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Brasil já tem grupo que imita caso da GameStop e tenta bombar ação em queda

Valor de mercado da rede de lojas GameStop chegou a aumentar 18 vezes este mês - Getty Images
Valor de mercado da rede de lojas GameStop chegou a aumentar 18 vezes este mês Imagem: Getty Images

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo*

28/01/2021 17h38Atualizada em 04/02/2021 19h49

Resumo da notícia

  • Pequenos investidores usam redes para começar onda de compra de ações e inflar preços de empresas que estavam mal das pernas
  • Onda que começou nos EUA com varejista GameStop influencia outros casos inclusive no Brasil
  • CVM, órgão regulador do mercado brasileiro, avisa que esse tipo de movimento combinado pode ser considerado ilícito e receber punições da lei

A modinha de usar redes sociais para bombar as ações de alguma empresa decadente começou nos EUA e já chegou ao Brasil. Pequenos investidores combinaram de comprar ações de uma empresa que estava em queda livre por causa de análises negativas. O movimento repentino valorizou rapidamente o papel.

Esse movimento começou nos Estados Unidos, com a GameStop, uma rede de lojas de games massacrada por analistas que projetam um futuro sombrio. O negócio depende da venda de jogos físicos quando maioria só consome games online. Com a jogada nas redes sociais, as ações da empresa subiram 120% num dia. Ela aumentou de valor 18 vezes neste mês (até quarta, 27), atingindo US$ 24 bilhões de valor de mercado. No Brasil, um grupo de investidores tentou imitar a intervenção e se reuniu para buscar uma alta nas ações da resseguradora IRB por meio de uma 'compra coletiva'.

Brasil tem grupo no Telegram

Nesta quinta-feira (28), foi criado um grupo do Telegram, que chegou a quase 8.000 integrantes durante a tarde. As ações da IRB subiam nesta quinta mais de 13%. O criador do grupo informa que não é analista de valores mobiliários e que traz exclusivamente opiniões pessoais e da própria carteira de investimentos.

Grupo no Telegram de investidores do IRB - Reprodução - Reprodução
Grupo no Telegram de investidores do IRB
Imagem: Reprodução

É uma forma de evitar cobranças da CVM, o órgão regulador do mercado.

O movimento colocou as ações do IRB no topo das mais comentadas nas redes sociais, conforme mostra levantamento do BuzzFinanceiro.

CVM diz que esse movimento pode ser ilícito

Daí no mercado surge a questão: esse tipo de ação combinada não seria irregular, uma manipulação de preços? Procurada para comentar o caso do IRB no Brasil, a CVM apenas informou que acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário.

Na manhã desta sexta-feira (29), a CVM soltou um comunicado, mais duro, sobre esse tipo de atuação orquestrada de investidores, alertando ao mercado "que a atuação com o objetivo deliberado de influir no regular funcionamento do mercado pode caracterizar ilícitos administrativos e penais"

A Autarquia tem monitorado os movimentos no mercado e as comunicações nas redes sociais, sendo que, na presença de indícios e conforme exige a lei, cuidará da instauração do competente processo administrativo sancionador para a apuração das responsabilidades, bem como comunicação ao Ministério Público para a devida atuação na esfera penal.
CVM, em nota

Segundo a CVM, o chamado squeeze, que pode se configurar em situações nas quais um ou mais investidores provocam artificialmente a alta do preço de valores mobiliários, de maneira a causar prejuízos a terceiros ou auferir benefícios indevidos para si ou outros participantes do mercado, é uma das modalidades de manipulação.

No Brasil, a depender das características do caso, tais estratégias podem ser tipificadas, em sede administrativa, como "manipulação de preços" (inciso II, alínea "c" da Instrução CVM 8), definição que abarca a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda, havendo outros tipos na regulamentação que também se destinam a reprimir práticas que atentem contra a regularidade do mercado.
CVM em nota

Manipulação também é crime

A CVM destacou em nota que está em permanente interação com as Bolsas para que tenham atenção às regras de negociação aplicáveis aos casos de aumento de volume, liquidez e volatilidade, bem com aos limites de exposição nos mercados de liquidação futura, inclusive no empréstimo de valores mobiliários.

Perigo do tombo

Profissionais de mercado dizem que esse tipo de movimento pode seguir ocorrendo por causa do poder crescente das redes sociais e do aumento da influência da plataforma digital na indústria de investimentos - um tema que exploramos aqui no UOL.

Mas os riscos de quem compra ações de empresas que estão em queda por causa de dúvidas sobre o futuro dessa companhia não podem ser desprezados. O fato de milhares ou milhões de investidores comprarem uma ação e elevarem o valor de mercado de uma companhia não significa que o negócio dela ficou mais saudável.

De fato, nesta quinta-feira, as ações da GameStop já deram sinais de cansaço. O papel opera em forte queda nesta quinta-feira.

Para mim, isso é formação fictícia de preço, e isso é proibido. A SEC está investigando nos Estados Unidos. Aqui, tentaram fazer isso com o IRB, que tinha muito papel alugado, o que também não é legal. A CVM deveria investigar e eventualmente cancelar a operação. Isso é uma forma ilegal de fazer preço.
Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais e ex-dirigente de Bolsas e da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais)

Quem quiser correr risco deve abrir conta

Para o investidor que quiser se arriscar nessa briga de Davi contra Golias com ações de empresas americanas é preciso abrir conta em corretora no exterior, já que nem GameStop nem BlackBerry (outra empresa que teve ações bombadas artificialmente) possuem BDRs negociados aqui na Bolsa brasileira.

Venda a descoberto atinge especulador

O movimento de bombar ações nos EUA funcionou e afetou investidores profissionais que ganham dinheiro apostando na queda de uma ação, na chamada venda a descoberto, quando o especulador combina de vender no futuro uma ação que ele ainda não possui, apostando justamente na queda.

O plano é contar com a desvalorização desse papel. Assim, ele poderá comprar essa ação no mercado por um preço baixo e vender para quem ele havia acertado o negócio pelo preço maior combinado - e lucrar com essa diferença.

O plano funciona desde que a ação de fato caia. Porque se a ação começar a subir, o especulador vai ter que se virar para comprar o papel por um valor alto, vender esse mesmo papel mais barato e ficar com o prejuízo.

Foi isso que aconteceu com quem apostou contra a GameStop. Esse movimento desencadeou uma busca por outras empresas que possam ser igualmente vulneráveis, destacou em relatório a estrategista-chefe da Rico Investimentos, Betina Roxo, citando os casos das ações da AMC Entertainment, a maior operadora de cinemas do mundo, que saltaram 344% ontem, e da BlackBerry, que subiu 31,71%.

Na Austrália, ações que são alvo desse tipo de posições, como Webjet e Tassal Group, também subiram nesta quinta-feira mais de 5%, mesmo com o índice de referência ASX 200 de Sydney caindo 2%.

* Com agências internacionais