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Com mudanças, reforma pesa ainda mais para funcionário privado que público

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

22/07/2019 04h00

Algumas regras da reforma da Previdência foram aliviadas pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP) e o plenário da Câmara. Em termos de economia de recursos, o afrouxamento do cinto, porém, foi maior para servidores públicos do que para trabalhadores da iniciativa privada, proporcionalmente.

A participação dos trabalhadores privados no corte de gastos aumentou cinco pontos percentuais, de 65% para 70%, enquanto a dos servidores caiu um ponto, de 18% para 17%. Especialista critica esse desequilíbrio (veja no fim deste texto).

Trabalhador privado responde pela maior economia

Na proposta enviada pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso em fevereiro, a maior parte da economia prevista já era com o endurecimento das regras do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), que atende trabalhadores da iniciativa privada.

A proposta original previa que o setor privado representasse 65% e os servidores, que estão no RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), 18% da economia total, da seguinte forma:

  • Total economizado: R$ 1,24 trilhão
  • Participação dos privados: R$ 807,9 bilhões (65%)
  • Participação dos servidores: R$ 224,5 bilhões (18%)

Com o texto aprovado em primeiro turno, essa diferença aumentou, conforme divulgou o Ministério da Economia na quinta-feira (18).

  • Total economizado: R$ 933,5 bilhões
  • Participação dos privados: R$ 654,7 bilhões (70%)
  • Participação dos servidores: R$ 159,8 bilhões (17%)

Esses números levam em conta apenas mudanças nas aposentadorias de servidores da União, e não dos estados e municípios, que ficaram de fora da reforma.

O total de economia prevista não inclui apenas os dois regimes, mas também mudanças em outros benefícios e receitas, como abono do PIS, no BPC e no aumento do imposto CSLL para os bancos.

Economia por pessoa é maior entre funcionário público

A economia por pessoa ainda continua bem maior no caso dos servidores públicos, já que há muito menos servidores federais do que trabalhadores privados, e a média salarial dos públicos é bem maior.

São 1,4 milhão de servidores e 71,3 milhões na iniciativa privada. O valor médio da aposentadoria dos servidores federais chega a 19 vezes a do setor privado, de acordo com a IFI (Instituição Fiscal Independente).

Pelas contas do governo, a economia por servidor será de R$ 114,1 mil (com o primeiro texto era R$ 160,4 mil), enquanto por pessoa na iniciativa privada, cerca de R$ 9.200 (antes era R$ 11,3 mil).

Servidores públicos fizeram lobby mais forte

Segundo levantamento realizado pela "Folha de S.Paulo" no início de junho, grande parte das emendas apresentadas à proposta de reforma buscava aliviar regras para funcionários públicos e carreiras específicas. Em geral, essas categorias possuem um lobby mais forte dentro do Congresso e uma maior capacidade de articulação e pressão de parlamentares.

No mesmo dia em que o relator Samuel Moreira apresentava novas mudanças em seu texto, policiais civis e federais protestavam dentro da Câmara, chamando o presidente Jair Bolsonaro de "traidor".

Após o ocorrido, Bolsonaro passou a fazer campanha por regras mais brandas para categorias ligadas à segurança pública. No plenário, os deputados aprovaram destaque criando uma regra de transição para alguns policiais que estão na ativa.

Em entrevista publicada pela "Folha" na quinta-feira (18), o relator afirmou que a pressão dos servidores "foi maior" durante a elaboração do texto.

"Eu recebi sindicalistas, que estavam interessados no trabalho do RGPS [iniciativa privada]. Agora, de fato, os funcionários estão mais próximos. Eles acabam exercendo uma pressão maior", disse.

Para Moreira, porém, não houve um "privilégio" aos servidores, porque "todos vão trabalhar mais".

Peso menor dos servidores "não é bom", diz economista

Para Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), não é bom o peso menor dado ao regime dos servidores públicos, mesmo que a economia total de R$ 933,5 bilhões prevista seja "bastante satisfatória".

Ele diz que, apesar de o rombo do RGPS (setor privado) ser maior em números absolutos, o regime beneficia mais pessoas do que o RPPS (servidores públicos). Ou seja, o déficit dos servidores é muito maior, proporcionalmente.

"Esse impacto menor no RPPS (com a reforma) não é bom, nem do ponto de vista fiscal, e principalmente no discurso [do governo] do combate aos privilégios", afirmou.

"[Porém] essa discussão é política, já que está no Congresso, e não simplesmente técnica de economistas. Por isso que mudanças são feitas, e é melhor uma reforma 'politicamente aceitável e aprovada' do que nada."

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