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Em momento de alta da Bolsa, corretoras se fundem para tentar sobreviver

Executivos da Necton participam da cerimônia de abertura do pregão da B3 - Cauê Diniz
Executivos da Necton participam da cerimônia de abertura do pregão da B3 Imagem: Cauê Diniz

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

25/01/2019 04h00

Os analistas já cravaram que 2019 será o ano da Bolsa de Valores. E não são apenas os investidores que estão se mexendo para surfar esta onda. As corretoras, responsáveis por fazer a ponte entre o investidor e o mercado de ações, também estão vivendo um período de grandes movimentações.

As novidades no segmento começaram em setembro do ano passado, com a criação da Toro Investimentos, após quase seis anos de estagnação do mercado de corretagem no país. Em dezembro foi a vez de o Banco Inter lançar sua corretora. Na terça-feira (22), Concórdia e Spinelli anunciaram uma nova marca, a Necton, para marcar a fusão das duas instituições, que possuem décadas de tradição na Bolsa.

O negócio entre Concórdia e Spinelli marca a continuidade do processo de consolidação do segmento de corretagem no país. Obter ganhos de escala e agregar capacidade financeira para novos investimentos em tecnologia se tornaram essenciais para a sobrevivência das instituições.

"Estamos abertos a conversas com outras corretoras. Queremos ser consolidadores nesse mercado, buscar parceiros que queiram aderir ao nosso modelo de gestão", disse Marcos Maluf, presidente da Necton, durante cerimônia de lançamento da corretora na B3 nesta terça-feira (22).

A nova empresa tem entre seus acionistas Nelson Spinelli, filho do fundador da corretora que leva seu sobrenome, e o ex-ministro Luiz Fernando Furlan, que integra a família fundadora da Concórdia e da fabricante de alimentos Sadia.

Para conseguir unir as duas corretoras na Necton, Maluf adotou um modelo de governança corporativa com gestão profissional e também estabeleceu uma estrutura societária equilibrada, em que os donos de Concórdia e Spinelli passaram a deter partes iguais de 40% na nova empresa. Os 20% restantes foram reservados para funcionários mais antigos e também para atrair novos talentos para a corretora.

Quase uma década de estagnação

O mercado de ações brasileiro enfrentou um longo período de estagnação no número de investidores, entre 2008 e 2015. Somente no ano passado o número de pessoas físicas cadastradas na B3 (antiga Bovespa) voltou a crescer, superando a marca de 700 mil.

Enquanto enfrentavam esse período de vacas magras, as corretoras foram pressionadas pela B3 a modernizar suas estruturas às novas exigências tecnológicas, com objetivo de tornar as transações mais rápidas e seguras, já de olho na retomada do mercado de renda variável.

Na última década, quase 30 corretoras sumiram do mapa. Ou foram compradas por concorrentes, como a Um Investimentos, adquirida pela XP, e a Ágora, assimilada pelo Bradesco, ou tiveram sua liquidação decretada, como a TOV e a Gradual, envolvidas em operações fraudulentas, ou simplesmente desistiram do negócio e fecharam as portas, como a Souza Barros, após 87 anos de atuação no mercado.

Ainda assim, restam mais de 50 corretoras atuando na Bolsa brasileira. Pelo menos uma dúzia não é alvo potencial de consolidação porque são corretoras ligadas a grandes bancos brasileiros, como Itaú, Santander e Bradesco, ou grupos estrangeiros, como Credit Suisse, Goldman Sachs e UBS. 

Há quase uma dezena de corretoras tradicionais, comandadas há décadas pelo mesmo dono ou por seus filhos. "Essas são os potenciais alvos de compra ou aquisição. O problema é que as negociações quase sempre esbarram no valor da empresa ou no ego dos donos, que não querem abrir mão do controle", afirmou um analista do mercado financeiro que preferiu não se identificar.

Outro fator que tem impedido uma consolidação mais rápida do segmento de corretagem de ações no Brasil é um passivo tributário que diversas instituições carregam desde a fusão da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) com a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) em 2008. As corretoras mais antigas eram sócias das duas bolsas.

Para a Receita Federal, os donos dessas corretoras acabaram lucrando com a fusão das bolsas, mas não recolheram impostos. Após longa discussão jurídica, algumas corretoras quitaram a dívida, e outras aderiram ao Refis (Programa de Recuperação Fiscal) para parcelar os impostos atrasados. "Esse passivo travou diversas negociações", disse o analista.

Nem a XP escapou da consolidação

Nem mesmo a XP, maior corretora independente (não vinculada a um grande banco) do país, escapou do movimento de consolidação. A capacidade de atrair clientes com bom poder aquisitivo e mal atendidos incomodou os grandes bancos, que passaram a cobiçá-la. 

O Itaú venceu a disputa e levou 49% da empresa por R$ 600 milhões, mas encontrou resistência do Banco Central para assumir o controle da corretora, como pretendia inicialmente. O banco terá que esperar pelo menos até 2026 para concretizar o plano.

Guerra da corretagem

Embora o número de corretoras na Bolsa tenha diminuído na última década, a concorrência entre elas se acirrou. A maioria das instituições zerou as taxas cobradas dos investidores pessoas físicas para custódia de ações e para negociação de títulos públicos no Tesouro Direto.

No ano passado, a disputa se tornou ainda mais agressiva. A Clear, do grupo XP, passou a oferecer corretagem zero para compra e venda de ações. A novata Toro Investimentos também anunciou que os clientes que seguissem as recomendações de investimento em ações da corretora somente pagariam corretagem quando a operação indicada resultasse em lucro para o cliente.

Entretanto, algumas instituições aumentaram as tarifas cobradas em outros serviços, conforme mostrou reportagem do UOL, o que gerou críticas dos concorrentes e até da Ancord, associação que reúne as corretoras. "Está faltando transparência. O investidor não pode ser ingênuo de achar que uma operação na Bolsa não tem custo", declarou Caio Villares, na época presidente da Ancord.

Corretora prefere cobrar taxa e oferecer conteúdo de graça

Marcos Maluf, da Necton, também vê a corretagem gratuita com ressalvas. "Talvez faça sentido para um investidor mais maduro ou que opera muito. Nós preferimos cobrar um valor fixo do cliente e oferecer gratuitamente um conteúdo atualizado com informações sobre o mercado, além de recomendações periódicas feitas por um comitê de investimentos."

A Necton cobra R$ 11,90 por ordem de compra ou venda de ações pela internet (home broker), mas não possui taxas de custódia de ações, de corretagem no Tesouro Direto, nem de transferência de recursos (TED) para a conta do cliente em outro banco. "Temos também planos com valor menor de corretagem para aqueles clientes com perfil 'trader', que operam muito no mercado", disse Maluf.

A corretora resultante da fusão de Concórdia e Spinelli possui cerca de 40 mil clientes e R$ 10 milhões em recursos de investidores sob sua gestão. A expectativa é ampliar a clientela pelo menos em 25% neste ano, segundo Maluf. 

"Não queremos ser a maior corretora do país, mas queremos ser a melhor. Oferecer a melhor experiência para o cliente que acessa nossa plataforma online, sem abrir mão do atendimento exclusivo para aqueles investidores que fazem questão."

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