Três perguntas para entender a 'intervenção militar' de Temer contra os caminhoneiros
"Costuma-se dizer que onde tem Brasil, tem Forças Armadas". A fala é do general Joaquim Silva e Luna, atual ministro da Defesa, numa entrevista a jornalistas no fim da tarde desta sexta-feira, no Palácio do Planalto. Para Silva e Luna, a população brasileira já está acostumada com o uso das Forças Armadas nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e o Exército está em condições de ajudar o governo a desbaratar a greve dos caminhoneiros por ter estruturas e efetivos espalhados por todo o país.
Mas ao contrário do que sugere a fala do ministro, a medida anunciada por ele e pelos colegas Eliseu Padilha (Casa Civil), Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), Raul Jungmann (Segurança Pública) e Carlos Marun (Secretaria Geral) é extraordinária: esta é a primeira vez que o governo decreta uma operação GLO em todo o território nacional (e não em Estados ou municípios definidos). O decreto - publicado depois das 21h de ontem - dá poder de polícia para as Forças Armadas em todo o país, até o dia 4 de junho.
O uso da força também tem respaldo do Judiciário: no começo da noite, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União e autorizou o governo a remover manifestantes que estejam bloqueando vias ou estejam protestando nos acostamentos das pistas. A decisão de Moraes - publicada às 19h de ontem - é inclusive mencionada no decreto de Temer.
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Moraes também autorizou o governo a multar em até R$ 10 mil reais os caminhoneiros que bloqueiem vias, e R$ 100 mil as entidades que organizem bloqueios.
A BBC Brasil traz algumas respostas sobre o tema:
O que acontece agora?
O Ministério da Defesa deve designar um militar para atuar como comandante da operação - ele ficará encarregado de coordenar o trabalho de homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que atuarão no caso. Em seguida, este comandante estabelecerá um Gabinete de Crise para acompanhar a evolução da situação - neste caso, o gabinete terá representantes do Ministério da Defesa e da Segurança Pública.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Força Nacional (FN) também atuarão em apoio ao Exército.
Os procedimentos de uma operação GLO estão definidos em um manual do Ministério da Defesa, publicado em 2013. Quando a intervenção ocorre em um único Estado (a pedido de um governador, por exemplo), o militar designado para a operação também assume temporariamente o comando das forças de segurança locais e da Força Nacional.
O próprio manual do Ministério da Defesa diz que o uso das Forças Armadas nas GLOs deve ser "episódico, em área previamente definida e ter a menor duração possível".
Segundo o ministro Carlos Marun, o governo pretende ter a situação normalizada muito antes do fim do decreto - a expectativa do Planalto é que os grevistas sejam totalmente desmobilizados ao longo deste sábado.
O que os militares podem fazer?
Com a GLO, os militares passam a ter as mesmas funções que os policiais - o chamado "poder de polícia".
De acordo com o texto do decreto, as Forças Armadas estão autorizadas a agir para desbloquear rodovias federais em todo o país. Poderão também atuar em estradas estaduais e municipais, desde que haja pedido do respectivo governador ou prefeito.
Em nota, o Ministério da Defesa disse que as Forças Armadas só atuariam para garantir a "distribuição de combustíveis nos pontos críticos", fazer a "escolta de comboios", proteger "infraestruturas críticas" e desobstruir as vias próximas a refinarias de petróleo e centros de distribuição de combustíveis. "O emprego das Forças Armadas será realizado de forma rápida, enérgica e integrada", dizia o texto.
Durante a entrevista, porém, os ministros afirmaram que a ação pode ir ainda mais longe: o governo pode "requisitar" temporariamente os caminhões que estejam parados nas pistas; e colocar integrantes das Forças Armadas ou da Polícia Rodoviária Federal (PRF) atrás do volante para levar os veículos até a garagem dos donos ou ao destino da carga.
"A requisição de bens é um item do número de opções que o governo tem em qualquer circunstância. O que o governo está querendo dizer é que, se não conseguirmos garantir o abastecimento necessário e isso coloque em risco a saúde, por exemplo, haverá requisição. E se as coisas chegarem ao extremo da radicalização, o governo vai usar os instrumentos que tem", disse o general Etchegoyen. Esta medida, porém, não faz parte do decreto de GLO publicado ontem.
O que é a GLO e qual é a diferença para a intervenção no Rio?
As operações de Garantia da Lei e da Ordem, tal como existem hoje, foram criadas por uma lei de 1999, editada durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Segundo a lei, cabe ao presidente da República decretar a operação, sempre que estiverem "esgotados os instrumentos (polícia, bombeiros etc) destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio".
Antes disso, militares já eram usados esporadicamente para fazer a segurança interna em situações excepcionais - é o caso da chamada "Operação Rio", realizada naquele Estado no ano de 1994.
A GLO é um instrumento legal diferente da intervenção federal que está em curso no Rio de Janeiro desde fevereiro deste ano. No caso da GLO, o governo federal simplesmente autoriza o uso das Forças Armadas para atividades de segurança interna - todas as ações são controladas diretamente de Brasília. No caso do Rio de Janeiro, Michel Temer indicou um militar - o general Walter Souza Braga Netto - para comandar a Segurança Pública do Estado.
De 2010 até 2017, a GLO foi usada 29 vezes em todo o país - alguns exemplos recentes são a greve de policiais no Espírito Santo em fevereiro passado, e eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de de 2016 no Rio de Janeiro, e os protestos de rua em junho de 2013.
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