxas básicas elevadas desencorajam tanto o consumo de bens e serviços quanto de investimentos, para ampliação ou renovação da produção, freando o crescimento da atividade econômica e, em consequência, do emprego e da renda na economia. Lula, obviamente, quer uma economia em crescimento, sem o que sua promessa de que os brasileiros possam ter "picanha e cervejinha no domingo" não será cumprida.

Como reverter o quadro de juros altos além de esbravejar?

Para reverter esse quadro, não bastará a Lula esbravejar contra os juros altos.

São diversas as razões que estão fazendo a inflação resistir mesmo com a taxa de juros nas alturas. Um dos principais se localiza nas dúvidas em relação à gestão das contas públicas pelo governo.

A perspectiva é a de que o governo pressione por aumento de gastos, o que, se não for acompanhado de um programa claro e crível de contenção dos déficits públicos e da reversão da tendência de alta da dívida pública, alimentará expectativas inflacionárias. Um ambiente de expectativas de elevação da inflação, sob o regime de metas de inflação, não é compatível com redução de juros.

Essa previsível pressão por gastos públicos não é descabida. O superávit deixado pelo governo Bolsonaro nas contas públicas em 2022 é fake, exibindo um resultado aparentemente positivo que se deve, principalmente, ao acentuado represamento de despesas.

  • São sete anos sem reajuste real no salário mínimo, o que impacta, por exemplo e principalmente, a Previdência Social, e também nos salários dos servidores públicos - exceção são militares e juízes;
  • Também se explica por desembolsos não realizados, expressos pelos R$ 235 bilhões de "restos a pagar";
  • Sem falar na compressão de gastos em áreas críticas como Saúde e Educação, bem como em investimentos em infraestrutura;
  • Finalmente, por calotes explícitos, como os dos adiamentos do pagamento de precatórios, legalizados por emenda constitucional.

O que está em jogo na disputa entre Lula e o Banco Central

Lula quer dar estímulos para o crescimento da atividade econômica porque, quando está em expansão, a economia promove a ampliação dos negócios, do consumo de bens e serviços, expandindo as opções de emprego, trabalho e renda;

A atividade econômica está em trajetória descendente. Se a variação do PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer 3%, no conjunto de 2022, as projeções para 2023, no momento, são de expansão abaixo de 1%. É uma freada forte, que não será revertida com juros altos;

Diante da perspectiva de vacas mais magras nos primeiros tempos de seu terceiro mandato, Lula acha que encontrou, na crítica aos juros altos do BC, o "bode expiatório" ideal se não conseguir, como tudo indica que não conseguirá, que a economia deslanche neste primeiro ano de mandato.

Os juros básicos, que servem de piso para os demais cobrados na economia, estão realmente em nível elevado. O nível de 13,75% nominais ao ano é mais do dobro da inflação esperada para 2023, no momento, em torno de 6%, de acordo com o Boletim Focus, que reúne expectativas do mercado para a economia brasileira, divulgado nesta segunda-feira (6).

A taxa básica brasileira é a mais alta do mundo em termos reais. Para definir a taxa real, desconta-se dos juros nominais a expectativa de inflação 12 meses à frente. Os juros básicos reais no Brasil estão em 7,4% ao ano, liderando um ranking em que, na sequência, aparecem os juros reais mexicanos, de 5,5%, chilenos (4,7%) e colombianos (3%).

Mesmo nesses níveis altos, no entanto, as taxas básicas não estão conseguindo evitar elevações contínuas nas projeções de inflação.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Na frase "O nível de 13,75% nominais ao ano é mais do dobro da inflação esperada para 2023, no momento, em torno de 2023" faltou informar a expectativa de inflação para 2023. De acordo com o Boletim Focus divulgado em 6 de fevereiro, a inflação esperada para este ano é de 5,78%.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL