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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Discussão amanhã sobre meta de inflação é decisiva para trajetória de juros

O governo tem dois dos três votos do CMN, da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
O governo tem dois dos três votos do CMN, da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Do UOL, em Brasília

28/06/2023 04h00

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Conforme previsto na lei que instituiu o regime de metas de inflação no Brasil, o Conselho de Política Monetária (CMN) se reúne nesta quinta-feira (29) para definir a meta de inflação de 2026. Mas, há a expectativa de que o debate vá além disso, com impacto na trajetória dos juros.

Além da questão das metas, outros três eventos nesta semana são importantes para a trajetória de juros: a ata do Copom, divulgada nesta terça-feira (27), elogiada pelo ministro da Fazenda, a inflação pelo IPCA-15, que veio desacelerada, e na quinta a divulgação do relatório trimestral de inflação do Banco Central e a decisão que será tomada pelo CMN.

O comitê é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. Na reunião desta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve levar ao colegiado a proposta de alterar o prazo para o cumprimento da meta de inflação, da atual meta anual para uma meta contínua. Pela lei, só o titular da Fazenda pode propor uma mudança nas metas de inflação, já que ao Banco Central cabe cumprir a meta, e para isso definir uma taxa básica de juros da economia que seja compatível com o cumprimento da meta.

Se for aprovada, a mudança impacta na taxa básica de juros definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). Com uma alteração no horizonte da meta, o BC não precisa apertar tanto a política monetária quando há uma tendência de queda da inflação num horizonte mais longo, como ocorre hoje no Brasil. Ou seja, a meta contínua abre mais espaço para o Banco Central cortar ou, em cenário de alta da inflação, elevar juros.

O conceito de meta contínua é adotado em outros países, como os Estados Unidos. E desde a presidência de Ilan Goldfajn, o Banco Central brasileiro fala do "horizonte relevante para a política monetária", que é o tempo que leva para os movimentos da Selic chegarem na ponta, na economia real.

Em países com menos crédito direcionado, caso dos Estados Unidos, esse tempo é menor. No Brasil, como cerca de 40% do crédito é direcionado ou subsidiado (juros menores do que da taxa básica, caso do Plano Safra), as mudanças na Selic não impactam diretamente na totalidade do mercado de crédito, mas em cerca de 60%. Em função disso, o tempo para os efeitos chegarem na ponta é maior. O horizonte relevante para a política monetária no Brasil, portanto, é de três a quatro trimestres, cerca de um ano. Se a meta de inflação for contínua ou com horizonte maior do que um ano, o BC não vai precisar dar um remédio tão amargo (juros altos) para jogar a inflação para baixo em um curto espaço de tempo.

Por exemplo, para cumprir a meta de 2023, que é de 3,25% (com tolerância entre 1,75% e 5%), com a meta anual o Banco Central tem menos espaço para cortar os juros em agosto ou setembro porque a tendência de inflação no segundo semestre é de aceleração e as últimas projeções (Focus) estão em 5,06% para o final de 2023. Com meta contínua a pressão fica menor.

Claro que há críticas ao modelo da meta contínua para o Brasil. Há um temor de que a mudança deteriore a credibilidade, pois se o BC estiver perseguindo uma meta olhando para frente, ele sempre pode jogar o cumprimento da meta para depois.

A expectativa do mercado e as informações que apurei nos bastidores é que a meta de inflação deve ser contínua em 3%, com intervalo de 1,5 p.p. a partir de 2024. O valor e o intervalo de tolerância coincidem com as metas que já foram estabelecidas em 2021 e 2022 para 2024 e 2025, de 3%. A meta de 2023 é de 3,25%.

Insatisfeito com o alto patamar de juros da economia, que travam o crédito e o giro da economia como um todo, o presidente Lula defendia em abril e maio tanto publicamente quanto internamente que se a meta de inflação estava "errada", ou alta demais, no sentido de ser necessário ter juros estratosféricos para atingir a meta, era melhor mudar a meta. E como o governo tem dois dos três votos do CMN, na prática o governo pode mudar tanto o prazo do cumprimento da meta quanto a meta numérica.

Em resposta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se mostrava contrário a uma mudança brusca. "É importante entender que quando se faz uma mudança na meta achando que vai ganhar flexibilidade para cair os juros, geralmente tem o efeito contrário. Isso significa que as mudanças de metas ou de arcabouço de forma geral têm que ser feitas visando ganhar eficiência e não grau de liberdade", disse em entrevista no final do mês passado.

Tudo indica que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve propor uma mudança meio termo, uma alteração negociada: a mudança no prazo do cumprimento da meta, sem, no entanto, alterar numericamente a meta para os próximos anos. Desde o início do regime de metas, a inflação no Brasil ficou além do teto da meta em sete anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022.

Roberto Campos Neto assumiu o BC em 2019 e seu mandato vai até 2024, ou seja, dos quatro anos em que ele está na presidência do BC, a meta de inflação foi cumprida em dois, 2019 e 2020.